A
porta do quarto se abre. A luz do corredor invade o cômodo que nos
últimos dias vem sendo palco de clamores e prantos. Ela entra e não
acende a luz. Seus passos fracos arrastam o chinelo preso ao pé até
próximo da cama. Ela contempla a cama vazia. O relógio na parede
marca vinte e duas horas, o mesmo horário em que seu marido gostava
de se deitar. Agora ele não está ali. Uma lágrima escorre de seu
rosto envelhecido e molha suas mãos. Sua respiração é pesada e
cheia de sentimentos. Suas forças estão a abandonando aos poucos.
Ela se ajoelha e entrelaça os dedos. O balbucio inicial indica que
as palavras estão fugindo e ela não sabe mais o que dizer.
-
Senhor…
Ela
continua lá, ajoelhada, prostrada, indefesa, vulnerável. Lá fora a
noite vai chegando ao seu ápice e dentro do quarto o clima lúgubre
é quase palpável. Mais uma vez as palavras não chegam a boca.
-
Senhor…
Na
porta do quarto alguém a observa com seus olhos vivos. As mãos
unidas e inertes aguardam o que acontecerá. A poucos metros dali ela
permanece ajoelhada tentando articular. Sua mente está cansada,
saturada e aos poucos o sono a vai dominando. Ela abre os olhos e
ergue a cabeça, finalmente as palavras saem em meio ao choro.
-
Senhor, quero meu amado de volta. - a pessoa parada perto da porta
franze a testa. - eu o quero aqui, comigo, não suportarei viver sem
ele, será doloroso demais, eu, eu o amo, foi o Senhor quem o me deu.
Preciso dele, por favor, Deus, por favor, eu imploro, mas, que seja
feita a sua vontade e não a minha, eu lhe peço isso em nome de seu
filho, Jesus Cristo, amém. - ela volta a chorar e fica ali por
alguns minutos. A pessoa sai do quarto silenciosamente.
O
REINO
A
pessoa que estava no quarto caminha com pressa trazendo na mão
direita um papel. Ele chega diante de uma luz forte e se ajoelha.
-
Grandioso, trago da terra um clamor.
-
Sim, é de meu conhecimento. - a voz que vem da luz é alta e forte.
-
Janete clama pelo marido que se encontra doente, segundo ela, seria
impossível viver sem ele, Poderoso.
A
luz fica ainda mais forte e muda o seu tom de cor para o azul.
-
Vi as lágrimas dela, senti a dor de seu coração e sei que ela fala
a verdade. Vá até o lugar onde ele se encontra e fique lá até o
final. Vou conceder o pedido do coração dela.
-
Louvor e honra a ti, Senhor!
HOSPITAL
Mãe,
filhos e netos esperam na recepção. Janete se encontra com os olhos
inchados e úmidos. Abraçado a mãe, o filho mais velho morde o
lábio inferior olhando para a porta. A espera é torturante e
machuca bastante.
-
Calma, mãe, o pai vai sair dessa. - aperta firme a mão da mãe.
-
Em nome de Jesus.
A
porta abre e os corações palpitam mais rápidos. O médico aparece
olhando para Janete e os outros.
-
Vamos conversar.
Janete
é conduzida até a sala do doutor em silêncio. Chegando lá ela é
a única a sentar.
-
Bom, como eu havia falado, o risco da cirurgia era grande e seu
marido tinha sérias chances de vir a óbito ainda na mesa. - o
médico faz um terrível pausa. - bom, o senhor Ademar resistiu a
intervenção e passa bem.
De
repente aquela minúscula sala fria se transformou num tipo de templo
onde os presentes glorificam. Janete na mesma hora agradece a Deus e
também ao doutor.
-
Obrigado, muito obrigado, doutor Jeremias.
-
Que nada, fiz apenas o que tinha que ser feito. - se levanta. - com
licença, vou dar uma olhada nos outros pacientes, mais uma vez
parabéns.
Janete
é abraçada pelos filhos e ao mesmo tempo ela glorifica a Deus pelo
feito.
-
Obrigado Senhor, muito obrigado!
A
pessoa que estava no quarto de Janete na noite anterior, deixa o
centro cirúrgico, passa pelo doutor Jeremias e sorrir para ele. O
médico passa sem tomar conhecimento. O ser, antes de sair do
hospital ainda olha para a família que comemora no corredor. Ele
passa pela recepção e observa um homem angustiado e espera um
pouco. Falando baixo o rapaz diz.
-
Nos ajude Deus nessa hora. - o ser se posiciona ao lado do rapaz.
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário