sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Oração



A porta do quarto se abre. A luz do corredor invade o cômodo que nos últimos dias vem sendo palco de clamores e prantos. Ela entra e não acende a luz. Seus passos fracos arrastam o chinelo preso ao pé até próximo da cama. Ela contempla a cama vazia. O relógio na parede marca vinte e duas horas, o mesmo horário em que seu marido gostava de se deitar. Agora ele não está ali. Uma lágrima escorre de seu rosto envelhecido e molha suas mãos. Sua respiração é pesada e cheia de sentimentos. Suas forças estão a abandonando aos poucos. Ela se ajoelha e entrelaça os dedos. O balbucio inicial indica que as palavras estão fugindo e ela não sabe mais o que dizer.
- Senhor…
Ela continua lá, ajoelhada, prostrada, indefesa, vulnerável. Lá fora a noite vai chegando ao seu ápice e dentro do quarto o clima lúgubre é quase palpável. Mais uma vez as palavras não chegam a boca.
- Senhor…
Na porta do quarto alguém a observa com seus olhos vivos. As mãos unidas e inertes aguardam o que acontecerá. A poucos metros dali ela permanece ajoelhada tentando articular. Sua mente está cansada, saturada e aos poucos o sono a vai dominando. Ela abre os olhos e ergue a cabeça, finalmente as palavras saem em meio ao choro.
- Senhor, quero meu amado de volta. - a pessoa parada perto da porta franze a testa. - eu o quero aqui, comigo, não suportarei viver sem ele, será doloroso demais, eu, eu o amo, foi o Senhor quem o me deu. Preciso dele, por favor, Deus, por favor, eu imploro, mas, que seja feita a sua vontade e não a minha, eu lhe peço isso em nome de seu filho, Jesus Cristo, amém. - ela volta a chorar e fica ali por alguns minutos. A pessoa sai do quarto silenciosamente.

O REINO

A pessoa que estava no quarto caminha com pressa trazendo na mão direita um papel. Ele chega diante de uma luz forte e se ajoelha.
- Grandioso, trago da terra um clamor.
- Sim, é de meu conhecimento. - a voz que vem da luz é alta e forte.
- Janete clama pelo marido que se encontra doente, segundo ela, seria impossível viver sem ele, Poderoso.
A luz fica ainda mais forte e muda o seu tom de cor para o azul.
- Vi as lágrimas dela, senti a dor de seu coração e sei que ela fala a verdade. Vá até o lugar onde ele se encontra e fique lá até o final. Vou conceder o pedido do coração dela.
- Louvor e honra a ti, Senhor!

HOSPITAL

Mãe, filhos e netos esperam na recepção. Janete se encontra com os olhos inchados e úmidos. Abraçado a mãe, o filho mais velho morde o lábio inferior olhando para a porta. A espera é torturante e machuca bastante.
- Calma, mãe, o pai vai sair dessa. - aperta firme a mão da mãe.
- Em nome de Jesus.
A porta abre e os corações palpitam mais rápidos. O médico aparece olhando para Janete e os outros.
- Vamos conversar.
Janete é conduzida até a sala do doutor em silêncio. Chegando lá ela é a única a sentar.
- Bom, como eu havia falado, o risco da cirurgia era grande e seu marido tinha sérias chances de vir a óbito ainda na mesa. - o médico faz um terrível pausa. - bom, o senhor Ademar resistiu a intervenção e passa bem.
De repente aquela minúscula sala fria se transformou num tipo de templo onde os presentes glorificam. Janete na mesma hora agradece a Deus e também ao doutor.
- Obrigado, muito obrigado, doutor Jeremias.
- Que nada, fiz apenas o que tinha que ser feito. - se levanta. - com licença, vou dar uma olhada nos outros pacientes, mais uma vez parabéns.
Janete é abraçada pelos filhos e ao mesmo tempo ela glorifica a Deus pelo feito.
- Obrigado Senhor, muito obrigado!
A pessoa que estava no quarto de Janete na noite anterior, deixa o centro cirúrgico, passa pelo doutor Jeremias e sorrir para ele. O médico passa sem tomar conhecimento. O ser, antes de sair do hospital ainda olha para a família que comemora no corredor. Ele passa pela recepção e observa um homem angustiado e espera um pouco. Falando baixo o rapaz diz.
- Nos ajude Deus nessa hora. - o ser se posiciona ao lado do rapaz.

FIM



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