Um
Desafio para André Cruz
Capítulo
2
Não é costume de André ficar tenso nos encontros com seus
novos clientes, mas ao tomar conhecimento de que a poderosa senhora Manhãs o
aguarda na próxima esquina, pode-se afirmar que o investigador está a beira do
pânico. André a conhece das revistas e entrevistas que dava na TV. Ficar frente
a frente com a mulher que no passado recente era temida, respeitada e também
odiada por todas da alta classe não será uma boa experiência, assim pensa o detetive.
Lá está ela. Roberta Manhãs. Vestida com um longo
vestido liso bege, cabelos bem penteados e com os braços flácidos apoiando o
corpo rechonchudo na bengala. Claro que uma idosa como Manhãs nunca estaria
sozinha naquele estabelecimento. Seu motorista e guarda costa está praticamente
colado a ela. Para não pegá-los de surpresa André acenou ainda de longe.
Roberta parecia uma mulher de gelo.
- Como vai, detetive. Pensei que fosse um pouco mais
velho.
- Espero que isso não seja um problema. – coçou a
nuca.
- Eu também não. Vamos entrando. Espero que aprecie a
comida. A aquisição desse lugar me custou os olhos da cara.
Roberta estendeu o braço livre para o guarda costa. O
trio adentrou ao lugar. Cruz estava boquiaberto, o que o dinheiro é capaz de
comprar. Eles ocuparam a mesa que fica exatamente no meio. Manhãs pediu uma
tônica com gelo.
- O que vai querer investigador Cruz?
- Uma Coca-Cola, limão e gelo. – o rosto de André
queimava de vergonha.
- Ótimo. – estalou os dedos.- espero que não se
importe com a presença do Nunes. Ele é o meu anjo da guarda. – apontou para o homem
parado a seu lado.
- Por mim tudo bem. – olhou para o sujeito que não
esboçou qualquer reação facial.
Roberta Manhãs tem idade para ser talvez uma bisavó de
André. Vendo-a como se porta à mesa o detetive sentiu saudades de sua saudosa
vovó materna.
- Então, investigador, vamos direto ao assunto. Meu
anel de brilhante sumiu. Foi roubado na verdade...
- Como tem certeza disso?
Roberta odeia ser interrompida, mas dessa vez reprimiu
sua vontade de explodir e seguiu com o relato.
- Poucos sabem da existência desse anel e somente
alguém bem próximo poderia ter roubado. No caso, o meu sobrinho Carlos. Foi
ele.
- A senhora já o questionou?
- Não, mas tenho certeza que foi ele.
Ah esses idosos, quando cismam com uma
coisa..., pensou André enquanto sua cliente falava.
- Precisamos de provas, dona Roberta. As
coisas não funcionam dessa maneira. Não podemos trabalhar em cima de
especulações. Entende?
A paciência de Roberta estava perto de se esgotar. O
pedido chegou bem na hora em que André ouviria poucas e boas.
- Foi exatamente por isso que lhe chamei, senhor Cruz.
Quero que descubra quem roubou meu anel. Investigue meu sobrinho e verás que
não estou especulando. Apesar de velha eu ainda não estou caducando.
A vontade de sair daquele lugar correndo foi grande.
Por um segundo o detetive se lembrou do que seus avós maternos diziam, ouça
sempre a voz da experiência. Pois é. Roberta pode estar velha, mas está
lúcida e ainda lhe deu de graça uma linha de investigação. Melhor partir dela.
A conversa ainda durou alguns longos minutos e por fim, a chefe da família
Manhãs a deu por encerrada.
- Aguardo seu contato senhor Cruz. – falou
levantando-se.
- Pode deixar.
Nunes, seu cão de guarda a conduziu até o carro. Em
silêncio ele a pôs dentro do veículo no banco de passageiros. A idosa abaixou o
vidro da janela do Corolla prata.
- Lembre-se, detetive. Dinheiro não é o problema.
Estou disposta a pagar até cinco vezes mais do que o acordado. Mas eu preciso
que encontre o miserável que roubou meu anel. Bom dia. Toque, Nunes.
Agora o pânico se instaurou de vez com essa declaração
final de Roberta, encontre quem roubou o meu anel. E ela disse isso
olhando André nos olhos. Uma cliente diferenciada, poderosa e principalmente autoconfiante.
Cruz deixou aquele lugar ainda anestesiado com o encontro com Manhãs e porque
não dizer com sua conta bancária uma pouco mais recheada. Roberta lhe pagou
muito bem, sem miséria. Hora do encontro com Amanda.
*
Amanda é uma menina linda. É de se estranhar que ela
durante todo esse tempo só tenha se envolvido amorosamente duas vezes. Para
ela, o namoro é algo que vai além da curtição e longos beijos. Amizade, companheirismo
e cumplicidade são coisas imprescindíveis. A recepcionista não gosta muito de
apostar em relacionamentos, para ela iniciar um namoro, ela precisa estar
segura. Ambos precisam ter os pés fincados no chão e isso ela viu em André.
- Oi. Demorei? – disse ele.
- Um pouco. – Amanda estava visivelmente irritada.
- Me perdoe. Eu estava trabalhando e...
- Tudo bem, André. Lá vem você com suas desculpinhas.
- Então você me chamou até aqui para me passar um
sermão? - o investigador também estava
nervoso.
Eles ficaram em silêncio. Só depois de um tempo foi
que ambos perceberam que haviam aumentado o tom de voz e todos naquela
lanchonete prestavam atenção neles. Constrangedor.
- Vamos pedir alguma coisa? - ela sugeriu.
- Sim, mas para viagem.
Meia hora depois Amanda se encontrava por baixo do
detetive sentindo ele nela freneticamente. Ela bem que tentou resistir a
tentação de ir para a cama com ele, entretanto a paixão falou mais alto em seu
ouvido, vai valer a pena sua trouxa. E como valeu. André Cruz a fez
chegar ao prazer várias vezes a deixando sem fôlego, nossa, quero esse homem
só pra mim.
- Quando vai ser? – perguntou Amanda deitada sobre
ele.
- Quando será o que?
- Quando vamos nos assumir de vez?
Boa pergunta! Na
mesma hora Juliana Pereira, sua namorada, a mulher que ele ama de verdade
brotou em sua mente. Sim, claro que o que ele vem fazendo com Amanda é de uma
canalhice sem tamanho. Ela não o merece. André tem consciência de que precisa
se libertar desse espírito de pegador nato. Todo pegador um dia acaba ficando
sozinho, não há como fugir desse destino.
- O que te impede? – o beijou no peito.
- Sou meticuloso. Vai chegar a hora.
Lógico que houve o segundo tempo de um sexo pra lá de delicioso,
porém Amanda seguia com um ressentimento que a incomodou durante todo o tempo. Na
saída do motel André ainda tentou fazê-la confiar nele com palavras bonitas, porém
vazias de qualquer sentimento. Amanda não lhe deu ouvidos.
- Vou te ligar mais tarde. Posso? – ela disse.
- Deve.
Após um beijo rápido eles se despediram. Cada um tomou
seu rumo. André partiu atrás de seu suspeito e Amanda também.
*
Carlos Manhãs deixou a casa de Roberta por volta das
17 horas. Parecia com pressa. Entrou no veículo falando ao telefone e antes de
ligar o motor ele seguia falando e gesticulando bastante.
- Você não sabe o trabalho que deu para conseguir
isso. – disse saindo com o carro.
André registrou tudo usando sua fiel companheira, uma Canon
7d que lhe custou os olhos da cara na época. Assim que seu investigado deu uma
certa distância ele autorizou que o motorista do Uber fosse atrás. Enquanto anotava
suas ações afim de que, no fim do dia o relatório estivesse completo, André
voltou a pensar em Amanda, seria melhor abrir o jogo com ela? Amanda não
merece um cara igual a André. Ela é uma menina trabalhadora, dona de um futuro
promissor e com certeza não encontrará dificuldades para conseguir um sujeito fiel
a seu lado. Cruz é o que podemos chamar de homem galinha.
- O carro parou. – informou o motorista.
Foi como Cruz havia imaginado. Carlos desceu do
veículo com o celular esmagando sua orelha esquerda, ainda falando e
gesticulando absurdamente.
- Eu cheguei aqui agora. Vou falar diretamente com o
gerente do banco.
André pagou a corrida e desceu. Caminhou até próximo
do poste. Sacou seu smartphone. Claro. Nesses casos, um celular chama muito
menos atenção. Fotografou e filmou. O trabalho de um detetive particular
consiste no quesito paciência. Nunca, jamais e em tempo algum se pode agir por
ímpeto. A palavra “espera” é a principal no vocabulário de um investigador. André
Cruz permaneceu sentado na lanchonete ao lado do banco durante as quase uma
hora em que Carlos Manhãs esteve na agência bancária. Deu tempo até de pedir um
sanduba e suco.
- Pronto. – disse Carlos deixando o banco. – conversei
com o gerente e aproveitei para fazer a transferência. Agora falta pouco.
Mais fotos e mais filmagens. Nessa hora o detetive
gostaria de ser um mosquito só para saber qual o assunto. André deixou a lanchonete
a tempo de conseguir ouvir Carlos dizer que estava voltando para casa.
Cruz chamou outro Uber. Dentro do veículo ele começou
a rabiscar sua linha de investigação. Numa ponta ele escreveu o nome Carlos. Ao
lado o nome e endereço do banco. Em seguida o contato misterioso pelo telefone,
preciso descobrir quem é. Pronto. É o que André tem pra hoje. Foi um
avanço? A voz eletrônica do aplicativo o fez voltar a realidade “você chegou ao
seu destino”. André subiu correndo para o seu apartamento e vinte minutos
depois Juliana apareceu. Ela aguardou alguns minutos perto do portão pacientemente.
André voltou, a beijou e ambos saíram andando pela calçada abraçados como dois
pombinhos. A muitos passos atrás, segurando o choro e a raiva está Amanda.
Muito bom. Que história.
ResponderExcluirTop Julio...
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