quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um Desafio para André Cruz - Capítulo 2

 


Um Desafio para André Cruz

Capítulo 2

 

Não é costume de André ficar tenso nos encontros com seus novos clientes, mas ao tomar conhecimento de que a poderosa senhora Manhãs o aguarda na próxima esquina, pode-se afirmar que o investigador está a beira do pânico. André a conhece das revistas e entrevistas que dava na TV. Ficar frente a frente com a mulher que no passado recente era temida, respeitada e também odiada por todas da alta classe não será uma boa experiência,  assim pensa o detetive.

Lá está ela. Roberta Manhãs. Vestida com um longo vestido liso bege, cabelos bem penteados e com os braços flácidos apoiando o corpo rechonchudo na bengala. Claro que uma idosa como Manhãs nunca estaria sozinha naquele estabelecimento. Seu motorista e guarda costa está praticamente colado a ela. Para não pegá-los de surpresa André acenou ainda de longe. Roberta parecia uma mulher de gelo.

- Como vai, detetive. Pensei que fosse um pouco mais velho.

- Espero que isso não seja um problema. – coçou a nuca.

- Eu também não. Vamos entrando. Espero que aprecie a comida. A aquisição desse lugar me custou os olhos da cara.

Roberta estendeu o braço livre para o guarda costa. O trio adentrou ao lugar. Cruz estava boquiaberto, o que o dinheiro é capaz de comprar. Eles ocuparam a mesa que fica exatamente no meio. Manhãs pediu uma tônica com gelo.

- O que vai querer investigador Cruz?

- Uma Coca-Cola, limão e gelo. – o rosto de André queimava de vergonha.

- Ótimo. – estalou os dedos.- espero que não se importe com a presença do Nunes. Ele é o meu anjo da guarda. – apontou para o homem parado a seu lado.

- Por mim tudo bem. – olhou para o sujeito que não esboçou qualquer reação facial.

Roberta Manhãs tem idade para ser talvez uma bisavó de André. Vendo-a como se porta à mesa o detetive sentiu saudades de sua saudosa vovó materna.

- Então, investigador, vamos direto ao assunto. Meu anel de brilhante sumiu. Foi roubado na verdade...

- Como tem certeza disso?

Roberta odeia ser interrompida, mas dessa vez reprimiu sua vontade de explodir e seguiu com o relato.

- Poucos sabem da existência desse anel e somente alguém bem próximo poderia ter roubado. No caso, o meu sobrinho Carlos. Foi ele.

- A senhora já o questionou?

- Não, mas tenho certeza que foi ele.

Ah esses idosos, quando cismam com uma coisa..., pensou André enquanto sua cliente falava.

    - Precisamos de provas, dona Roberta. As coisas não funcionam dessa maneira. Não podemos trabalhar em cima de especulações. Entende?

A paciência de Roberta estava perto de se esgotar. O pedido chegou bem na hora em que André ouviria poucas e boas.

- Foi exatamente por isso que lhe chamei, senhor Cruz. Quero que descubra quem roubou meu anel. Investigue meu sobrinho e verás que não estou especulando. Apesar de velha eu ainda não estou caducando.

A vontade de sair daquele lugar correndo foi grande. Por um segundo o detetive se lembrou do que seus avós maternos diziam, ouça sempre a voz da experiência. Pois é. Roberta pode estar velha, mas está lúcida e ainda lhe deu de graça uma linha de investigação. Melhor partir dela. A conversa ainda durou alguns longos minutos e por fim, a chefe da família Manhãs a deu por encerrada.

- Aguardo seu contato senhor Cruz. – falou levantando-se.

- Pode deixar.

Nunes, seu cão de guarda a conduziu até o carro. Em silêncio ele a pôs dentro do veículo no banco de passageiros. A idosa abaixou o vidro da janela do Corolla prata.

- Lembre-se, detetive. Dinheiro não é o problema. Estou disposta a pagar até cinco vezes mais do que o acordado. Mas eu preciso que encontre o miserável que roubou meu anel. Bom dia. Toque, Nunes.

Agora o pânico se instaurou de vez com essa declaração final de Roberta, encontre quem roubou o meu anel. E ela disse isso olhando André nos olhos. Uma cliente diferenciada, poderosa e principalmente autoconfiante. Cruz deixou aquele lugar ainda anestesiado com o encontro com Manhãs e porque não dizer com sua conta bancária uma pouco mais recheada. Roberta lhe pagou muito bem, sem miséria. Hora do encontro com Amanda.

 

*

 

Amanda é uma menina linda. É de se estranhar que ela durante todo esse tempo só tenha se envolvido amorosamente duas vezes. Para ela, o namoro é algo que vai além da curtição e longos beijos. Amizade, companheirismo e cumplicidade são coisas imprescindíveis. A recepcionista não gosta muito de apostar em relacionamentos, para ela iniciar um namoro, ela precisa estar segura. Ambos precisam ter os pés fincados no chão e isso ela viu em André.

- Oi. Demorei? – disse ele.

- Um pouco. – Amanda estava visivelmente irritada.

- Me perdoe. Eu estava trabalhando e...

- Tudo bem, André. Lá vem você com suas desculpinhas.

- Então você me chamou até aqui para me passar um sermão?  - o investigador também estava nervoso.

Eles ficaram em silêncio. Só depois de um tempo foi que ambos perceberam que haviam aumentado o tom de voz e todos naquela lanchonete prestavam atenção neles. Constrangedor.

- Vamos pedir alguma coisa?  - ela sugeriu.

- Sim, mas para viagem.

Meia hora depois Amanda se encontrava por baixo do detetive sentindo ele nela freneticamente. Ela bem que tentou resistir a tentação de ir para a cama com ele, entretanto a paixão falou mais alto em seu ouvido, vai valer a pena sua trouxa. E como valeu. André Cruz a fez chegar ao prazer várias vezes a deixando sem fôlego, nossa, quero esse homem só pra mim.

- Quando vai ser? – perguntou Amanda deitada sobre ele.

- Quando será o que?

- Quando vamos nos assumir de vez?

Boa pergunta! Na mesma hora Juliana Pereira, sua namorada, a mulher que ele ama de verdade brotou em sua mente. Sim, claro que o que ele vem fazendo com Amanda é de uma canalhice sem tamanho. Ela não o merece. André tem consciência de que precisa se libertar desse espírito de pegador nato. Todo pegador um dia acaba ficando sozinho, não há como fugir desse destino.

- O que te impede? – o beijou no peito.

- Sou meticuloso. Vai chegar a hora.

Lógico que houve o segundo tempo de um sexo pra lá de delicioso, porém Amanda seguia com um ressentimento que a incomodou durante todo o tempo. Na saída do motel André ainda tentou fazê-la confiar nele com palavras bonitas, porém vazias de qualquer sentimento. Amanda não lhe deu ouvidos.

- Vou te ligar mais tarde. Posso? – ela disse.

- Deve.

Após um beijo rápido eles se despediram. Cada um tomou seu rumo. André partiu atrás de seu suspeito e Amanda também.

 

*

 

Carlos Manhãs deixou a casa de Roberta por volta das 17 horas. Parecia com pressa. Entrou no veículo falando ao telefone e antes de ligar o motor ele seguia falando e gesticulando bastante.

- Você não sabe o trabalho que deu para conseguir isso. – disse saindo com o carro.

André registrou tudo usando sua fiel companheira, uma Canon 7d que lhe custou os olhos da cara na época. Assim que seu investigado deu uma certa distância ele autorizou que o motorista do Uber fosse atrás. Enquanto anotava suas ações afim de que, no fim do dia o relatório estivesse completo, André voltou a pensar em Amanda, seria melhor abrir o jogo com ela? Amanda não merece um cara igual a André. Ela é uma menina trabalhadora, dona de um futuro promissor e com certeza não encontrará dificuldades para conseguir um sujeito fiel a seu lado. Cruz é o que podemos chamar de homem galinha.

- O carro parou. – informou o motorista.

Foi como Cruz havia imaginado. Carlos desceu do veículo com o celular esmagando sua orelha esquerda, ainda falando e gesticulando absurdamente.

- Eu cheguei aqui agora. Vou falar diretamente com o gerente do banco.

André pagou a corrida e desceu. Caminhou até próximo do poste. Sacou seu smartphone. Claro. Nesses casos, um celular chama muito menos atenção. Fotografou e filmou. O trabalho de um detetive particular consiste no quesito paciência. Nunca, jamais e em tempo algum se pode agir por ímpeto. A palavra “espera” é a principal no vocabulário de um investigador. André Cruz permaneceu sentado na lanchonete ao lado do banco durante as quase uma hora em que Carlos Manhãs esteve na agência bancária. Deu tempo até de pedir um sanduba e suco.

- Pronto. – disse Carlos deixando o banco. – conversei com o gerente e aproveitei para fazer a transferência. Agora falta pouco.

Mais fotos e mais filmagens. Nessa hora o detetive gostaria de ser um mosquito só para saber qual o assunto. André deixou a lanchonete a tempo de conseguir ouvir Carlos dizer que estava voltando para casa.

Cruz chamou outro Uber. Dentro do veículo ele começou a rabiscar sua linha de investigação. Numa ponta ele escreveu o nome Carlos. Ao lado o nome e endereço do banco. Em seguida o contato misterioso pelo telefone, preciso descobrir quem é. Pronto. É o que André tem pra hoje. Foi um avanço? A voz eletrônica do aplicativo o fez voltar a realidade “você chegou ao seu destino”. André subiu correndo para o seu apartamento e vinte minutos depois Juliana apareceu. Ela aguardou alguns minutos perto do portão pacientemente. André voltou, a beijou e ambos saíram andando pela calçada abraçados como dois pombinhos. A muitos passos atrás, segurando o choro e a raiva está Amanda.

 

 

 


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