sexta-feira, 2 de junho de 2017

EM DECOMPOSIÇÃO - O Primeiro Paciente


  O avião mal pousou e o celular de doutor Ricardo vibrou em seu bolso da camisa. Sua voz grave e impaciente atente depois da sexta chamada.
  - Oi! - diz secamente.
  - Nossa, é assim que você me atende depois de passar uma semana fora? - indaga Laís sua esposa.
  - Laís, desde quando pisei em Hong Kong, você não parou de me ligar.
  - Estou com saudade meu amor, não vejo a hora de te encontrar.
  - Já estou no aeroporto, devo está chegando em casa em meia hora.
  - Legal, vou preparar um jantar delicioso em homenagem a sua volta.
  - Ótimo, vou chamar um táxi.
  Ricardo chama o táxi e Sabrina, uma morena sensual o abraça por trás o beijando a nuca.
  - Era a chata da sua mulher?
  - Opa, veja lá como fala, ela pode ser um porre, mas ainda é a minha mulher.
  - Sim, mas, ela faz o que eu faço? - disfarça e segura nas partes íntimas do médico.
  - Sossega menina levada. - a beija.
  - Você falou que em meia hora estaria em casa, não foi? - lambe a orelha do doutor.
  - Sim, por um acaso tem outra proposta? - acaricia o rosto bonito da morena.
  - Que tal passarmos naquele motelzinho perto do meu prédio, estou excitada.
  - Ótimo.

2

  Os movimentos de Sabrina deixam o médico sem ar. Na cama a mulher é uma amante como poucas. O casamento de Ricardo e Laís já teve dias melhores. Depois de um certo tempo, o relacionamento caiu na rotina e Laís ganhou alguns quilinhos a mais. Sem contar que a mesma já o fez passar vergonha por causa de seus ataques de ciúme. Tudo isso foi deixando o jovem doutor saturado de conviver com Laís. O sexo termina e Ricardo está transpirando. Rapidamente ele se levanta e vai para o chuveiro enquanto Sabrina permanece nua deitada na cama.
  - Quando vamos nos encontrar?
  - Quem sabe no final de semana, eu posso inventar que estarei num congresso. - fecha o chuveiro.
  - Vamos passar um final de semana inteiro transando?
  - Será que eu aguento? - se seca.
  - Vou aprender novas posições. - sorrir.
  - Menina levada.

3

  Ricardo mal colocou as malas no chão e Laís o metralha com perguntas do tipo; como foi a conferência? Como era o hotel onde ficou hospedado? O que comeu? Com quem comeu? Ricardo tenta de todas as maneiras se controlar para não explodir.
  - Tudo bem, tudo bem. Durante o jantar conversamos, estou cheio de fome.
  Realmente conversaram. Laís quis saber nos mínimos detalhes como foram os sete dias em Hong Kong. Depois do jantar, mesmo cansado e sem vontade ele transou com sua esposa e ambos foram dormir. Durante a madrugada Ricardo não parou de tossir. Ele se levanta e vai até o banheiro. Abre o armário e pega o xarope. Tosse mais uma vez e cospe na pia. Seu coração vem a boca ao ver sangue na saliva.
  - Meu Deus!
  Pela manhã Laís foi a primeira a acordar. Antes de se levantar ela beija o ombro do marido e se assusta.
  - Nossa, Ricardo, sua pele está queimando, está com febre?
  Ainda sonolento ele abre os olhos.
  - O que?
  - Você está ardendo com febre, quer que eu peça ajuda?
  - Passei mal a noite inteira. Preciso ir ao consultório resolver algumas questões. - joga o lençol para o lado.
  - Mas, como você vai dirigir nessas condições, você mal se aguenta de pé, melhor   voltar para cama, vou preparar um chá, sei lá.
  Ricardo volta a ter outra crise de tosse e dessa vez mais intensa. No lençol branco ficam alguns respingos de sangue e isso deixa Lais desesperada.
  - Ai meu Deus, você está tuberculoso. Vou buscar ajuda.
  - Laís, não viaja não, eu sou o médico aqui.
  Com o passar das horas as forças do médico foram se esvaindo. A febre aumentou e as tosses tiveram seu intervalo reduzido. O tom de pele de Ricardo passou do branco para o acinzentado. Todo o corpo treme e ele sente frio. Quando Laís voltou ao quarto seu marido estava no meio de uma nova crise de tosse e espasmos. Todo o lençol está sujo de sangue.
  - Ricardo, por favor, o que houve em Hong kong?
  Doutor Ricardo já não consegue mais falar. Tudo o que sai de sua boca são gemidos. Ele se agarra ao travesseiro. Laís corre e pega o celular. Tremendo ela disca o número da emergência. Ela volta a olhar para o marido que revira os olhos. Chorando ela volta para a cama e se abraça ao jovem médico que rosna.
  - Não, Ricardo, o que está havendo com você? Não.

4

  Foi preciso amarrar o doutor na maca. Mesmo preso por gazes ele se debate e rosna salivando.
  - Eu nunca vi uma coisa dessas, será raiva? - diz o socorrista.
  Com muita dificuldade é aplicado um medicamento em seu braço. Lais volta a chorar quando as duas portas da ambulância são fechadas. Mesmo desarrumada ela faz questão de acompanhar o marido até o hospital. Durante o percurso ele se debateu bastante. A enfermeira tenta a duras penas mantê-lo calmo. Em choque Laís fala com o marido e acaricia seus cabelos. De repente aquele homem bonito e atraente se transformou num horrendo animal que rosna e grunhe. Finalmente o hospital. O médico é levado as pressas para o centro médico ainda em estado crítico. O doutor que o atende se espanta em ver o aspecto de seu colega e agora paciente.
   - Meu Deus, mas, o que ele tem?
   Todos estão em choque e ninguém sabe direito o que fazer. O estado de Ricardo piora a cada instante e por fim, seus olhos se tornaram grandes esferas brancas sem vida. Ele olha para as pessoas ao redor e tenta atacá-las. Uma das amarras se rompe e doutor Ricardo segura com força a enfermeira que o tratou dentro da ambulância. Ela é puxada e mordida. O reflexo da mordida foi tão forte que houve laceração.
   - Nossa, você está bem?
   - Não. A mordida está ardendo muito, parece brasa.
   - Vamos aplicar mais sedativos. - ordena o médico.

  Com muito esforço Ricardo é novamente amarrado na maca. Os sedativos não causaram efeito algum e ele continua tentando atacar as pessoas. A enfermeira foi socorrida e não passa nada bem. Muita febre e mal estar. Aos poucos ela vai perdendo os sentidos e desmaia. Sozinha, Débora cai no vestiário sem ninguém para ajudar.
   Doutor Walter conversa soturnamente com Lais que ainda chora.
   - A senhora sabe exatamente o que aconteceu com o seu marido?
  - O Ricardo é médico e ele passou uma semana num congresso na China. Lá ele participou de experimentos, viu testes e tudo mais, é só o que sei.
   - Experimentos? - coloca a mão no queixo.
   - Sim, por que? - funga o nariz.
   - Seu marido não está nada bem, ele mordeu minha enfermeira a ponto de arrancar pedaço e a menina está muito mal. Ele está muito agressivo, não consigo fazer exame algum nele.
   - O que o senhor pensa em fazer?
   - Pra ser sincero. - olha para a loira a sua frente. - não sei, lamento.

5

  Doutor Walter conversava com Lais quando um corre corre deixa a todos apavorados.   Os guardas de plantão são acionados.
  - O que está havendo? - Walter pergunta.
  - A enfermeira Débora está atacando todo mundo. - responde um segurança.
 Dentro da unidade hospitalar o caos está instaurado. Algumas pessoas foram mordidas e estão caídas gemendo. Débora morde no pescoço uma funcionária. O sangue jorra manchando a parede. Os guardas cercam o corredor e tentam dialogar.
   - Enfermeira, somos nós, lembra. - saca o cassetete.
   Os olhos de Débora estão brancos e ela rosna salivando. A enfermeira corre pra cima do homem uniformizado e o morde no braço. Sem ter muito o que fazer ele bate com o cassetete em sua nuca. Ela não cai.
   - Ai, meu Deus.
  Um outro chega e aplica outro forte golpe, dessa vez no rosto. Débora cai e imediatamente se levanta grunhindo. Fora de controle, tudo fora de controle. Um PM chega sacando sua arma. Walter tenta impedi-lo.
   - Você não pode executá-la.
   - Doutor, será apenas um tiro para parar a ação dela.
   Débora morde outro guarda quando é alvejada com um tiro na perna. Ela manca, mas não cessa com os ataques.
   - Que diabos é isso. - diz o PM.
   Outro tiro na outra perna e a enfermeira continua ameaçando. Apavorado o agente a acerta no peito e ela continua de pé. Walter sente todos os pelos do corpo ficarem arrepiados. Mais disparos no peito, abdome e pulmão. Nada. O hospital aos poucos vai sendo evacuado e reforços policiais vão chegando. Mais pessoas com os olhos brancos e que rosnam vão surgindo. A imprensa já se posicionou na frente do hospital e faz cobertura ao vivo dos fatos.
   - Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com essas pessoas. - diz o jornalista freneticamente ao microfone. - tudo o que se sabe é que um paciente deu entrada hoje pela manhã apresentando um quadro crítico que deixou a todos apavorados.
   Enquanto rolava a matéria mas tiros foram ouvidos. Gritos de pavor e muito corre corre. Lá dentro o inferno acontece nos corredores frios. A PM cerca o local sem ter muito o que fazer.
   - Vamos recuar, senhor?
   - Nada disso, vamos manter a resistência. - grita o sargento.
   Um dos policias é atacado e morto. Ao ver o colega de farda ser devorado ele não tem alternativa. Ele atira acertando a cabeça. A pessoa cai.
   - Veja, é só acertar a cabeça.
   - Vamos atirar então. - vocifera um soldado.
   - NÃO! - grita doutor Walter. - meu hospital não será palco de execuções sumárias.
   - Doutor, com todo o respeito, isso aqui é o inferno e eles são os demônios. - diz o sargento da PM. - atirem na cabeça desses bicho.
   Enquanto os pacientes são executados um a um, Walter tampa os ouvidos e chora.
   - Não são bichos, são pessoas doentes, meus Deus, por que?

   Ricardo ainda se debate na maca. Seu rosto está mudado e não lembra nem de longe aquele homem exuberante que era. Um PM acompanhado por um outro médico entra na sala.
   - Faça o seu trabalho policial.
   - Deixa comigo, doutor.
  Um único tiro na testa e Ricardo em fim cessa os rosnados. Fim de história. Muito sangue e massa encefálica nos corredores. Walter chora compulsivamente em seu escritório. Realmente houve uma carnificina generalizada. O país todo está em alerta.     A todo instante a chamadas nas emissoras de TV. O governador veio a publico pela primeira vez.
   - Não há motivo para pânico, estamos de olho. Deixe conosco, tudo está sob controle.

    Longe do local onde o governador fala, num corredor de um prédio singelo alguém tem as vísceras devoradas por uma morena sensual. Ela escuta o barulho que as crianças fazem no playglound e corre na direção do som. Sabrina ganha a parte externa do prédio com seus olhos brancos e o rosto transformado. FIM


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