sábado, 8 de abril de 2017

Febre


               Ele a avisou que voltaria, porém, Catarina não acreditou e agora se vê sem saída e sem esperança. Os saltos dos sapatos se quebraram durante sua fuga desastrada. Seu vestido curto agora não passa de retalhos que exibem suas pernas torneadas e longas. Sua maquiagem está borrada, se misturou ao suor lhe dando um aspecto horrendo. Catarina, uma mulher que todos os homens desejam, principalmente ele que sofreu uma terrível desilusão. Enquanto correr ela chora e soluça. Suas mãos de unhas grandes e pintadas apoiam nas paredes cobertas por lodo molhado. Ela se cansa e resolve se sentar, ali mesmo, ao lado dos ratos.
                - Alberto, meu amor. - treme os lábios.
              Assistir o grande amor de sua vida sendo morto foi demais para a estudante de direito. Alberto foi morto sem chance de defesa. Seu assassino o matou sorrindo olhando nos olhos dela. Foi algo inimaginável. Seu futuro marido gritava horrores sendo cortado aos pedaços, sentindo cada perfuração da faca dele. Assassino desgraçado. Agora ele se encontra atrás dela e, com certeza, fará o mesmo, porém duas vezes pior.
              Catarina levanta a cabeça a tempo de ver uma sombra crescendo. Ela só teve tempo de rolar para junto das latas de lixo e prende a respiração. Segundos depois lá está ele, alto, pele branca, careca, olhos azuis e na mão direita a faca que pôs fim a vida de Alberto.
                 - Querida, sua vez agora e não adiante se esconder. - diz sussurrando.
                Catarina sente o estômago embrulhar e por duas vezes ela se conteve para não vomitar. Um rato passou perto de sua perna. Em outra situação ela sairia dali gritando alarmando a todos que um monstro a perseguia. Hoje a história é outra. O monstro é ainda mais perigoso e deseja cortar suas carnes fatia por fatia.
                - Vamos, Catarina, saia de onde está, eu estou disposto a conversar. - diz um pouco mais irritado.
             A universitária fecha os olhos os apetando. Ela precisa sair dessa, ela não terminará como seu noivo, assim não. Ao abrir os olhos Catarina consegue ver um prego, um simples prego jogado debaixo da caçamba de lixo. Talvez seja seu último recurso. Em silêncio ela estica o braço e o apanha. Seu monstro perseguidor se aproxima de seu esconderijo passo a passo, lentamente.
                 - Catarina, eu já te vi, agora saia dai e vamos beber alguma coisa, o que acha? Conversar como duas pessoas civilizadas.
                     - Tudo bem, Cris, tudo bem, vamos conversar.
                 Os olhos de Cristiano brilham ao ver aquela mulher morena, seminua e suada bem a sua frente. Ainda é possível sentir o hálito do vinho que tomava com seu falecido noivo. Cris respira fundo e depois sorrir, o mesmo sorriso de quando enfiava a faca no abdome de Alberto.
                    - Já te falei que você continua linda?
                    - Não, você perdeu muito tempo matando meu noivo, esqueceu?
              - Poxa, Catarina, você sabe, quando fico com raiva, parece que algo ou alguém toma conta do meu corpo e ai…
                     - Você mata.
                Cristiano dá mais um passo. Catarina não se afasta. Seu dedo indicador sente a ponta aguda do prego. Os olhos negros dela miram sua jugular que infla cada vez que ele fala. É ali que ela deve acertá-lo.
                  - Senti sua falta, sabia? - ele diz com uma expressão séria. - por que você fez isso comigo, eu te amava. - engole seco. - senti falta do seu corpo, da sua voz, das juras de amor, lembra?
               - Lembro, porém lembro muito mais das pancadas e das ofensas, você lembra disso?
              Cristiano abaixa a cabeça. Seria o momento de atacá-lo? Não! Melhor esperar. Cris levanta a cabeça e sua expressão já é mais fechada, uma nuvem negra encobre seus olhos cor do céu.
              - Vale lembrar que você também teve uma porcentagem nisso tudo. - aponta a faca. - você me traiu com Alberto, não foi?
               - Sim, trai sim, dias depois de você quase me matar com socos. - vocifera.
              Cris abaixa a faca e volta a ter a expressão mais tranquila. Ele olha para o céu com uma lua cheia linda que joga sua luz em seu rosto pálido. Seu coração acelera e uma lágrima desce. Cristiano olha para Catarina.
                - Você me perdoa?
               Como assim? Isso ela não esperava. Cris e ela ficaram juntos dois anos e em todo esse tempo ele jamais se desculpou, quanto mais pedir perdão. Será o novo Cristiano acontecendo? Ou será atuação de um monstro frio?
                - Vem, fique mais perto. - a voz sai baixa e embargada.
            Catarina baixa a guarda. Diante de seu ex marido e por um momento se esquece que ele assassinou com frieza seu grande amor. Dominada por um sentimento ela se aproxima ainda com medo. Sua mão aperta o prego até quase entortá-lo. Agora ela está ali face a face com ele, o homem que a espancou, maltratou e feriu seu jovial coração.
                 - Já havia esquecido como é bom sentir seu cheiro. - diz Cris.
                 - Você me perguntou se eu te perdoaria, não foi?
                 - Sim! - abaixa a cabeça.
                - Por que isso tudo agora? Por que matou o Alberto, se tinha alguém inocente nessa história, esse alguém era ele.
                Num movimento rápido Cris segurou nos braços de Catarina.
               - Eu não aguentei ver você envolvida nos braços de outro, principalmente nos do Alberto.
           - Cris, você o matou, gostando do que estava fazendo, em quem você se tornou?
         - Me tornei num homem apaixonado, saudoso, um cara que ainda ama a ex mulher e que tudo que ele deseja nessa vida é o perdão dela, foi nisso que me tornei.
              Houve um minuto de silêncio. Os olhares continuam intensos. Catarina teme pelo o que Cristiano possa fazer. De repente ele a segura forte e faz um pedido.
              - Me beija?
              - O que? - aperta os olhos.
              - Você precisa me beijar. - sua expressão fica sombria.
              Catarina dá um passa para trás e vê quando Cris segura firme o cabo da faca.                A melhor defesa é o ataque. O prego precisa entrar em ação antes que seja tarde demais. A universitária ataca cravando o prego no pescoço do homem que perde o equilíbrio. O sangue esguicha sujando o rosto da mulher. Cris solta um grito gutural.
               - Sua vaca!
              Catarina corre para mais fundo da estreita rua tendo seu ex a metros atrás. Sua respiração volta a ficar irregular. Um filme passa em sua mente, um filme de horror. Descalça seus pés são feridos pelo asfalto rústico. Ela chora, chora muito.
               - Vou te matar, sua desgraçada. - grita.
              A mulher não suporta a dor nos pés e cai. Cris a alcança chutando suas costas e cabeça. Ela grita pedindo misericórdia. Cris não dá pinta de que vai parar com o espancamento. Ele se ajoelha e senta na barriga da mulher que perde o folego.
                 - Não morra ainda minha bela.
                 - Não consigo, respirar. - tosse.
                Sorrindo o assassino começa a socá-la e a insultá-la. A cada golpe ela sente seu rosto estalar e a dor é alucinante. Aos poucos seu rosto belo e bem desenhado vai ficando desfigurado. O sangue do pescoço de seu agressor vai ajudando dar formas diabólicas. Cris não para até ouvir um estalido.
                - Uau, foi a minha mão se quebrando ou a sua cara?
               Ela não consegue mais falar e simplesmente balbucia algo. Seus dentes foram quebrados devido à violência dos golpes. De repente sua mente viaja e Catarina consegue ver Alberto em pé olhando para ela. Ele ainda tem aquele aspecto de terror no rosto e diz.
                 - Ainda não minha flor, ainda não.
                 - Me beije. - ela consegue dizer.
                 - O que? - Cris para o soco ainda no meio do caminho.
                 - Me beije, por favor.
                Cris estranha o pedido, mas aceita. Ele se inclina para beijá-la. Seus lábios se tocam mesmo feridos. Cris fecha os olhos quando recebe uma forte mordida arrancando boa parte de seu lábio superior. Descontrolado e segurando o que sobrou de sua boca, Cris ainda recebe uma forte joelhada nas partes baixa. Catarina empurra o corpo de seu ex para o lado.
                - Socorro! - se arrasta. - me ajudem, estou sendo atacada.
               Ao terminar de gritar ela sente uma forte ardência no pulmão e em seguida em outra região das costas. Ela demora aceitar, mas está sendo esfaqueada brutalmente. O sangue começa a sair de sua boa e sua visão falha. Cris enterra com força a faca e até se corta.
                 - Merda! - balbucia.
              O sangue vai dando outro tom ao asfalto. Catarina não se mexe mais, está morta. Cansado e sentindo forte dor, Cris tenta se levantar e com muito custo consegue. Ele olha para o corpo de sua ex e chora.
              - Maldita seja por me forçar a fazer isso. - limpa as lágrimas. - eu amava você, sabia disso? Podíamos ser felizes, mas você jogou tudo no lixo, você me forçou a fazer isso. - vai se afastando. - você, você me forçou, você causou tudo isso. - desaparece dobrando a esquina. FIM               

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