quarta-feira, 12 de julho de 2023

Máscara da Morte | Capítulo 6

 


Abílio e Zélia. Lado a lado. Unidos materialmente, e só. Os corações encontram-se a quilômetros de distância um do outro. Eles aguardam ansiosos a vídeo chamada do casal de filhos acertada para logo depois do jantar. Claro que o policial enquanto esperava o surgimento dos herdeiros na tela do celular não pode deixar de notar no semblante da esposa o desespero e a tristeza. Ele se compadeceu e desejou no fundo do seu íntimo que toda essa situação desaparecesse instantaneamente. Desde quando chegara do plantão, poucas foram às vezes em que ela dirigir-se a ele. Que clima hostil.

 

— Oi! Pai, oi mãe? — falou Hortência ao lado do irmão.

 

— Oi! Filha, nossa, como você está linda. — declarou Zélia.

 

— Ah, obrigada! E como vocês estão?

 

Os dois se olharam.

 

— Estamos bem, filha. — começou Abílio.

 

— Que bom! — falou Carlos. — Hortência e eu decidimos pedir uma pequena licença aqui na empresa. Em breve faremos uma visitinha aos senhores.

 

— Uma visitinha de uma semana. — bateu palmas e riu Hortência.

 

Tanto Zélia como Abílio engoliram seco não sabendo o que dizer.

 

— E aí, o que acharam? —perguntou Carlos.

 

— Sim, sim, achamos ótimo, filhão. E quando será? — Abílio não consegue controlar sua respiração.

 

— Então! Já conversamos com o nosso supervisor e ele repassou para o chefe que prometeu nos dar a resposta ainda essa semana. — Hortência concluiu.

 

Mais comemorações. A vídeo chamada se estendeu por mais vinte minutos. Ao término, os meninos, as crianças, o orgulho do casal Fontana como eles costumam chamá-los fez com que o clima outrora de animosidade se transformasse em expectativa.

 

— Graças a Deus! Nossos filhos só nos traz alegria. — declarou Abílio voltando a se deitar no sofá.

 

— Verdade. Nós os criamos bem, na medida do possível.

 

— Nunca foi o meu objetivo terminar assim. — dessa vez foi o coração de Abílio quem falou. — sempre quis terminar meus dias a seu lado, ao lado dos meninos, os quatro juntinhos novamente.

 

Zélia segurou o quanto pode, mas não teve jeito. Abílio seguiu os passos da esposa mergulhando fundo nas lágrimas. Ele a segurou pela mão.

 

— Eu te amo, meu amor.

 

A dona de casa chorava de soluçar e mal pode responder à declaração do esposo. Abílio a puxou para junto dele e a abraçou. Ambos choraram muito, porém juntos. Zélia deitou sobre o corpo do marido voltando a sentir o calor, o cheiro e o coração batendo forte.

 

— Eu também te amo, meu amor. — falou entre soluços. — me desculpe por eu ser tão difícil.

 

Abílio Fontana não se sentiu bem com essa declaração. Pelo contrário, seu choro se tornou ainda mais amargo, ainda mais denso e ele sabe muito bem o porquê.

 

*

 

Das outras vezes, tudo o que Rose Maria precisava era que seu alvo chegasse ao prazer para que, de forma tranquila ela o enchesse do líquido mortal, contudo, algo muito estranho aconteceu dessa vez. O desgraçado o qual a possuí tem pegada e não só isso, ele a fez chegar ao clímax antes dele. Fazia algum tempo que ela não se sentia tão mulher e também tão exausta. Uma máquina humana é isso que ele é.

 

— E aí, gostou? — ele a perguntou.

 

Rose Maria não muito certa do que estava fazendo rolou para o lado direito da cama ainda ofegante. Ela olhou para sua bolsa em cima do criado mudo e sentiu que precisava terminar o que fora fazer ali, exatamente na casa do traidor. O sexo foi tão bom que valia a pena um segundo tempo, a máscara e o Cianeto poderiam muito bem esperar.

 

— Você foi ótimo, meu amor. — levantou-se. — ainda não acabou. Vou ao banheiro.

 

— Não demore muito.

 

O jovem rapaz, ainda desfrutando o melhor que essa idade pode proporcionar a aguarda deitado ainda ereto. De repente seus olhos focaram a linda bolsa de couro preto. A curiosidade o faz levantar e conferir o que uma mulher de meia-idade carrega dentro dela.

 

— Que merda é essa? — pegou a máscara de borboleta. — que mulher doida.

 

Mexendo um pouco mais ele encontrou a seringa, cheia do veneno. Nesse momento ouviu-se o barulho da descarga. Rose Maria o surpreendeu.

 

— O que você está fazendo?

 

 Rafael girou nos calcanhares. Na mão esquerda a máscara e na direita a seringa.

 

— Diz você o que significa isso.

 

Rose Maria não viu outra saída a não ser montar uma cena e tentar engana-lo.

 

— Você me pegou. Confesso que preciso me tratar. Sou uma viciada em sexo e não só isso, gosto de fantasias e...

 

— Olha só, vamos parar com essa palhaçada. Sei muito bem o que é isso aqui. Cianeto. Você ia me matar com essa coisa sua vagabunda.

 

— Não, claro que não.

 

— Se der mais um passo, vou arrebentar sua cara. Fique onde está.

 

— Por favor. Acredite em mim, isso aí faz parte das minhas loucuras sexuais...

 

Rafael deixou a máscara e a seringa em cima da bolsa e partiu pra cima de Rose Maria. Ele não poderia deixá-la sair dali livre.

 

— Prometo não contar para ninguém sobre o que rolou aqui hoje, nem mesmo para sua esposa...

 

— Não toque no nome da minha mulher sua bandida. — a atacou com fúria.

 

*

 

Enquanto emprestava seus ouvidos ao que Rafael tinha a dizer, Fausto Maia analisava cada gesto e também o tom de voz imposto do jovem que possuía um curativo grande no lado esquerdo da cabeça. A seu lado, Abílio Fontana tinha diante de si alguns documentos e fotos.

 

— Então ela te acertou com uma garrafa de cerveja. — Maia entrelaçou os dedos.

 

— Sim! Confesso que eu a agredi, mas numa distração minha ela me atingiu na cabeça e apaguei. Quando acordei ela já havia fugido.

 

— E você acha que conseguiria identificá-la, tipo, fotos ou vídeos? — Fontana retirou de um dos envelopes algumas dezenas de fotos. — dê uma olhada nessas aqui.

 

— Cara! Isso vai ser moleza. Aquela vaca tinha uma enorme cicatriz de queimadura no rosto.

 

— Beleza! Então, não tenha pressa. — falou Fausto.

 

Rafael foi passando foto por foto até parar numa e apontar com seu indicador.

 

— É essa.

 

Abílio pegou a foto e depois a passou para o delegado.

 

— Essa mesma, tem certeza? — Abílio guardou o restante dos documentos.

 

— Tenho!

 

Lá estava ela, Rose Maria, com seu olhar penetrante e um leve ar de indiferença na face. E como não poderia faltar: a cicatriz no rosto.

 

— É uma coroa bonita, não acha, Fontana? — indagou Maia.

 

— Tem razão. Farei um levantamento rápido. O senhor está liberado, Rafael e como eu havia prometido, sua esposa não ficará sabendo de nada. Certo?

 

— Valeu, eu agradeço aos senhores. — levantou-se.

 

Assim que o jovem deixou a sala, Fausto esfregou o rosto.

 

— Pois é, pelo visto ele prefere pegar as coroas e quase é morto por causa disso.

 

— Sorte a dele e nossa também. O problema é que, a essa altura ela já deve estar longe.

 

— Sinto que ela ainda está em Paraíso Novo. Acelere o processo e vamos deixar nossos homens em alerta, fechar a cidade se for preciso.

 

Fausto ainda falava quando Fontana puxou do arquivo uma pasta onde casos que não foram cem por cento solucionados são armazenados. Nele continham além de um curto depoimento, havia também uma foto e o que seria o endereço de Rose Maria.

 

— Ora, ora, veja só, delegado. Rose Maria Silva. — lhe mostrou a foto. — são bem parecidas, não acha?

 

— Melhor ainda, Fontana, posso afirmar ser a mesma.

 

*

 

A mala foi aberta às pressas e as roupas jogadas de qualquer maneira dentro dela. Rose Maria Sabe que encontrará dificuldade para fecha-la, mas quem se importa? Tudo o que ela mais quer e dar o fora daquela casa o mais rápido possível. No armário ela pegou cerca de dois mil reais e lamentou por não ter conseguido juntar mais. Com essa quantia ela mal conseguirá chegar em BH, mas fazer o quê? A melhor opção é pegar uma carona na estrada com algum caminhoneiro e sumir do mapa pelo menos até a poeira abaixar.

 

*

 

Ao voltar para sala segurando uma generosa caneca de café, Fausto Maia voltou sua atenção para o documento deixado em sua mesa, outrora esquecido no armário. Inúmeras são as ocorrências, digamos que, a cada um minuto alguém infringe a lei fazendo com que o trabalho da polícia se torne ainda mais difícil. Mais verdade seja dita; por mais que os boletins de ocorrência estejam sufocando as gavetas, nenhum jamais deixará de ser pelo menos analisado. O caso de Rose Maria Silva é um bom exemplo. Na época, por falta de provas ele foi deixado a parte, mas não arquivado. Maia sentou-se e beliscando o café releu todo o conteúdo do documento, porém com mais calma agora e descobriu que, por falta de atenção eles deixaram a solta um monstro.

 

— Só pode ser sacanagem. — tirou o telefone do gancho. — Fontana, é o seguinte, essa tal de Rose Maria Silva precisa ser tirada de circulação, essa mulher é extremamente perigosa. Acabe com a festa dela. Copiado?

 

*

 

Abílio desceu do veículo e andou a passos largos calçada afora até o endereço. Ciente de que teria que haver apoio de outros agentes, Fontana tocou duas vezes a campainha olhando para os dois sentidos da rua. Sem obter resposta ele decidiu invadir a casa mesmo sem um mandato. O muro não é tão alto então, qual seria a dificuldade? Inúmeras. Não pela falta do documento em si, mas sim pelos olhares curiosos dos vizinhos. Apesar de ser uma rua não muito movimentada, a chance de haver alguém olhando é enorme. Quando ele já havia decidido chamar um chaveiro, es que surge uma mulher segurando uma vassoura e sacolas de lixo.

 

— Olá, a senhora mora por aqui?

 

— Sim, senhor.

 

Abílio lhe mostrou o distintivo.

 

— Minha nossa senhora. Moço, eu não fiz nada...

 

— Fique calma, senhora. Estou procurando por Rose Maria Silva a conhece?

 

A mulher apertou os lábios.

 

— Acho que já a vi algumas vezes. O rosto dela é marcado...

 

— Vou lhe mostrar uma foto.

 

Cada minuto era precioso e Abílio tinha que dar por encerrada aquela conversa.

 

— Dê uma olhada. — entregou o celular na mão da mulher.

 

— Vish! É ela mesmo. Ela quase não sai de casa e quando sai, fica dias fora e por falar nisso, tem alguns minutos que ela saiu.

 

Mais que merda! Pensou Fontana.

 

— Reparou se ela tinha bolsa ou mala, se pegou táxi ou chamou Uber?

 

— Acho que foi Uber. O carro manobrou e foi nessa direção.

 

A miserável fugiu.

 

Abílio mal agradeceu pela informação. Ele disparou rua a cima já ligando para Fausto.

 

— Ela está fugindo. Envie um alerta para a rodoviária de Paraíso Novo e também para o aeroporto. — abriu a porta do carro.

 

— Farei um comunicado para a polícia rodoviária. Essa mulher não pode desaparecer.

 

— Pode deixar comigo. — acelerou.

 

*

 

A mala pesada faz com que seu corpo envergue-se lhe causando dor e desconforto em sua lombar. A vontade que dar é de parar e descansar por alguns minutos, mas Rose Maria sabe muito bem que, cada segundo é preciso para alguém em fuga. O lugar onde ela está ainda lhe oferece perigo, há casas e comércio por ali e é bem provável a existência de câmeras de segurança. Aeroporto e rodoviária encontram-se fora de cogitação, sua única chance de se safar é seguir pedindo carona. Assim que seus ouvidos captaram a aproximação do ronco de um motor, imediatamente ela ergueu seu braço. A caminhonete branca freou bruscamente. O vidro abaixou revelando o rosto desconfiado de seu condutor.

 

— Está indo para onde, senhora?

 

— Fronteira.

 

— Sério? Coloca sua mala aí atrás. Eu não estava indo pra lá, mas posso te deixar bem perto.

 

— Lhe agradeço.


Um comentário:

  1. Abílio cada vez mais próximo da solução dos crimes. Como será seu confronto com Rose Maria? Curioso para saber o final.

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