segunda-feira, 18 de junho de 2018

Volta Pra Mim


1


A singela festa começou a duas horas. Música ambiente, um painel com personagens da Disney e muitas crianças correndo pra cima e pra baixo. Carla está louca com tudo o que está acontecendo no microespaço de sua casa. Sua mãe tenta ajudá-la no serviço, mas festa é assim mesmo, nada fica sob controle. A anfitriã, Sofia se juntou aos coleguinhas para a brincadeira de correr pra lá e pra cá.
             - Crianças, vamos parar com essa brincadeira, vamos? - diz dona Maura.
            De nada adiantou o pedido carinhoso de dona Maura, as crianças continuam a correr e a gritar o tempo todo. Carla volta da cozinha com uma caixa contendo salgadinhos e outras guloseimas. Carla é uma mulher jovem, acabou de completar 32 anos, morena clara de cabelos negros cortados na altura dos ombros, bonita e bastante simpática com todos. Ela é no momento secretária de uma escola particular, porém não pretende fazer isso a vida toda. Carla tem estudado e se dedicado a um curso profissionalizante sobre moda. Sim, Carla quer ter seu próprio negócio, chega de trabalhar para os outros.
             Sua mãe ajuda a servir os salgadinhos junto com o refrigerante. Pela primeira vez em duas horas as crianças calaram a boca. Carla olha o relógio e depois para Sofia.
              - Mãe, ele vem?
              - Ainda é cedo filha, ele já deve estar chegando.
            O silêncio foi apenas momentâneo. Assim que terminaram de comer as crianças recomeçaram a correria deixando todos os convidados a beira da loucura. Dona Maura sugeriu cantar logo os parabéns e distribuir o bolo.
            - Mãe, Marcelo ainda não chegou, a Sofia ficaria arrasada cantar os parabéns sem o pai.
             - E você já ligou para ele? - dona Maura organiza os guardanapos.
             - Já estou fazendo isso.
             Não foi preciso discar o número de Marcelo, Sofia anunciou sua chegada gritando lá da sala.
             - Mãe, papai chegou.
             A menina pula no colo do pai já pegando a enorme caixa de presente. Carla chega da porta da cozinha e os olhares se cruzam. Marcelo segura sua filha nos braços e sorrir para Carla que devolve o gesto. Atrás da filha dona Maura resmunga algo.
             - Hum! - volta para organizar os guardanapos.
           Marcelo é um cara bonitão, no momento ele trabalha com transporte um ramo que ele pretende ampliar comprando mais um veículo. Sim, os negócios estão indo muito bem graças a Deus, seu esforço não tem sido em vão. Alto, cabelos começando a grisar, Marcelo está chegando aos 40 bem e com saúde.
             Ele coloca Sofia no chão e cumprimenta os convidados e depois vai até a cozinha.
            - Boa noite gente, estão precisando de ajuda?
            - Da sua não. - diz dona Maura baixinho.
            - Mãe. - Carla vai até a geladeira. - Marcelo, você poderia servir as gelatinas?
            - Sim, claro.
           Carla passa a bandeja para ele. Marcelo pode sentir o cheiro do perfume, o mesmo que ele a presenteou. Nossa, que sensação esmagadora. Ele sai da cozinha e agora é a vez de Carla ficar mal. Enquanto enche os copos com refrigerante ela volta no tempo. O tempo, por que ele faz isso com as pessoas, por que ele não volta? Os pensamentos são tão profundos que Carla não percebe que o copo já transborda.
             - Carla, acorda. - diz dona Maura. - o que houve?
             - Nada, mãe.

2

O parabéns é cantado. Sofia não desgrudado do pai um segundo. Carla e Marcelo trocam olhares desconfiados. O fotografo chama-os para a tradicional foto em família. Carla na esquerda, Sofia no centro e Marcelo na direita. Sorrisos largos e o flash iluminando-os. Hora de partir o bolo. Enquanto Carla reparte guloseima de chocolate, Marcelo se afasta com o celular na orelha. O coração da secretária se parte em pedaços. Vida que segue.
             Aos poucos a casa vai ficando vazia. Marcelo ajuda varrendo a varanda e recolhendo o lixo. Dona Maura limpa a cozinha e Carla se despede do pessoal no portão. O celular de Marcelo volta a tocar.
           - Alô, oi, sim, claro que vou.
           Carla passa por ele na tentativa escutar a conversa.
           - Já estou chegando, tudo bem?
           Dona Maura organizou a cozinha em tempo recorde.
           - Filha, eu já arrumei tudo e já vou indo.
           - Obrigado, mãe. - a abraça.
           A mãe de Carla passa por Marcelo.
           - Boa noite, Marcelo.
           - Boa noite dona Maura. - coloca o celular no bolso.
          Sofia pegou no sono brincando com a boneca gigante dada pelo pai. Carla abre um refrigerante e se serve. Anda até a varanda onde Marcelo termina de recolher o lixo.
           - Marcelo, pode deixar que amanhã eu levo o lixo pra rua, obrigado.
           - Ufa, terminei, fazer festa em casa é assim mesmo.
           - Como vão as coisas? - toma mais um gole.
         - Sabe como é, muito trabalho, acabei de comprar mais um carro e o cara que me vendeu não para de me ligar oferecendo outro.
            Carla respirou aliviada.
           - Bom, eu já vou indo. - encosta a vassoura.
           - Quer levar bolo, salgado?
           - Estou de boa.
         Carla o acompanha até o carro. Ambos em silêncio. A noite é fresca. Ele entra no veículo e abre o porta luvas e de lá retira um envelope.
           - Leia antes de assinar, por favor.
           A mulher engole seco ao segurar o envelope.
           - Mais já saiu, achei que fosse demorar mais.
         - Pois é. - puxa a carteira do bolso e conta o dinheiro. - eu sei que eu deveria depositar, mas é que tive contratempos. - entrega a importância.
          - Sem problemas. - diz desanimada.
          - Como eu falei, leia antes de assinar, de preferência consulte o seu advogado.
         Marcelo vai embora. Carla continua no portão segurando o envelope e o dinheiro. Um nó na garganta se forma, “leia antes de assinar”. Ela fecha o portão e anda arrastando a sandália até a varanda. Limpa uma lágrima teimosa e depois olha para o envelope. Permanece ali por alguns segundos, “leia antes de assinar”. Carla fecha a porta e lá dentro ela engole o orgulho e faz do envelope confetes. FIM                     

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