sábado, 24 de junho de 2017

EM DECOMPOSIÇÃO - Primeira Temporada completa




1

     Desanimado e abatido, esse é o estado em que se encontra o chefe da nação ao subir pela última vez ao palanque de onde fará seu discurso. Uma pequena e otimista multidão aguarda as sagradas palavras do presidente. Barba por fazer, cabelos precisando ser aparados e penteados e voz trêmula. Garcia despeja um balde de água fria em seu povo.
   - Não há mais recursos, lamento em informar. - faz uma longa pausa, talvez segurando o choro. - achamos que poderíamos controlar a situação, mas, ela foi maior que nós. - pigarreia. - eu, Alberto Garcia, não serei mais o presidente da república, serei mais um sobrevivente entre vocês. Perdi minha mulher vítima dessa praga do inferno. Meu filho está desaparecido a um mês e pra ser sincero, acho que foi morto, por isso suspendi as buscas. O último contato que fizemos com o estrangeiro foi desanimador, a praga é mundial e já há países inteiros dominados. Por isso venho até vocês, pedir para que lutem, lutem até o fim, não permitam que o nosso país seja dominado, lutem.
     Aos poucos a multidão vai se dispersando. Alberto Garcia se declara ex presidente e seus asseclas o abandonam. Não há mais governo, nem polícia e nem exército. Tudo foi extinto. Ele entra em seu carro pela primeira vez sem segurança e sem trânsito. Para onde estará indo? Ele olha para a paisagem e tudo que vê é lixo acumulado, lojas saqueadas, carros enguiçados na pista e algumas pessoas clamando por ajuda. Mas que ajuda? Ninguém virá buscá-los. O ex presidente acelera ganhando a direção do centro da cidade.

2

    - Estou com fome. - anuncia Amanda pela décima vez.
    - Eu também e nem por isso estou enchendo o saco. - reponde Mônica.
    - Posso sair para procurar? - vai até a janela.
   - Claro que não, saia da janela alguém pode nos ver. - diz a irmã mais velha e mal humorada.
    - Mais que droga, Mônica, eu estou menstruada, você poderia ser mais sensível.
   - Amanda, não deixe as coisas mais difíceis ainda, tudo bem, quando escurecer um pouco mais eu vou procurar pra você. Tente dormir.
   - Certo.
    Amanda se joga na cama de casal desarrumada e se encolhe. Mônica observa sua irmã adolescente em posição fetal e se lembra de quando ela era apenas um bebê. Lá fora o vento balança as árvores amenizando um pouco a situação. Mônica aos poucos vai se aproximando da janela quando dois sujeitos passam numa moto. Ela se abaixa. Eles passam direto.
     - Bandidos desgraçados.
     Ela volta até o quarto e percebe que Amanda já dorme. Ela vai até a cozinha. Mesmo acima do peso ela consegue subir no banquinho para alcançar a lata que está em cima do armário. Mônica abre o recipiente onde há alguns biscoitos recheados com a validade vencida. A ex estagiária devora alguns e desce. Vai até a janela. Tudo calmo, hora de buscar suprimentos.

3

      A rua está deserta. A noite é sem lua e com algumas nuvens. Mônica segura na mão direita um punhal. Um grunhido é ouvido e seu coração gela.
       - São eles, meu Deus.
      Ela se camufla entre o lixo acumulado. Dois zumbis passam exalando um forte odor. Mônica precisou se controlar para não vomitar os biscoitos. O perigo passou. Em silêncio ela sai e vai para o meio da rua. O que outrora era um bairro de classe média, agora não passa de uma lixeira gigante. Ela alcança um portão já aberto. Tudo escuro, nenhum movimento. Passo a passo Mônica vai até a janela. Quando se prepara para pular, alguém a toca nas costas.
     - Não grite, fique quieta, a mais deles vindo nessa direção. - avisa um sujeito segurando uma pistola.
     Desesperada a mulher olha para ele. Um outro homem aparece com um facão. Ambos escondem os rostos com camisas.
      - Você tem comida, moça? - pergunta o do facão.
      - Não, é o que vim procurar. - responde gaguejando.
      - Também estamos com fome, vamos levá-la para o grupo.
      - Qual grupo? - dá um passa para trás.
      - Se der mais um passo eu te mato.
      - Por favor, deixe-me ir.
      - Se liga gorda, meu amigo e eu estamos com fome, porém mais ainda para transar, se você puder nos ajudar, ai quem sabe.
      - Isso mesmo, vai tirando a calcinha ai, vai.
    Mônica deixa uma lágrima cair e engole seco. Ela pensa em Amanda que ficou dormindo. Pensa em seus pais que se transformaram em zumbis e pensa em Rogério, seu namorado que foi morto.
       - Pode ser os dois, ao mesmo tempo?
       - Hum, você é taradinha, ou o que, prefere dupla penetração?
       - Será rápido? - chora.
       - Seremos. - responde o outro do facão.
       Ela abaixa a cabeça. Enxuga as lágrimas. Respira fundo e olha para o bandido a sua frente.
       - Vamos nessa.


EM DECOMPOSIÇÃO

1

    Transpirando, sujo, cansado e com algumas feridas, essas são as condições do ex policial militar Alberto que vasculha o terreno em busca de abrigo. Já é quase noite, seu estômago reclama de fome e ele se quer conseguiu um roedor que seja. Suas roupas estão pegajosas e sua barba crescida lhe dão aspecto de mais velho, porém sua idade não passa dos 40.
agente Alberto Tavares, policial durão. Com ele vagabundo não tinha vez. Hoje, diante dessa epidemia que destruiu o mundo inteiro ele não passa de um sobrevivente. A mochila em suas costas está cheia de frutas podres e uma garrafa pelo meio de água.         Ele perdeu noção do tempo. Não sabe qual dia da semana é. Seu relógio de pulso parou desde quando o apocalipse aconteceu. Sua esposa, a professora de educação infantil Dora foi devorada por zumbis dentro do colégio. Foi uma cena dura de se ver. O grande amor de sua vida com as vísceras expostas. Alberto teve que atirar em sua cabeça para não ver Dora se transformar numa morta viva. Ali seu mundo havia ruido.        Quando tudo ficou ainda pior, ele resolveu seguir sozinho, sem grupo, apenas sua arma, um trinta e oito e um facão, eliminando zumbis a sua frente.
       O terreno está vazio. Alberto olha para o céu alaranjado e depois para o monte de ferro velho entulhado no canto. Ele pensa em fazer do terreno baldio uma pequena fortaleza com restos de carros. Isso levaria dias, mas ele conseguiria. Alberto puxa a arma do coldre e começa a caminhar. No tambor do trinta e oito três balas. Ele segue.          O coração acelerado ele sente bater na garganta. A testa molha mais uma vez e com as costas da mão ele limpa o suor. Chegando mais para o meio do terreno ele escuta grunhidos vindos dos carros enferrujados. Ele se prepara para o confronto. Dois zumbis enfurecidos aparecem loucos por cérebro fresco. A mira perfeita de Alberto esfacela o primeiro na cabeça. O outro rosna e tem o mesmo destino.
        - Malditos! - balbucia.

2

     Alberto sobe até atingir o último carro empilhado. Da li ele consegue ver os arredores.
       - Aqui será o ponto de observação. - fala para ele mesmo.
     Saindo do canto esquerdo uma zumbi caindo aos pedaços rosna e baba um líquido denso preto. Ela avista Alberto que puxa o facão e espera sua subida.
      - Vem, desgraçada.
      O ex policial divide a cabeça da morta em metades. O sangue podre suja ainda mais suas roupas, coisa que ele odeia. Ele se recompõe quando escuta o motor de uma moto. A arma é sacada e ele se esconde. O motoqueiro para em frente ao terreno e retira o capacete.
        - Já lhe vi, pode aparecer, sou do bem.
        Alberto permanece escondido prendendo a respiração.
        - Sou gente boa, me chamo José Carlos, mas pode me chamar de Juca.
       Ele entra no terreno. Suas roupas típicas de motociclista já estão empoeiradas e a águia bordada atrás da jaqueta perdeu a cabeça e uma das asas.
        - Vamos lá cara, aqui está cheio de zumbis, eu posso ajudar.
        - Parado, fique onde está.
      Alberto aparece ao lado do estranho com o cano da arma enterrado em sua têmpora. O motoqueiro paralisa diante da habilidade do ex policial.
       - Uau, como fez isso?
       - Cala a boca e me entregue sua arma.
       - Não tenho arma. - diz com os braços erguidos.
       - Não tem. - chuta a canela de Juca de leve. - levante a perna da calça, devagar.
       Um trinta e dois, bem escondido na meia.
       - Nossa, pelo visto você era policial, acertei?
       - Cale-se e vamos entrando.
       - Cara, relaxa, sou do bem, só quero…
       - Quantos zumbis já matou?
       Juca dá de ombros.
       - Um bom número, perdi as contas.
       - O que você era antes de tudo acabar? - Alberto continua apontando sua arma.
       - Cara, já pode parar com essas ameaças, sou um cara do bem, eu era dono de uma banca de jornais e motociclista nas horas de folga.
       Alberto consegue ver verdade nos olhos de Juca e baixa o trinta e oito.
       - Certo, mas por enquanto sua arma ficará comigo, certo?
       - Certo! - coloca as mãos na cintura. - bom, vai me contar o que faz aqui ou não?
     - Cansei de fugir, por isso vou construir aqui o meu espaço, farei uma fortaleza usando a lataria desses carros.
      - Bom, creio eu que vá precisar de ajuda, bom, aqui estou eu, serei seu ajudante.
     Em meses Alberto consegue sorrir do homem com pinta de nordestino a sua frente.      O ex policial limpa o suor da testa e olha para ele.
      - Tem comida? - pergunta o agente.
      - Na moto tenho dois ratos, vamos assá-los?
      - Feito!

3

     No dia seguinte debaixo de um sol forte os dois dão início a construção. Juca e Alberto vão aos poucos dando formas a fortaleza e depois de uma semana ela já tem uma torre de observação e dois alojamentos.
       - Alberto, você ainda não falou qual será o nome da fortaleza. - pergunta cavando.
       - Eu estava pensando em algo como Iron Life, o que acha?
       - Hum, vida de ferro, gostei, Iron Life, sob a liderança de Alberto Tavares.
     Mais uma semana se passou e a Iron Life já está quase pronta com dezenas de abrigos. Alberto está sentado dentro de seu escritório enquanto Juca monta guarda na torre. Ele olha para a rua ao lado quando duas moças se aproximam.
      - Auto lá. - anuncia Juca apontando o trinta dois.
    - Calma, somos pessoas de bem, essa é minha irmã Amanda e eu me chamo Mônica.
      - Mônica e Amanda, o que querem?
      - Abrigo, comida, água. - responde Amanda.
      - Tudo bem, vou falar com meu líder, vou abrir o portão.
    Minutos depois Mônica e Amanda estão diante de Alberto numa conversa de negócios.
      - Bom, aqui em Iron Life tentaremos recomeçar esse mundo, vocês estão dispostas?
      - Sim, claro que sim. - diz Mônica.
      - Bom, sejam bem-vindas a Iron Life.


EM DECOMPOSIÇÃO - Capturados

     Andar pelo pântano a noite foi uma péssima ideia. Ainda mais com pouca munição. Os sapatos estão cobertos pelo lodo e o cheiro do gás entope o nariz. O trio caminha a passos regulares mata a dentro a mais ou menos uma hora. A frente do grupo está              Matias segurando seu facão afiado.
     - Tenho sede. - resmunga Carlos.
     - Temos pouca água, aguente firme. - rebate Matias.
     - Matias, onde vamos acampar essa noite? - Jorge pergunta.
   Pergunta difícil. Matias não consegue ver um bom lugar para que todos possam dormir em segurança. Ele olha ao redor e só vê árvores.
     - Vamos em frente, acharemos um lugar.

     Mais à frente, onde passa um pequeno fio de água entre as pedras o grupo vê um baú de caminha abandonado. Matias, Jorge e Carlos comemoram o achado. Resta saber se é realmente seguro. O líder organiza o pequeno grupo. Cada uma pega uma ponta do baú. Jorge saca sua pistola e Carlos seu rifle de atirador. Matias permanece com o facão erguido. Eles circundam o baú e tudo está limpo.
     - Ufa, graças a Deus hoje podemos dormir sossegados. - diz Jorge.
    - Temos mais um trabalho a fazer. - completa Matias. - abrir o baú e ver o que tem dentro, em suas posições.

      Carlos aponta seu rifle para as portas do baú enquanto que Matias e Jorge as abrem. Quando Jorge terminou a contagem de um a três as portas foram abertas emitindo um forte ruído.
      - Droga, isso pode ter atraído os zumbis. - lamentou Matias.
     A caixa de metal está vazia. Matias saca sua pequena lanterna para olhar o interior e tudo o que ele vê são baratas. Carlos se coloca em posição de guarda olhando para a floresta escura.
      - Estão ouvindo isso?
      - O que? - pergunta Jorge.
      - Rosnados.
      - Deve ser um ou dois, a gente dá conta. - diz matias retirando a mochila das costas.     - eu vou ficar de guarda durante duas horas, depois o Carlos e em seguida você, Jorge, tudo bem?
      - Certo! - Jorge confere a munição da pistola.
    Nesse momento cerca de 60 zumbis aparecem. Carlos anuncia a chegadas dos mortos-vivos gritando. Matias engole seco e pega seu facão. A briga é feia. Três contra um exército de mordedores. Jorge sempre foi bom atirador. Aos poucos ele vai eliminando os mortos acertando as cabeças. Carlos atira e se abriga entre as árvores. Matias vai fatiando com violência todos os monstros que estão a frente. Suas roupas já estão sujas pelo sangue negro e o cansaço começa a bater.

       O confronto desigual segue. A munição de Jorge acabou, resta apenas ele usar suas habilidades como lutador para destruir os mortos. Fazendo uso do karatê ele vai derrubando, socando e quebrando. Num pequeno intervalo entre um zumbi e outro ele consegue ver uma madeira solta perto do baú.
       - Opa, vamos lá.
     As balas do rifle de Carlos estão perto de acabar, por isso ele utiliza um pequeno punhal que achou. O homem é um pouco lento, mas vai dando conta do recado.
       - Venham, seus desgraçados. - vocifera.
      Matias está visivelmente destruído, mas não se entrega. Ele precisa sobreviver, ele precisa encontrar um abrigo melhor para ele e seus companheiros de labuta. Matias luta com três mortos ao mesmo tempo. Sem perceber ele vai se afastando do ponto de partida e quando se dá conta, está perto do rio cercado por mortos-vivos furiosos. O facão gruda no crânio do zumbi desarmando o ex gerente de banco que cai indefeso.
      - Merda! - grita.

      Sem ter muito o que fazer, Carlos e Jorge se juntam na luta.
      - Cadê o Matias? - indaga Carlos furando o olho do morto.
     - Cara, esquece o Matias, ele já era. - responde afundando a madeira no alto da cabeça do zumbi que desaba.
     - Vamos sair daqui, e rápido, estamos cercados. - Carlos corre em direção as bananeiras quando um grupo de zumbis o cerca.
       Sem ter como ajudar o amigo, Jorge continua lutando. Enquanto chuta o rosto já destruído do zumbi ele olha para ver se Carlos conseguiu se salvar, mas, tudo o que consegue ver é o movimento das folhas das bananeiras.

      Amanheceu. Aos poucos a porta do baú vai se abrindo e Jorge aparece olhando ao redor da mata. O cheiro de corpos podres é insuportável. Ele cospe duas vezes e sai com a madeira nas mãos. Sozinho, sem água, sem comida e sem seus amigos. O sujeito vai pulando os cadáveres até chegar nas bananeiras. O que Jorge vê é um monte de pedaços de corpos e vísceras espalhadas. Ele limpa as lágrimas quando escuta um grunhido. A seu lado um zumbi pela metade caído. O homem chuta com ódio várias vezes a cara do bicho que insiste em mordê-lo no pé.
         - Vai pagar pelo que fez com meus amigos. - o último golpe explodiu o crânio do morto.

        Depois de algum tempo Jorge consegue achar a estrada. Muito exausto ele cai no acostamento. Ele permanece ali quase que inconsciente quando escuta o barulho de motor. Seus olhos estão quase fechando e uma picape preta empoeirada para e dois homens descem.
         - Esse aqui está quase morto, vamos matá-lo logo.
      - Não. - diz o rapaz que está no volante. - coloque ele junto com os outros na carroceria.
        Jorge é praticamente arremessado e cai em cima de outro. Criando forças para abrir os olhos, Jorge consegue identificar Matias a seu lado balbuciando algo. Ele olha para a parte de trás da carroceria e vê Carlos amarrado, ferido e desmaiado.
        - Quem são esses caras? - Jorge pergunta.
        - Seremos mortos, amigo.           

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