A
Única Testemunha
Um
conto policial com Luís Souza
O garçom passou com a bandeja contendo meia dúzia de
taças com o a melhor e maior marca de
champanhe do mundo, prato cheio para um apreciador de bebidas finas como Lauro
Mota um dos professores de uma das maiores universidade de Norma. Pelas contas
essa será a sua quinta taça e pelo visto não irá parar nela. O salão de festas
está cheio. A faculdade organizou esse evento afim de promover entre os
funcionários e professores uma melhor interação entre os mesmos. Lauro por
exemplo, segundo o que dizem é um dos que deram maior apoio para que o jantar
acontecesse e por isso cabe a ele fazer o discurso.
Verônica
Cury, professora de direito, orgulho da instituição. Verônica foi aluna naquela
universidade. Passou parte de sua vida dentro daquelas quatro paredes, correndo
atrás de seu objetivo e hoje ela tem a honra de poder fazer parte do corpo
docente. Negra de traços bem marcantes como o nariz e a boca bem característicos, professora Verônica por onde
passa esbanja beleza, inteligência e principalmente a imagem de uma mulher
forte e determinada.
— Seria
melhor o senhor parar de experimentar todas as bebidas oferecidas, o seu
discurso será daqui a alguns minutos.
— Você está
linda nesse vestido branco.
— Não começa,
Lauro. – se afastou.
— Vou ao
banheiro.
— Seja
rápido e pare de olhar para a minha bunda.
Ruborizado
Lauro se encaminhou para o corredor.
Se
esforçando para ficar sóbrio, Lauro jogou um pouco mais da água fria no rosto.
Se olhou no espelho e reparou que as rugas vem lhe ocupando os cantos dos olhos.
A velhice chega mais cedo ou mais tarde, não tem jeito, pensou. Ele voltou a
jogar água no rosto quando sentiu uma forte ardência em sua nuca. Em pânico ele
deu às costas para o espelho e deu de frente para uma figura mascarada que voltou
a lhe golpear com a faca de caça no pescoço.
- Argh,
Deus, por que?
O sangue é
jorrado. Com uma precisão cirúrgica o assassino mais uma vez o acertou rompendo
sua jugular. Com o terno lavado em sangue o professor de filosofia caiu por
cima da pia e depois desabou no chão. Para se certificar da morte de sua vítima
o mascarado ainda desferiu mais alguns golpes, todos na região do pescoço.
Lauro Mota está morto. Seu assassino retirou a máscara a qual há uma caveira
desenhada e olhou para o corpo e cuspiu.
Decidida a ceder
aos xavecos de Lauro, Verônica foi até o banheiro masculino. Olhou para o final
do corredor e empurrou a porta dando de frente com o assassino que
imediatamente cobriu o rosto, porém não foi rápido o bastante. Verônica viu sua
identidade e também o corpo de seu colega de profissão boiando em seu próprio
sangue. Em choque a professora disparou corredor afora deixando o homem
mascarado a gritar palavras de ameaças. Verônica passou pelo salão correndo e
pedindo por ajuda.
— Socorro,
Lauro foi morto.
*
Luciano olha para Márcia como se ela fosse uma
relíquia procurada por séculos e séculos. Embora eles estejam jantando num dos
restaurantes mais requintados de Norma com todas as suas trinta mesas ocupadas,
Luciano Couto parece estar sozinho com a policial. Jovem, e com uma carreira
executiva promissora, Luciano ultimamente vem vivendo um verdadeiro sonho ao
lado de Márcia que é dez anos mais velha
do que ele.
— O que
está achando? – Perguntou Luciano enrolando o macarrão.
— Em se
tratando desse restaurante, eu não poderia esperar por outra coisa. Comida
maravilhosa.
— Eu ouvi
dizer que esse chefe de cozinha já trabalha aqui a quase vinte anos e que já
recusou convites para o exterior.
— E por
falar em trabalho, como vão as coisas na empresa? – Márcia terminou o prato.
— Fluindo.
No fim da semana passada eu apresentei um projeto para os diretores e sai de lá
bastante otimista.
— Com 24
anos, uma carreira de sucesso, o que Luciano Couto espera da vida?
Ele também
terminou de comer. Limpou os cantos da boca olhando para ela. Tomou um curto
gole do vinho e falou.
— Quem
sabe viver para sempre ao lado de uma policial maravilhosa.
Essa noite
ficara marcada na história de Márcia Bernardo como sendo a noite onde um rapaz
de apenas 24 anos a levou para passear na lua naquela cama de hotel. Foi
intenso, cercado de carinho, cuidado e sexo da melhor qualidade. Foi tudo muito
bom, antes, durante e depois. Luciano acariciava as belas curvas da mulher por
debaixo do lençol reascendendo-lhe o fogo.
— Se
continuar passando a mão ai, acho que vou querer partir para o segundo tempo.
— E você
acha que eu estou fazendo isso pra que?
— Safado!
*
Chorar agora
é algo frequente na vida da professora Verônica. Mesmo diante de Luís Souza ela
não consegue evitar que as lágrimas desçam. Educadamente o detetive lhe
ofereceu mais uma vez lencinhos descartáveis. Aquela imagem de Lauro estirado
em meio a uma poça de sangue não sai de sua cabeça. Lauro Mota poderia ser
chato ou até mesmo inconveniente, mas quando ele queria usar seu charme, isso
ele fazia muito bem. Foi realmente uma perda irreparável.
— Não
tenha pressa, professora, quando se sentir bem fique a vontade para dar seu
relato.
Foi
preciso alguns segundos para Verônica se recompor e se ligar que agora é hora
de passar com riqueza de detalhes tudo o que aconteceu naquele metro quadrado
do banheiro do salão de festas. O rosto do assassino e sua voz aguda a
ameaçando assim que ela fugiu da cena do crime. Hora de colocar aquele maldito
na cadeia.
— Bom.
Vamos lá. – fungou o nariz. – eu me lembro que ele usava uma máscara de caveira.
— Máscara
de caveira, a senhora conseguiu ver o rosto dele? – Souza entrelaçou os dedos.
— Sim.
Feições marcantes e olhos profundos.
— O
Caveira. – disse Souza para ele mesmo.
— O que
disse?
— Esse
sujeito tem uma ficha gigante na polícia, trata-se de um matador de aluguel,
muito perigoso, ninguém nunca soube sua verdadeira identidade, mas pelo visto,
a senhora o viu sem a máscara.
— Aí, meu
Deus. – colocou as mãos na boca.
— Não se
preocupe, professora, vou colocá-la no programa de proteção de testemunha.
Enquanto isso vamos trabalhar na prisão desse marginal.
—
Obrigado, detetive Souza.
*
Luciano está empolgado, motivado e também um pouco
mais nervoso do que de costume e não é por menos. Estar frente a frente com o diretor geral de maior multinacional a qual
trabalha faz com que suas vísceras se torçam e o coração bata acelerado na
garganta.
— Eu
acompanho o seu trabalho desde quando ingressou em nossa companhia senhor Couto
e posso adiantar que dentro de muito em breve sua tão almejada promoção
acontecerá.
— Eu lhe
agradeço, doutor Camargo, continuarei trabalhando afinco.
— Eu
também assisti, mesmo por vídeo conferência, a sua apresentação e sem demagogia
alguma, superou minhas expectativas. Parabéns. – estendeu o braço.
— Mais uma
vez, eu quem lhe agradeço.
Atravessar
aqueles corredores extensos e ainda digerindo tudo o que ouviu do diretor geral,
para Luciano é algo que ele jamais imaginou que alcançaria, não tão cedo. Assim
que entrou em sua sala ele ligou para Márcia que o atendeu ao segundo toque.
— Bom dia?
— Bom
dia, aconteceu alguma coisa?
— Na
verdade, sim, aconteceu.
— Diga
logo!
— O
diretor geral da companhia solicitou a minha presença em sua sala e ele disse
que em breve minha promoção irá sair. Não é demais?
— Aí, estou feliz por você, amor.
— Gostaria
tanto que estivesse aqui.
— Quem
sabe mais tarde?
— Passo aí
para te pegar.
— Ótimo!
Assim que
encerrou a ligação Márcia se voltou para Souza que sorria para ela.
— “É o
amor...” – cantarolou o investigador.
— Para
com isso, Luís. – as bochechas ficaram rosadas.
— Fico
feliz em saber que você encontrou uma pessoa legal, você merece. – deslizou uma
folha na direção de Márcia. – Verônica Cury, testemunhou o assassinato do
professor de filosofia Lauro Mota e para seu azar, ela também viu a identidade
do assassino. O caveira.
-
Guilherme Brito? Ninguém merece.
— Pois é,
tenho cem por cento de certeza de que ele voltará para terminar o serviço, não
estamos lidando com um amador, por isso, eu mesmo farei a proteção da
professora.
— Montarei
uma força tarefa na busca do Caveira, vamos virar Norma de ponta cabeça.
*
Depois de inspecionar cada canto da casa, enfim Verônica
teve a autorização para entrar. Logo atrás Souza com sua pistola em mãos. Tudo
em seu devido lugar. Luís pôde reparar que Verônica Cury é uma legítima
apreciadora de arte. Tanto em cima dos móveis quanto penduradas nas paredes há
réplicas de obras famosas e outras nem tão conhecidas assim.
— Aceita
uma bebida, detetive?
Souza negou
gesticulando com a mão.
— Ah, sim,
está trabalhando. – se sentou no sofá. – nunca imaginei ter que passar por
isso.
— Achamos
sempre que essas coisas só acontecem com os outros, ou nos filmes polícias. –
colocou a arma no coldre. – bom. Vou ficar na varanda.
— Por que
não se senta, detetive? Há uma viatura lá fora também.
— Por hora
ficarei montando guarda. A senhora pode seguir com suas atividades normais.
— Acho que
minha vida nunca mais voltará a normalidade. – limpou uma lágrima
disfarçadamente.
— Nunca
mais é muito tempo, professora. A polícia de Norma garantirá sua proteção.
Souza foi
para a varanda, um lugar fresco onde é possível ver toda a extensão da rua.
Como Verônica falou, a viatura se encontra estacionada bem em frente a casa com
dois agentes altamente treinados. Para garantir que a vida da professora
universitária esteja segura, ele próprio se dispôs a ser o agente que ficará de
guarda dentro da residência.
Enquanto
observa o movimento da rua ele pensa em Suzana e Jeferson. Uma semana sem
contato, uma semana sem notícias. A saudade bate e maltrata um coração já
baleado. Por que tinha que ser assim? Por que não deu certo a união entre
Suzana e ele? Por que? Como ele gostaria de acompanhar o crescimento do filho,
vê-lo se tornar um homem, auxiliá-lo no primeiro barbear, ou então orientá-lo
quanto as meninas. Coisas de um pai para seu filho. Jeferson Souza, sua
continuação, sua herança. Com sua total atenção para o trabalho o detetive
apenas ouviu a voz de Verônica da porta com duas canecas de café.
— Acho que
o senhor não resistirá um café.
— Ah, sim,
acho que vou aceitar. – pegou a caneca e provou da bebida. – ótimo. Vamos
entrar, não é seguro aqui fora.
Claro que
como homem Souza reparou o quanto Verônica Cury é uma mulher bonita, uma beleza
natural, uma verdadeira deusa ébano de traços fortes e marcantes. Antes de se
sentar ao lado dela, ele também reparou em seu corpo exuberante, magro, porém cheio
de curvas acentuadas.
— É
casado, detetive? – se virou para ele.
Na verdade
Souza já esperava esse tipo de pergunta. Desde quando a conheceu no DP ele vem notando
seus olhares para ele e as jogadas de cabelo.
— Fui,
não sou mais. – tomou mais café.
— Eu
também. – fez uma pausa. – juramos no altar e perante a um sacerdote que
viveríamos um para o outro, mas, enfim, quis o destino que tudo terminasse
assim, meio traumático. – se virou para Souza. – como foram as coisas no seu
caso?
Luís
poderia não saber como responder, mas sabia aonde essa conversa iria chegar.
— Digamos
que não houve uma certa química entre a família dela e eu. Ela não quis abrir
mão e deu no que deu.
— Imaturidade
leva a isso. Ela não priorizou o casamento e nem o homem que tinha ao lado.
Souza
voltou a notar o olhar da professora. Tudo fala ao mesmo tempo que a boca. Seu
corpo, os gestos, o jeito que leva a caneca a boca, tudo mudou nesse momento.
— Pode
ser. – Souza cruzou as pernas. – às vezes penso que Suzana e eu éramos pessoas
totalmente diferentes, algo que jamais se encaixaria, entende? antagônicos. Um
contraste absurdo. – Eles voltaram a se olhar. – e quanto a senhora,
professora, o que deu errado?
Verônica
colocou a caneca em cima da mesa de centro. Respirou profundamente antes de
responder. O seu casamento com seu ex teve três fases, o conturbado, o confuso
e finalmente o avassalador, esse último a deixou com marcas, principalmente as
que não se podem ver.
— Digamos que
Rogério e eu também éramos antagônicos. Não era para dar certo, ou melhor, não
era para ter existido aquele encontro. E para uma coisa que não deveria ter
existido, até que durou bastante, oito anos.
O olhar
de Verônica se perdeu. Luís Souza percebeu que tudo o que de fato ela precisava
era de um carinho, um afago. Isso se encontra fora de cogitação, pelo menos por
enquanto. O seu dever ali é protegê-la e não se aproveitar de sua fragilidade.
Para que as coisas não se debandasse para o outro lado o policial resolveu dar
fim a conversa.
— Bom. Farei
minha ronda. Fique tranquila.
*
A saia é levantada e Márcia tenta de várias formas
fazer com que o fogo de Luciano seja controlado, afinal de contas eles ainda
estão em horário de trabalho. Tudo está acontecendo dentro do carro do
executivo. Márcia conseguiu dar uma escapadinha do corre corre do departamento
de polícia para se encontrar com o namorado que a levou a um lugar um pouco distante
do centro.
— Luciano,
por favor, agora não.
O rapaz a
beija no pescoço enquanto que suas mãos a apalpam nas pernas e seios. Ela não
quer ceder as investidas do namorado, sabe que é ilegal transar em locais
públicos, porém a vontade é maior que ela.
— Lu, Lu,
para, não podemos. Não agora. – fecha o botão da camisa.
— Tudo bem,
me desculpa, eu não aguentei vê-la nesse terninho maravilhoso. Será que podemos
nos ver ainda hoje?
— Acho que
sim. – se olha no espelho ajeitando os cabelos. – tenho que voltar para o DP.
— Certo. –
ligou o veículo. – me liga.
*
Aquela negra viu o meu rosto, agora ela
sabe quem sou eu, ninguém jamais viu o rosto do Caveira, que droga de
profissional eu sou? Agora ela está lá, cercada de agentes, loucos por minha
captura e eu aqui escondido feito um rato dentro do bueiro. Essa situação só me
deixa ainda mais furioso. Quando as coisas fogem do meu controle eu costumo
agir fora dos meus princípios. Eu não mato por matar. Eu mato só quem merece
morrer. As pessoas contratam meus serviços e eu executo o trabalho sujo e nesse
caso, aquela professora viu a verdadeira face do Caveira. Ela precisa morrer.
*
Conhecer o campo inimigo é um dos principais pontos
estratégicos para se iniciar uma guerra. Conhecer o seu inimigo, suas
vulnerabilidades, com certeza é o primeiro passo para se ganhar um conflito.
Enquanto os agentes dentro do carro matam a fome devorando alguns sanduíches de
uma rede de lanchonete famosa, a passagem de um cidadão montado numa bicicleta
caindo aos pedaços passou despercebida. Ele passou sem sequer ser notado, sem
levantar qualquer suspeita. Ele simplesmente passou. Dentro da viatura os dois
disputam quem fica com a última batata frita.
Para que
sua mente grave com riqueza de detalhes, o tal sujeito da bicicleta diminuiu as
pedaladas e olhou fixo para o portão da casa da professora Verônica e depois
olhou rapidamente para trás e viu quando um dos agentes saiu do carro para
jogar o lixo fora. O serviço terá que ser bem feito. O erro nesse caso será
fatal. Um caminho sem volta. Hora de pensar um pouco mais.
Um matador
profissional precisa antes de tudo construir um cenário em sua mente. Ele
precisa saber o que pode e o que não pode acontecer numa ação tão suicida como
esta. Eles no caso não merecem morrer, mas devido as circunstâncias onde a
liberdade e a identidade do Caveira estão em jogo ele precisará agir fora de
seu propósito. Que seja assim então. Ele volta a pedalar mais rápido saindo do
alcance de visão dos policiais. Um recado. Tudo não passará de um simples
recado.
*
Sentada na cama. Mergulhada na trama a qual iniciou a
dois meses e por um motivo ou por outro ela ainda não concluiu o livro, Verônica
de repente se dá conta de que do nada sua vida se transformou em uma verdadeira
história de terror e pânico. Ela olhou para a janela e imaginou o assassino da
máscara de caveira entrando segurando aquela faca de caça, pronto a terminar o
que começou naquele salão de festas. Verônica também voltou a ver o corpo de
seu amigo de trabalho morto naquele chão frio. O que Lauro aprontou para
merecer uma morte tão cruel? Ele era apaixonado por ela e ela sabia disso. Mais
um pouco e Verônica cederia a seus encantos, mesmo sabendo que Lauro era
comprometido. Como é a vida.
Aprisionada dentro de sua própria casa. Isso é vida? O bom dessa
história toda é que há lá fora um homem disposto a tudo. Luís Souza, o melhor
agente em atividade em Norma. Verônica pensa em Souza, o quanto ele precisa descarregar
suas cargas, o quanto ele está necessitado quê uma mulher o faça viajar numa
cama. Por um instante a professora deixou o livro de lado e caminhou até a
janela. Para dificultar qualquer ação foi recomendado que ela não abrisse as
cortinas. Por precaução ela desligou a luz do quarto e afastou poucos
centímetros a cortina. Está uma noite linda, fresca, ideal para ficar na
varanda tomando um belo vinho e depois, quem sabe fazer amor ali mesmo tendo as
estrelas como expectadoras. A professora suspira e em seguida ela se assusta
com as batidas na porta.
— Pode
entrar.
Souza
apareceu na porta reprovando o agir de Verônica.
— Acho que
deixei bem claro que não era seguro ficar na janela.
— Me
desculpe, senhor guarda costas. – voltou a se sentar na cama. – eu só queria
dar uma olhada lá fora. Já comeu alguma coisa?
— Não. Vou
dar mais uma sondada e depois sair.
Verônica
abaixou a cabeça.
— Posso
ir com você?
— Acho
melhor não darmos ocasião para o azar. Será rápido. Deixarei um agente aqui
dentro e...
Souza
estava na metade da frase quando o vidro da janela explodiu. O susto foi
grande. Verônica se deitou na cama gritando horrores e Luís se abaixou e
retirou sua arma do coldre.
— Merda!
– falou sacando o rádio. – chamando Carlos e Moura, o que houve? – sem
resposta. – Carlos e Moura, responda. – silêncio. – Professora Verônica, não
saia do quarto, vou dar uma olhada lá fora.
— Sim,
sim.
Luís Souza passou
pelos cômodos daquela casa simples a passos rápidos e precisos e assim que
alcançou a porta da sala ele desacelerou e olhou pela janela. Lá fora a viatura
continuava parada no mesmo lugar onde esteve o dia inteiro. Nessas horas é
preciso ter sangue frio. O agente abriu a porta e saiu. Souza passou pelo
portão e ganhou a rua com sua pistola apontada. Ele correu até a viatura e o
que presenciou foi de fazer seu estômago se revirar. Os policiais Carlos e
Moura, ambos mortos com tiros na cabeça. O assassino fez uso de um silenciador,
imaginou o detetive.
—
Desgraçado. – se afastou do carro e em seguida chamou o reforço.
*
Quando a
paixão é verdadeira ela proporciona longos momentos de satisfação e prazer e
nesse caso, Márcia parece estar desfrutando dos dois ao mesmo tempo. Talvez por
ter ficado um bom período sozinha ou até mesmo por não ter um amor
correspondido, ela vê em Luciano a pessoa ideal para extravasar. Ela domina e
se deixa dominar. Quando Luciano está no controle ela adora ser possuída até os
ossos, de ser “maltratada” de ser chamada por nomes de baixo calão e assim eles
vão levando a noite até caírem exaustos.
— Nossa. –
começou Márcia se abanando com uma das mãos. – acho que não tenho mais saúde
para essas coisas.
— Fala
sério. – a beija no ombro. – até que você está em ótima forma. Então, vamos
para o terceiro tempo?
— Por um
acaso você está fazendo uso de aditivo? Não é possível.
— Que
aditivo o que, aqui é saúde mesmo.
Ela o
abraçou e de repente a realidade bateu com força em ambos.
— Tenho
medo que isso tudo acabe. – Márcia apoiou a cabeça no peito de Luciano.
— Não vai acabar.
Eu já falei. Quero ficar velhinho a seu lado. – a beija na cabeça.
— Não se
importa mesmo de ficar com uma mulher mais velha?
— Bom,
desde que essa mulher seja inteligente, linda, fofinha e cheia de fogo, eu não
me importo mesmo.
Márcia se
ergueu e olhou nos olhos dele.
— Tire o
fofinha e coloque gordinha, aí sim fica completo. – sorriu.
Na
cabeceira da cama do motel o celular de Márcia vibrou e tocou. Nua ela rolou
até alcançá-lo.
— Fala
Souza?
— Mil desculpas, mas temos um problema, você
pode vir até aqui?
— Claro que
sim. – se levantou. – chego aí em vinte minutos.
*
Márcia
chegou em menos de vinte minutos. A rua onde Verônica Cury mora se transformou
em um estacionamento de carros polícias, todos eles com seus giroflexs ligados
dando aos muros das casas as cores azul e vermelho. Souza permaneceu ali ao
lado dos corpos todo o tempo. Sua inconformação pode ser vista a metros, por
isso Márcia evitou certos comentários e se deteve somente no que cabe a um
policial. Investigar.
— Foi tudo
premeditado. – Souza se adiantou.
— Ou
talvez um recado. – olhou para os corpos. – e Verônica?
— Dentro
da casa. – suspirou. – matar dois policiais, dessa vez ele foi longe demais. –
começou a andar em direção ao portão da casa da professora. – temos que
mobilizar o nosso DP. Volte para lá e organize as buscas.
— Já
estamos fazendo isso.
Ele
empurrou a portão e entrou falando.
— Pegue o
Caveira, já, é uma ordem.
Verônica
estava sentada na mesa da copa tomando chá e assim que viu Luís entrando ela se
levantou e o abraçou. A princípio não houve retribuição do gesto. Souza preferiu
manter os papéis em seus devidos lugares. Ela é a vítima, a testemunha e ele o
seu protetor e só, ainda mais na presença de outros agentes.
— Sinto
muito pelo seus amigos.
— Fique
tranquila. – gesticulou com a cabeça dispensando os dois policiais parados em
cada canto da cozinha.
— Eles
tinham família, mulher e filhos?
—
Infelizmente.
Verônica
finalmente tirou Souza daquela situação embaraçosa se afastando dele e voltando
a se sentar.
— Tudo por
minha culpa. – chorou.
— Ninguém
tem culpa de nada aqui. O único culpado chama-se Guilherme Brito e eu vou
pegá-lo. – Souza percebeu que sua voz saiu alta.
— Tome um
chá comigo, detetive.
Aquela noite seria impossível dormir, de relaxar ou
até mesmo conseguir bolar um plano para auxiliar na captura de Guilherme. Lá
fora, depois de horas de puro caos, por fim tudo voltou ao normal. Tirando a
permanência de mais dois carros da polícia na frente do portão, toda aquela rua
agora se encontra no mais profundo silêncio. Luís Souza evitou expiar pela
janela. Caveira pode estar lá fora com seu rifle apontado sabe-se lá de onde. Apesar das intensas buscas pelas
casas vizinhas, Souza ainda prefere se resguardar. Ele está cansado, sua mente
precisa de pelo menos uma hora de sono, por isso ele se sentou no sofá e por
alguns segundos fechou os olhos. Em seguida a imagem dos companheiros mortos, a
máscara da caveira e estranhamente Verônica. Por que Verônica Cury veio tão
forte em sua mente? Ele abriu os olhos e lá está ela na porta da cozinha, em
pé, com roupas de dormir.
— Dormindo
em serviço, detetive? – disse sorrindo.
— Não. Só
pensando um pouco. E você, por que ainda está acordada?
— Você
nunca relaxa? – caminhou e se sentou ao lado dele. – vá para casa.
— Não
posso. – apertou os olhos.
— Não pode
ou você não quer
Um silêncio
muito mais que revelador. Eles se olharam e para uma mulher como Verônica isso
bastou. Para que o silêncio parasse de revelar certas verdades, Souza tentou
mudar de assunto.
— Temos que
ver um outro lugar para você.
— Você não
quer me deixar, não é verdade? – pausou a mão em cima da mão do policial.
Não se pode
misturar as coisas. Não se pode deixar se levar por sentimentos como o que ele
está sentindo. Ele é um agente da lei no exercício de sua profissão. O seu
dever ali é protegê-la. Apesar de Verônica Cury ser uma mulher irreversível,
Souza precisa espantar esse fantasma. O toque em sua mão foi o suficiente para
sentir todo o calor emanado. Foi impossível interromper esse momento.
— Acho que
precisamos um do outro, não é?
A vontade
foi grande de dizer que sim, mas Souza se deteve, deixou que ela falasse.
— Você, um
homem forte, destemido, tem nas costas toda uma cidade, porém, todo herói
precisa restabelecer suas energias. – chegou mais perto. – eu, uma mulher
vivida, experiente, passei por maus bocados e sinceramente preciso de um
conforto e... – aproximou o rosto do dele. – acho você o ideal.
Definitivamente
o cheiro, o toque, a boca e principalmente o clima favorável são coisas que
Luís Souza não conseguiu evitar. Verônica o beijou. Não houve resistência. Ela
investiu mais uma vez e agora sim o policial relaxou. Um beijo bastante
significativo. Não foi apenas o reflexo de uma paixão, mas sim o que ambos
procuravam a tempos, uma válvula de escape.
Verônica
Cury queria muito mais, por isso ela avançou todos os sinais que viu pela
frente. Quando deu por si Souza tinha em seu colo uma mulher efervescente
querendo sexo a todo custo e o que fazer em momentos como esses? Ceder seria a
melhor e talvez a única saída.
*
Enquanto
aguarda na sala de espera da empresa, Luciano volta a relembrar o seu passado
de menino pobre que vendia balas para conseguir comprar livros e estudar. Foram
dias, meses e anos bem difíceis com direito a perca da dignidade. Luciano se
recorda do dia em que teve que se submeter a serviços desumanos por causa de
alguns trocados. Mas tudo valeu o pena. Hoje ele está a segundos de ser
promovido numa das maiores empresas do país. A voz aveludada da secretária o
tirou de suas lembranças.
— O Senhor
já pode entrar.
— Ah sim,
obrigado!
Mais uma
vez lá está ele na frente do chefe naquela sala enorme, bem refrigerada,
iluminada e cheirando a café. Ainda atendendo a uma ligação o dono da companhia
gesticulou para que ele se acomodasse. O telefone voltou para o gancho.
— Luciano
Couto!
Luciano
engoliu seco.
— Conhece a China?
— Não
Senhor?
— Então
meu amigo, eu estou abrindo uma filial lá em Hong Kong, vou precisar de alguém
para fazer o trabalho e eu não consigo ver nningué além de você é claro, apto
para a função. Então, quer ser meu diretor geral em Hong Kong?
De repente
tudo o que ele passou no passado foi
deixado no lugar onde lhe é de direito, agora é hora de colher as benesses.
Luciano apertou a mão fria do patrão já pronto para arrumar as malas e partir
para Hong Kong.
— Pode
deixar comigo senhor.
— Irei
providenciar sua moradia no melhor lugar daquela cidade maravilhosa. Ao
trabalho senhor diretor geral Couto.
*
Viver e
sobreviver da morte. Nada mal para alguém como Guilherme que passou parte de
sua infância convivendo com a terrível presença da morte. Seu pai foi um
sujeito violentíssimo, considerado como indivíduo de alta periculosidade,
matava por nada. Na década de 1980 seu nome era comum nas páginas dos jornais
sensacionalistas. Para ele não havia vínculo familiar, tanto que Brito pai
matou a própria esposa e com requinte de crueldade. O pequeno Guilherme viu o
corpo da mãe fatiado no chão sujo da cozinha. Mesmo sabendo que sua mãe não o
ouvia mais, ele jurou vingança na mesma medida.
Brito pai
estava embriagado estirado no sofá. Depois que matou a esposa ele passou a
conviver com pesadelos e por isso ele começou a beber e a beber muito. Guilherme
já estava no terceiro dia sem comer direito. No estômago somente alguns
biscoitos e na cabeça uma tremenda vontade de cravar uma faca no peito do homem
que lhe deu origem. Da sala se ouvia os roncos e os balbucios. O menino magrelo
entrou no quarto e mexeu nos pertences de Brito. Caso acordasse e o visse
mexendo em suas coisas, Guilherme estaria sujeito a passar o restante de sua
vida numa cadeira de rodas. Sem fazer barulho ele retirou de lá uma faca de
caça, a mesma que hoje em dia lhe serve como instrumento de “trabalho”. Lá
estava ele, dormindo, bêbado feito um gambá. Será fácil, Brito nem sentirá a
morte. E assim foi. A faca entrou com pressão no peito, somente o cabo ficou
amostra. Brito pai ainda tentou alguma reação, mas seu filho o acertou no
pescoço. A morte lhe recebeu de braços abertos.
Diferente
de seu pai, Guilherme Brito não mata por qualquer coisa. Em sua mente doentia,
morre só quem deve morrer e Verônica nesse caso está inclusa. Ele sabe que
falhou na primeira tentativa e sabe também que da segunda não pode haver erro.
O Caveira tem agora a polícia de Norma em seu encalço. Sua falha apenas serviu
de alerta, por isso, agora as coisas precisam ser medidas, calculadas antes de
serem executadas. Mãos a obra.
*
A noite
acabou e com certeza ela não será esquecida tão facilmente. Para um homem como
Souza, a noite passada será marcada pela quebra de princípios e também, é
claro, a noite mais deliciosa desde quando se causou com Suzana. Verônica Cury
conseguiu fazer com que o policial navegasse em mares de puro tesão. Mas, tudo
o que começa, um dia tem fim. Luís abriu os olhos e Verônica não estava no sofá.
Mais que rápido ele vestiu suas roupas e andou até a janela. Lá estão as duas
viaturas. Andou até a cozinha e a professora se encontrava tomando café na
copa.
— Me
acompanha? – disse ela erguendo a caneca.
— Acho que
sim.
Logo de
cara o detetive sentiu que o clima não era o mesmo. Verônica tinha no rosto uma
expressão fechada e olhos umedecidos. Ela não puxou mais assunto, seguiu
comendo suas torradas sem levantar a cabeça.
— Está tudo
bem? – pegou a garrafa térmica.
— Sim! –
Verônica segue olhando para baixo.
— Hoje
iremos para outro lugar, leve somente o necessário.
— Já fiz
isso.
— Olha, Verônica,
se...
— Souza,
será que podemos passar uma borracha em tudo o que aconteceu ontem naquele
sofá? Foi um momento de fraqueza de ambos. Você estava necessitado e eu também,
não podemos eternizar isso. Você me entende?
— Sim,
claro que entendo, mas não podemos negar que o que houve foi muito mais que
sexo.
— Eu
prefiro acreditar que tudo não passou de um momento de carência e então
descarregamos, só isso.
Será que
Souza nasceu com esse terrível carma de se apaixonar por quem não quer
absolutamente nada com ele? Verônica acabou de revelar que o usou para aliviar
as pressões que vem enfrentando. Por um segundo ele teve raiva dela e no outro
pena. Ele engoliu o café junto com ambos os sentimentos e se levantou.
— Pegue
suas coisas, vamos embora.
Dentro de uma das viaturas o que estava ruim ficou
ainda pior. Verônica e Souza, dois estranhos. Na cabeça dele milhares de
questionamentos e também muitas respostas. Enquanto a paisagem passa ele
precisa fazer com que as peças se encaixem ou então ele terá que se conformar
com sua triste realidade, nasceu para ser só. Luís volta a olhar para ela que
está a seu lado ainda exalando o perfume da noite passada. Ele odeia sentir o
coração palpitando, por isso fez questão de se concentrar no trabalho.
— Evandro, não
consigo ver a outra viatura. O plano foi ficarmos o mais próximo possível. –
falou Souza ao policial no volante.
— Já chamei
pelo rádio e ainda não obtive resposta, senhor.
— Mais que
droga.
Uma
motocicleta passou em alta velocidade e atirando. Foi tudo muito rápido, Souza
só teve tempo de se jogar por cima de Verônica e gritar para que o policial
desse um jeito de sair da linha de fogo do atirador. O motociclista diminuiu a velocidade
voltando a atirar explodindo o para-brisa dianteiro. O agente que estava no
carona foi gravemente ferido e o motorista perdeu a direção da viatura e
colidiu contra a mureta de proteção.
— Evandro, Silva,
como estão?
Ambos estão
desacordados. Verônica não consegue parar de tremer e chorar embaixo do
detetive. Lá fora os curiosos já rodeiam o local do acidente. Mesmo com pouca
visibilidade, Luís Souza conseguiu ver a moto indo em direção ao centro de
Norma.
— Fique
calma, o pior já passou.
— Aí meu
Deus, que inferno se transformou minha vida. E seus amigos?
— Vou
chamar uma ambulância.
Depois que
Souza soou o alerta, imediatamente todo o DP de Norma se mobilizou indo atrás
do motociclista e atirador. Em seguida o agente foi notificado de que os outros
dois policiais que vinham na outra viatura foram mortos pelo mesmo motoqueiro.
— Esse
maldito Caveira já matou quatro dos nossos, peguem ele. – berrou ao rádio.
Muito
abalado, Souza apoiou a cabeça no teto da viatura e depois olhou para Verônica
sendo amparada pelos socorristas. A vontade foi enorme de toma-la pelos braços
e beija-la. Agora é um pouco tarde para tentar separar as coisas uma vez que
eles já dormiram juntos. Verônica Cury não é mais uma simples testemunha. Ela é
agora a mulher a qual ele se apaixonou e que fará de tudo para mantê-la bem.
Os
olhares se cruzaram e ele entendeu a mensagem. Verônica é o seu trabalho. Ele
sacou o celular do bolso e procurou o número de um velho amigo. Se afastou um
pouco daquela confusão e aguardou ser atendido.
— Pode
falar, Santana?
*
— Estou
feliz por você, Lu, conseguiu seu objetivo.
— Pois é,
demorou, mas consegui.
—Por que
não está animado?
— Márcia,
minha promoção saiu e eu vou para Hong Kong.
Silêncio por
parte da policial.
— China?
— Exatamente.
Mais silêncio. Dentro do carro Luciano permite
que seus olhos fiquem marejados.
— Adiantaria
perguntar se você gostaria de ir comigo?
— É que,
sabe, Lu...
— Eu vou
entender se disser que não. Você é uma policial, aliás, uma importante policial
ao lado do Souza, Norma precisa de vocês dois.
— Quero
muito te ver hoje, pode ser?
— Claro,
quando quiser.
Márcia
encerrou a ligação e se sentou. O choro foi inevitável. Ela estava curtindo e
muito o namoro com Luciano e acreditava piamente num futuro com ele. Foi um
golpe muito forte. Para não ser surpreendida com a maquiagem borrada ela correu
para o banheiro e ficou lá até quase as lágrimas secarem. Ao voltar para a sala
ela se assustou com Souza em pé, parado olhando para ela.
— Oi? –
ela prendeu os cabelos atrás das orelhas.
— Eu te
conheço o suficiente para saber que minha assistente não está nada bem.
— Impressão
tua. – começa a mexer em alguns papéis.
— Márcia,
solte esses documentos, é uma ordem.
Foi complicado. Entre choros e soluços Márcia
Bernardo contou tudo ao seu chefe. Como se fosse um terapeuta ou um pai
dedicado Luís ouviu tudo sem interrompe-la. Isso foi ótimo para ela que ao fim
do relato já estava bem mais leve.
— Fique a
vontade se quiser ir para Hong Kong. Todos tem o direito de correr atrás da
felicidade.
— Não
posso, Luís, eu batalhei a minha vida inteira para chegar aonde estou hoje. Eu
sei que ao lado de Luciano eu terei uma vida de rainha, mas, ainda assim tenho
meus sonhos pessoais.
— Compreendo.
Mas fique sabendo que tem meu total apoio se mudar de ideia.
—
Obrigado, chefe. – o abraçou. – vamos pegar o Caveira.
— É assim
que se fala.
*
Por mais que
Guilherme Brito já estivesse no radar da polícia, agora a sua prisão se tornou
uma questão de honra para todos que possuem um distintivo. Souza, Márcia e mais
algumas dezenas de agentes partiram na captura daquele que em questão de dias
pegou o título de inimigo público número um. Norma será virada de ponta cabeça.
Quatro policiais mortos. Isso não pode sair de graça.
Claro que a
essa altura Guilherme sabe que tem atrás dele homens nervosos, sedentos por
tê-lo em suas mãos. Porém a sua maior decepção não é isso, mas sim não ter conseguido
eliminar seu alvo. Ele tem um nome a zelar, não é atoa que sua outra identidade
tem uma caveira como símbolo. A morte. Mas agora é do conhecimento de todos
como ele realmente é, um homem de expressão forte e fechada com olhos fundos
intimidadores. Guilherme está parado num ponto de ônibus usando um boné que
encobre parte do seu rosto. O coletivo demora para abrir suas portas e isso o
deixa ainda mais alterado. Ele percebe uma pequena movimentação no terminal. Na
cintura sua arma descansa tranquilamente, mas a qualquer momento ela pode ser
solicitada. Sim, há polícias dentro do terminal rodoviário, muitos deles. Hora
de bater em retirada. Caveira sai da fila a passos lentos, sem ser notado e
alcança a saída onde ficam os táxis.
— Táxi,
senhor? – perguntou um oriental.
— Vamos.
Dentro do
carro Guilherme ocupou o carona e aguarda o motorista terminar de se ajeitar.
— O cinto
por favor. Para onde vamos?
— Para
fora de Norma. – sacou a arma.
O taxista engoliu
seco e saiu com o veículo com os faróis acesos. Um dos motoristas que aguardava
lá fora viu o jeito que o colega saiu com o carro e chamou atenção dos
policiais.
— O que
houve?
— O china
acabou de pegar um passageiro, acho que ele está em apuros.
— Tem
certeza, como sabe?
— Nos temos
um código secreto entre a gente. Aquele que estiver sendo roubado, ou
transportando um marginal, deve sair com os faróis ligados.
— Ótimo, me
passa a placa do carro, vamos.
*
Via rádio
Souza recebeu todas as informações sobre o ocorrido no terminal. Tudo tem favorecido
até agora. O policial que colheu as informações com o taxista enviou uma sonora
do motorista relatando as feições do suposto Caveira e tudo leva a crer que
seja mesmo ele.
— Acho que
temos o nosso homem e como estamos quanto ao táxi que ele pegou? – perguntou a
Márcia que digita com rapidez num notebook sentada no banco de trás da viatura.
— Ainda
estou sem resposta do controle de tráfego.
— Segundo
o motorista o táxi pegou a pista sentido a rodovia principal, ele vai tentar
sair de Norma. Entre em contato com a polícia rodoviária federal e peça para
fechá-la, passe para eles a identificação do carro.
*
Guilherme
Brito pressiona o cano da pistola contra a têmpora do oriental que segue
dirigindo sem ultrapassar a velocidade permitida, uma orientação do próprio Guilherme.
— Tem
filhos Takeda?
— Sim,
quatro?
— Quatro?
Na sua casa não tinha televisão? – zombou.
— Jura não
me matar? – chora.
— Se você
for um bom menino, ainda essa noite você vai estar jantando com seus quatro
rebentos.
A 800
metros a polícia rodoviária federal montou uma barricada e aguarda a chegada do
táxi com cerca de quinze agentes fortemente armados. Dentro do táxi o Caveira segue
zombando das tradições orientais do motorista quando por fim ele visualiza o
aparato policial.
— Mais que
droga, o que você fez? – esbravejou e forçou ainda mais o cano da arma contra a
cabeça de Takeda.
— Eu juro,
eu juro, eu não fiz nada, só dirigi pra você. – juntou as mãos em forma de
oração.
— Vamos
voltar. – olhou pelo retrovisor e viu mais viaturas vindo. – essa não, você
avisou a polícia não foi?
— Não me
mate, por favor.
Para
deixar o clima ainda mais tenso Guilherme pegou no bolso da calça sua máscara
de caveira e a colocou, ao ver isso Takeda entrou em desespero.
— Comece
a rezar vendedor de pastel.
Logo
atrás as viaturas fecharam a rodovia principal. Por cima um helicóptero dá
apoio. Souza e Márcia se organizam para uma negociação. A situação conseguiu
piorar mil vezes mais.
— Vou
descer e tentar falar com ele. – Souza abriu a porta e desceu.
— Boa
sorte.
O táxi
está parado no meio da pista. Lá dentro alguém tem uma arma apontada para sua
cabeça e segurando essa arma alguém que não tem nada a perder, Luís Souza terá
que ser um pouco mais político se quiser mesmo salvar a vida do taxista. Muito
esperto Caveira pede que Takeda coloque a cabeça do lado de fora e fale com
Souza.
— Ele vai
me matar, policial. – fala chorando.
— Calma,
ninguém vai se machucar.
— Ele
falou para abrirem caminho. – gagueja.
— Que
garantias teremos?
Takeda é
puxado para dentro do carro e depois de dois minutos ele volta para a janela.
— Ele
disse que não há garantias.
— Pergunte
se eu posso me aproximar do carro. – Souza deu mais dois passos.
— Se der
mais um passo ele vai estourar meus miolos. Por favor, policial, eu tenho
quatro filhos e um ainda mama.
— Ele não
fará isso. Ele sabe do risco que corre.
Takeda volta a ser puxado para dentro. Souza
olhou para o helicóptero e depois para a barreira da polícia rodoviária, tudo é
ainda muito incerto. O motorista oriental voltou a aparecer na janela com o
rosto ainda mais transtornado e banhado por lágrimas.
— Ele
pediu para que eu inicie uma regressiva, no zero ele vai me matar. Dez, nove,
oito...
— Quais
são as exigências? – vocifera.
— Sete, seis, cinco...
— Por
favor, Guilherme, fale o que você quer?
— Ele quer
passagem, por favor, nos deixe passar, quatro... – berrou.
— Atenção
pessoal.
Os agentes
rodoviários federais engatilharam suas armas e se prepararam. Souza escutou
Takeda terminar a regressiva com o coração batendo na garganta.
— Três,
dóis, um...zero.
Takeda é
puxado e em seguida um disparo. Souza vê tudo em câmera lenta, inclusive a
ruína de sua brilhante carreira. Um nó na garganta se formou e ele perdeu as
forças nas pernas e fechou os olhos. Márcia não conseguiu conter o choro misturado
ao soluço.
— Aí meu
Deus, tudo menos isso.
Abatido,
Luís Souza observa a porta do lado do motorista se abrindo e Takeda saindo
gritando feito um alucinado.
— Não
atirem, não atirem, pelo amor de Deus. – caiu no asfalto quente com o rosto e
camisa sujas de sangue. – ele deu um tiro na própria cabeça.
Souza
correu até o táxi com os vidros respingados de sangue ainda anestesiado com
tudo o que aconteceu. Ele sacou sua arma e olhou para o interior do veículo e
viu Guilherme Brito sentado com a cabeça estourada caída para trás.
— Cristo! —
vociferou o policial.
— Ele, ele,
disse que só matava quem merecia morrer e nesse caso eu não estava incluso, mas
sim ele. Jesus. – chora caído no chão.
— Venha, eu
te ajudo a se levantar.
*
O aeroporto
de Norma é considerado um modelo para outros não só do país, mas para o mundo.
Márcia e Luciano se beijam e choram ao mesmo tempo. É dolorosa uma despedida,
ainda mais sendo ela de uma pessoa a qual amamos muito.
— Prometo
mandar notícias todos os dias ao entardecer. – disse limpando as lágrimas da
namorada.
— Ficarei
aguardando.
— Eu lhe
admiro, Márcia, são poucas as mulheres que tomam uma decisão como essa. Suas
realizações profissionais com certeza devem estar sempre em primeiro lugar.
— Obrigado.
– derramou mais lágrimas.
— Tenho
orgulho de você, xerife de Norma.
Luciano
Couto embarcou para China e Márcia voltou para o DP, arrasada, mas feliz por
seu namorado ter conquistado o que sonhou por anos. Vida que segue.
Longe dali,
Souza apertou a mão de seu amigo enquanto que Verônica o aguarda dentro do
carro.
— Valeu por
tudo, Santana.
— Sempre
que precisar estamos as ordens.
Souza
entrou no carro e sem cerimônia virou a chave, Verônica apenas o acompanha com
os olhos e em silêncio. Durante toda a viagem os dois não trocaram uma palavra
sequer. No portão da casa o detetive quebrou o silêncio.
— Está
entregue. Boa sorte na vida, professora.
— Você pode
me chamar de Verônica.
— Melhor
mantermos as formalidades. – coçou a nuca.
— Eu só
quero dizer que foi tudo maravilhoso naquele sofá, foi uma noite perfeita. Quem
sabe um dia desses repetimos a dose?
— Sério?
— Eu não
vou me mudar. – desceu do carro. – obrigado por tudo, Luís Souza. – deu as
costas e se foi.
Souza antes
de ligar o motor ainda ficou ali processando tudo o que ouviu. Sorriu e saiu. FIM.
Retomando as leituras aqui no meu blog favorito! Adorei! Abraços
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