quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Contos para a madrugada (série completa)



Zumbis




          O mundo nunca mais foi o mesmo desde quando o primeiro defunto se levantou de seu leito lúgubre e passou a caminhar errante entre os vivos. Seria isso uma maldição ou obra de homens ambiciosos? Isso ninguém sabe. Tudo o que sabemos é que os mortos vivos estão por toda a parte levando terror e desespero aos seres viventes desprotegidos. Zumbis, é assim que são chamados os defuntos andantes, cadáveres devoradores.
           Ela foi sepultada á um pouco mais de um mês. Sua morte foi lenta e dolorosa. Ela não queria morrer, lutou contra isso até suas forças se esvaírem. Ela não queria morrer, porém seu coração desejava ardentemente se livrar da dor que o castigava. No seu ultimo dia de vida ela ainda fez uma belíssima declaração de amor a vida antes do carro perder a direção e se chocar contra outro de frente. Presa nas ferragens, ela pediu para que os bombeiros a salvasse. Isso não aconteceu. Seu coração explodiu derramando sua vida no asfalto negro. Ela não queria morrer.
           Agora ela anda por aquela mesma estrada. Os olhos amarelos e a boca aberta de onde escorre um líquido denso esverdeado, o que seria aquilo? Pois é, ela agora é uma zumbi, uma morta viva que tras com ela o pânico. Enquanto seus pés se arrastam pelo asfalto, pedaços de seu corpo apodrecido vão desenhando e riscando com carne e sangue repugnante. Fora o odor que contamina todo o espaço ocupado por ela.
           Alguém a vê se arrastando pela estrada:
            - Cuidado, zumbi. – diz um homem vestido com uma espécie de macacão branco, máscara cirúrgica e touca.
            - Seu estado é caótico senhor, ela está caindo aos pedaços. – diz outro vestido da mesma forma.
            - Tudo bem, tentar amarrá-la seria trabalho jogado fora, seu corpo não resistiria ás cordas, se romperia.
            - O jeito é eliminá-la aqui mesmo.
            - Ótimo, me passe o facão.
            Claro que ele teme pela reação da zumbi. Por mais que ele já tenha feito isso diversas vezes, esses bichos são imprevisíveis demais. Ela ao sentir a aproximação do homem, seus grunhidos aumentam e com seus braços finos e esburacados de feridas tentam tocá-lo. Com uma certa habilidade o homem corta primeiro os membros superiores. O sangue negro respinga sujando o macacão outrora branco. A zumbi não toma conhecimento e ainda assim parte pra cima. O outro sujeito vendo a dificuldade de seu parceiro, saca seu rabo de galo e acerta em cheio a cabeça da zumbi que desaba como fruta podre.
           - Pronto, essa não incomoda mais ninguém.
           - Vamos levá-la para o laboratório senhor?
           - Não, deixe que os urubus cuidarão dela.
           O corpo podre volta ao seu estado horizontal. O crânio dividido e os braços decepados. E como o cientista mesmo falou os urubus cuidaram mesmo dela.

Um mês antes
           Letícia Barbosa ergue a lata de cerveja junto com os amigos na praça de alimentação do shopping comemorando seus 30 anos de existência e gostosura:
           - Um brinde a vida! – todos fazem coro a ela.

Fim


Contos para a madrugada
Fantasmas


           Para que usar a porta se ele pode atravessá-la. Desde quando voltou do abismo o espírito de Sergio vagou pelo mundo dos vivos até encontrar sua casa. Falecido á vinte anos, Sergio se perdeu nesse novo mundo. Agora ele achou sua casa, seu antigo lar. Tudo está no mais absurdo silêncio e escuro. Ele flutua até a cozinha e vê a pia coberta de louça – relaxada como sempre – flutua mais um pouco até a sala, tudo em ordem. Olha para as escadas e resolve ir até os quartos.
           Uma das portas está entre aberta e Sergio entra. Enrolado nos lençóis está seu filho mais novo, Gustavo:
            - Gugu, você cresceu, já é um homem. – fala baixinho. Em seguida uma lembrança o faz chorar. – pra que falar baixo? Ele não pode me ouvir.
            Sergio sai do quarto e vai até o outro que tem a porta trancada. Mais uma vez ele usa sua capacidade de atravessar. Se estivesse vivo, com certeza morreria com a cena que vê no quarto de sua filha mais velha:
            - Bianca?
            Bianca enrolada no edredom com um sujeito. Eles transam como loucos.
            - Minha filha, mais como, e sua mãe? Pare!
            Não adianta. Bianca não para, não o escuta. Que desgosto. Sergio não consegue chorar. Em meio aos gemidos da filha ele abandona o quarto e se dirige ao seu quarto onde repousa sua amada. Como as coisas mudaram desde quando ele desencarnou. Devagar ele flutua e atravessa as paredes. Outro baque. Maria, com que foi casado por vinte anos deitada entre os braços de um homem que não é ele, quem é esse cara?
            - Maria, minha flor, me traíste? Não, com certeza não, você deu sequencia a sua vida, merecia ser feliz.  – ele ainda permanece ali olhando até que um sino toca. Hora de voltar, deixar os vivos viverem suas vidas. Como mágica Sergio desaparece. Maria desperta:
            - Sergio! – seu marido também acorda com o grito.
            - O que foi amor?
            - Tive um sonho com meu finado marido, ele estava ali, observando a gente, Osvaldo.
            - Foi só um sonho querida, volte a dormir.
            Maria se recosta no peito de Osvaldo sentindo o cheiro do Musk que Sergio usava.

Fim

        
Contos para a madrugada
Vampiros


           Entre espasmos e tentativas de se livrar das garras da criatura, a vítima é sugada pela jugular até a ultima gota. O vampiro não hesita em se deliciar com seu sangue quente e fresco. Em poucos minutos a primeira vítima da noite está morta. Ele ainda tem fome, olha para o corpo sem vida no chão e observa os orifícios no pescoço ainda escapando um fio de sangue.
           Vampiros, quem são eles? De onde vieram? Para onde vão? Uma praga infernal. Sobrevoando a floresta ele com seus olhos de águia consegue identificar mais um vítima medrosa. Mais sangue. Como uma ave de rapina ele captura sua pressa cravando seus caninos na jugular:
            - Socorro!
            O vampiro com uma fome voraz vai sugando até sentir a vida do pobre homem indo embora. Suga até a ultima gota. O corpo cai. O vampiro limpa com a manga comprida o sangue que escorre de sua boca. Fome saciada? Acho que não!
             De repente uma dor o faz curvar. O que será isso. Ao olhar para seu peito, uma flecha penetrou em sua carne fria, gélida. Ainda entorpecido pela dor ele consegue ver escondido no meio da mata um caçador, ou melhor caçadores, que inferno. Uma armadilha, seria isso?
             Mais uma flecha acerta seu peito e seu grito é estridente. Quanta dor.
              - Vamos, ele não tem saída.
              O vampiro está cercado. Humanos miseráveis. Será esse seu fim? Um caçador com chapéu de caubói sai do meio do mato apontando sua arma para a cabeça do animal da noite:
             - Não tente fugir seu desgraçado, sua vida acaba aqui.
             - NÃO!
             O vampiro abre os braços e aciona suas unhas e pressas se transformando numa criatura horripilante. O caçador atira duas vezes, o peito do vampiro explode espalhando sangue por toda a parte. Outros homens também saem de seus esconderijos e atiram fazendo do corpo do noturno uma peneira ambulante.
              - Vamos acabar de vez com essa raça de demônios. – grita o líder dos caçadores.
              Em poucos minutos o que era uma ameaça, se transformou num monte de cinzas:
              - Nossa que cheiro horrível. – diz um jovem caçador.
              - Vai se acostumando ainda há muitos por ia.
              Eles não sabem, mais o líder está certo. Vindo na direção deles uma nuvem de noturnos cobre o céu tornando a noite ainda mais densa.

Fim






Contos para a madrugada
Lobisomem



         Nada como uma bela manhã de segunda e um corpo cambaleante de ressaca. Esse é o estado do xerife Paiva da pequena cidade do interior do país. Debruçado em sua mesa ele não escuta quando sua fiel secretária chega lhe trazendo um café mais amargo que sua própria vida numa xícara minúscula:
          - Xerife Paiva, o seu café sem açúcar como o senhor pediu.
          Ainda sonolento e salivando pelo canto da boca, o responsável por manter a ordem na cidade se ergue na cadeira. Sua mão treme, mesmo assim ele consegue segurar a xícara com o líquido fumegante.
          - Alguma ocorrência? – pergunta ele.
          - Mais uma vítima. – Paiva faz uma careta ao provar o café.
          - Ele atacou outra vez?
          - Sim, dessa vez uma mulher de 35 anos.
          Assoprando o café e se levantando, Paiva pega seu chapéu e sua arma.
          - Chame Justino, diga a ele que o espero no bar do Bento.
          - Vai beber mais uma? – pergunta a mulher baixinha e gordinha.
          - O que a senhora tem a ver com isso dona Flor?
          - Nada seu xerife.
          - Pois então vá fazer o que lhe mandei.

          Justino é o seu auxiliar, alto e magro, o rapaz não leva muito jeito para ser o substituto de Paiva. Mesmo assim o velho xerife acredita que Justino dará conta do recado quando finalmente ele gozar de sua aposentadoria.
          - O senhor me chamou xerife?
          - Sim, o bicho atacou outra vez, temos que pegá-lo.
          - Montaremos uma força tarefa?
          - Não, pelo que eu saiba lobisomem é homem durante o dia e em noites de lua cheia ele se transforma, temos que descobrir quem é esse bicho durante o dia.
          - Como faremos isso senhor?
          - Venha comigo.

           No necrotério da cidade, na realidade uma casa improvisada, Justino e Paiva interrompem o trabalho do legista Garcia.
            - Diga ai xerife, veio dar uma olhada no corpo?
            - Não, vim beijar sua mãe, claro que vim ver o corpo.
            - Calma xerife. – Garcia se afasta da mesa onde repousa o corpo da mulher. – lhes apresento a senhora Mara, morta por uma bela e poderosa mordida de um lobo, ou algo parecido.
            - Caramba, acabou com o pescoço e parte das pernas. – comenta Justino.
            Paiva anota tudo em seu bloquinho.
            - Em que mais posso ser útil xerife?
            - Nada, fique de boca fechada. – Paiva se vira para Justino. – onde o corpo foi encontrado?
            Justino coça o queixo.
            - Na estrada próximo de sua casa. – aponta para o cadáver.
          - Vamos até lá.

          No local ainda há manchas de sangue e pedaços de tecido. Paiva e Justino recolhem tudo. Ela é a quarta vítima do ataque do lobisomem.
          - Bom, ela vestia saia vermelha e blusa branca, ótimo. – Paiva guarda tudo num envelope. – vamos voltar ao necrotério.
          Enquanto Justino dirige rumo ao necrotério Paiva fala sozinho, ou com seus botões.
          - Já tem algo em mente xerife?
          - Acho que sim, veja, ela saiu de casa antes das seis da noite pelas informações, foi à vendinha e comprou fubá, já estava subindo a rua quando foi surpreendida pelo bicho que a devorou. O lobisomem mora desse lado da cidade, eu tenho certeza.

          Paiva e Justino entram na sala onde Garcia escreve algo na prancheta.
           - Estamos de volta Garcia.  – diz Paiva.
           - Grande xerife, o que mandas outra vez. – Garcia rir alto. Paiva faz uma careta.
           - Ou você comeu merda ou continua com o péssimo habito de não escovar os dentes, Garcia, que bafo miserável.
           Constrangido Garcia tapa a boca com uma das mãos e vai até o espelho. Ele verifica se há sujeira nos dentes e seu semblante se fecha. Paiva saca sua arma tranquilamente:
            - Como pode devorar a pobre moça Garcia, ou devo chamá-lo de lobisomem. Você vem comigo.
            Ainda confuso e dirigindo, Justino pergunta a Paiva como ele descobriu que Garcia era o tal lobisomem.
             - Foi fácil demais, quando chegamos pela primeira vez ao necrotério, Garcia sorriu para nós e notei que além dos dentes amarelados havia neles fiapos de linha vermelha, do mesmo tecido da saia da moça devorada, por isso que fiz questão de voltar à cena do crime para não cometer injustiça, entendeu futuro xerife?
             - O senhor é mesmo fera xerife Paiva.

Fim


Contos para a madrugada
Espíritos negros


         Hesitante ele demora alguns minutos para chegar ao terraço. Seu terno cinza e sapatos lustrosos denunciam seu padrão de vida. O mundo dos negócios tirou dele o convívio da família, parentes e amigos. Hoje o seu único amigo é o dinheiro e a fama. Alves cresceu muito no ramo de transportes coletivos. É dono de uma das maiores empresas de ônibus do estado.
         Agora Alves sobe as escadas se segurando no corre mão com força. Ele para e olha para trás – por quê não subi de elevador? – tarde demais. Agora resta apenas um andar para chegar ao terraço.
         A vista é maravilhosa, encantadora. Alves para e respira fundo. O empresário já esteve ali á alguns meses. Pra falar a verdade passou a noite ali com a amante se enchendo de vinho e conhaque, pra não falar em cocaína e outras drogas. Ele afrouxa a gravata e se aproxima do beiral. Que manhã linda. Mais uma vez ele olha para trás, parece esperar por alguém e esse alguém surge no vão da escada:
         - Decisão tomada Alves?
         - Sim. – responde um pouco hesitante.
         - Então faça. – a pessoa também se aproxima do beiral.
         - Pode deixar.
         Sem dificuldade Alves sobe no beiral de proteção e abre os braços. A pessoa sorrir.
         - Isso, rumo à liberdade, sem problemas, sem dividas.
         Alves fecha os olhos e uma única lágrima escorre no olho direito. A pessoa se irrita.
         - Como assim? Você e quer voltar atrás?
         - Não, claro que não.
         Alves se prepara para pular quando outra pessoa surge no vão da escada.
         - Carlos? – grita Lucia. – o que faz aqui em cima sozinho, alias, o que faz ai em cima do beiral, quer se matar por um acaso?
         - Diga o que você quer Lucia.
         - Você tem uma reunião importante agora pela manhã com seus fornecedores, todos lhes esperam.
         Alves bufa e olha para a pessoa a seu lado.
         - Diga a eles que já estou indo.
         Lucia se ausenta e Alves olha ao redor e a pessoa já não está mais ali.

         Depois da reunião Alves descobriu que deve além daquilo que pensava. Trancado no banheiro e sentado no vaso sanitário ele alisa a calvície . Ao olhar para o box ele vê a pessoa de braços cruzados.
         - Então, você não vai suportar tanta pressão, o que lhe resta fazer então?
         - O que me sugere então?
         - Na gaveta tem uma lâmina que você comprou para se barbear, para ficar com sua amante, use-a.
         Com as mãos trêmulas ele abre a gaveta e apanha a lâmina. Arregaça as mangas do paletó e corta o pulso direito. Em seguida o esquerdo e se joga no chão do box aguardando a morte chegar.

Fim

   









           

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