quarta-feira, 28 de junho de 2023

Máscara da Morte | Capítulo 4

 


Ainda no carro Fontana fez uma busca na internet baseando-se pela comanda encontrada. Muito empolgado, ele mal conseguia digitar o endereço do site, foi preciso um rápido exercício para o controle da respiração. O celular estava apenas com vinte por cento de carga e só agora ele se deu conta que havia deixado o carregador em casa. Mas, tudo bem, sem estresse.

 

O site abriu. Um estabelecimento comum, daqueles que é possível encontrar em qualquer bairro de médio porte, localizado próximo ao centro de Paraíso Novo. Ainda preocupado com a baixa carga da bateria, Abílio buscou o que realmente o interessava. Câmeras de segurança. Não encontrou nada que dissesse “possuímos monitoramento para melhor protegê-lo”, mas viu que o lugar tem sim um sistema de vigilância e isso sim, é ótimo. Ele anotou o endereço e conferiu o horário. Um pouco tarde para ir até lá. Tudo bem, o estrago já havia sido feito, o melhor a fazer é voltar para casa e... Zélia.

 

*

 

Após alguns bocejos e várias espreguiçadas barulhentas, Abílio Fontana desceu do veículo e pela primeira vez ele sentiu o peso da idade chegando. Lógico que isso não o abalou, envelhecer é para quem pode. Ele deu uma rápida alongada em sua lombar estudando a fachada do bar. Nada mal. Caminhou moderadamente observando o movimento de cada civil, o cheiro do café fresco o deixou entorpecido mesmo ele de barriga cheia do desjejum feito em casa com Zélia. Por falar nela, Fontana ao chegar ontem, pode sentir um clima um pouco mais leve, Zélia trazia um tímido sorriso no rosto. Isso consegue deixar qualquer homem assustado, mulheres “hormonalmente” mexidas conseguem tudo. Mas, graças a Deus nada aconteceu.

— Olá, bom dia! Um café, por gentileza. — encostou no balcão.

 

— Pingado ou puro, meu bem?

 

A atendente regula aproximadamente a idade do detetive, rosto redondo e maquiado, muito linda.

 

— Puro, por favor.

 

Abílio se esforçou para não perder o foco, mas a protuberância traseira da mulher foi mais forte do que ele. A frente então nem se fala.

 

— Prontinho. — sorriu.

 

— Obrigado.

 

Os sachês de açúcar estavam sendo abertos e o seu conteúdo jogado no líquido fumegante enquanto os olhos do Investigador escaneavam o lugar até se cruzarem com os da atendente. Eles permaneceram se olhando por alguns segundos até Abílio perder para a timidez.

 

Olhando para as intermináveis garrafas de bebidas nos fundos do balcão, ele encontrou o que tanto procurava. Comemorou intuitivamente e depois buscou por outra, porém lá estava a atendente o comendo com os olhos. Até que ela não é de se jogar fora, possuí tudo o que ele admira numa mulher e em grande escala. Deixando a timidez de lado, Fontana lhe jogou um sorrisinho de canto de boca que logo foi retribuído com outro. Aí, meu Deus, onde estou me metendo?

 

Ele não estava ali para uma aventura, havia um caso em andamento então...

 

— Por favor, a conta.

 

Conforme a gata cinquentona andava em sua direção, Abílio sentia o coração esbarrar na garganta.

 

— Dois reais, mas esse pode deixar por minha conta.

 

Abílio engoliu seco.

 

— Sério?

 

— Muito sério.

 

Ela cheirava a hidratante e tinha um sorriso encantador, Abílio estava hipnotizado por ela.

 

— Quando posso te ver fora daqui?

 

Ela olhou para a porta onde havia um movimento de clientes chegando.

 

— Anota meu número, rapidinho.

 

Fontana sabia que estava fazendo merda, mas agora era um pouco tarde para voltar. Ela falou e ele anotou em seu bloco.

 

— Posso te ligar mais tarde?

 

— Pode. — se afastou exibindo o que ela tinha de maior e melhor.

 

*

 

A vida está passando e enquanto isso Zélia a aproveita o melhor possível dobrando as roupas e as organizando no armário. Não é uma de suas tarefas prediletas, mas manter um guarda-roupas bem organizado não fará mal a ninguém. Esse tipo de trabalho doméstico é bom para a mente, ele a fez voltar no tempo, há quase quarenta anos quando Abílio e ela se conheceram na chegada ao baile de carnaval. Quando jovem Zélia gostava de se reunir com a turma e seguir a pé até o centro onde acontecia o maior fuzuê da cidade. Réveillon, carnaval, São João entre outras comemorações o point da juventude dos anos 70 era ali.

 

Zélia chegava fantasiada de odalisca e Abílio Fontana de Tarzan exibindo todo seu físico coberto por pelos negros. Ela não conseguiu segurar a excitação e nem a piadinha sem graça.

 

— E aí, Tarzan, cadê a Jane?

 

O baile só terminou no outro dia pela manhã, isso porque houve um princípio de confusão e a polícia interveio. Boa parte da galera permaneceu no local, cada um procurou um canto menos desconfortável para curar a ressaca, porém o casal recém-conhecido Abílio e Zélia correram para o apartamento dele e ali ficaram durante todo aquele sábado de folia.

 

Dobrar roupas e guarda-las é sim um porre, mas tem seu tempo de duração. As memórias seguem até Deus sabe quando e sim, há lugares no passado que não merecem ser revisitados.

 

*

 

Abílio Fontana passou o dia inteiro no departamento revisando os arquivos de ocorrências sobre homicídios e não encontrou nada que pudesse ajudá-lo nessa nova empreitada. Ele gostaria de saber se, em meio as dezenas de documentos houvesse pelo menos um onde a vítima foi morta envenenada por Cianeto. Lógico que Fontana encontrou alguns, mas longe da gravidade do atual. Quando resolveu parar e tomar um café o horário já era avançado e seu plantão estava próximo de terminar. Ele deixou a sala dos arquivos e andou pelo corredor rodando o molho de chaves no dedo indicador até a sala de Fausto.

 

— Eu já vou indo. — bateu na porta.

 

Maia sinalizou o pedindo para esperar. Putz!

 

Cinco minutos depois, Abílio tomava uma deliciosa e estupidamente gelada tulipa de chopp com seu chefe em um bar sofisticado.

 

— Sempre que posso eu venho aqui. — disse o delegado.

 

— Quase sempre passo por aqui e nunca pensei que um dia estaria aqui dentro e logo com quem. — riu.

 

— Que merda! Você precisa provar a linha de petiscos daqui é simplesmente maravilhosa.

 

— Quer rachar? — sacou a carteira.

 

— Nada feito. Eu lhe convidei. É por minha conta. — chamou o garçom.

 

Foram às duas horas mais surpreendentes da vida profissional de Fontana. Fausto revelou ser um ser humano e somente isso. Abílio conheceu um lado de seu chefe que poucos nem sequer imaginam que exista. Fragilidade.

 

— Mas você nunca pensou em ir até lá e dizer isso a ela? — perguntou Abílio andando lado a lado com Fausto até o carro.

 

— Pior que já, mas, sabe como são às coisas. Algo me bloqueia sempre.

 

— Chefe, chefe, a vida tá passando. Ela é sua irmã, sua família, vai deixar que um pequeno desentendimento destrua tudo que seus pais trabalharam tanto durante anos para estruturar?

 

Fausto parou a centímetros de seu veículo e olhou para o seu notável investigador.

 

— Você é fera mesmo, Fontana. Além de bom policial é um excelente conselheiro familiar.

 

Eles riram juntos.

 

— Vamos nessa que a festa só está começando. — destravou a porta do carro e embarcou.

 

*

 

Voltando para casa Abílio se lembrou da linda atendente do bar. Ele parou para abastecer e aproveitou a ocasião. Ligou para ela que o atendeu ao segundo toque.

 

— Oi! pensei haver esquecido de mim.

 

— Jamais! Podemos conversar?

 

— Agora?

 

— Sim, se puder é claro.

 

— Um momentinho.

 

Abílio ficou de olho na bomba e depois voltou sua atenção para o frentista.

 

— Alô?

 

— Oi! diga.

 

— Anota meu endereço.

 

Minutos depois Abílio a aguardava em frente a um condomínio sem muita expressão. Ela passou pelo portão esbanjando sensualidade e um perfume doce que o deixou embriagado.

 

— Oi! — seu rosto estava ruborizado.

 

— Oi! entre. Chamo-me Abílio.

 

— Prazer, Fátima.

 

— Belo nome. E então, quer ir para onde?

 

Fátima ajeitou os cabelos atrás das orelhas e ficou ainda mais vermelha.

 

— Ah! não muito longe, amanhã trabalho cedo lá no bar e...

 

— Legal. É sobre o bar mesmo que eu quero conversar. — ligou o carro e saiu.

 

Fátima não sabia o que pensar, muito menos no que dizer sentada no banco do carona aguardando a volta de Abílio com o lanche. Assim que seus olhos o viram vindo segurando uma bandeja com os hambúrgueres e refrigerantes, a atendente conferiu rapidamente o hálito e também se o desodorante ainda se mantinha em atividade. Tudo certo, graças a Deus.

 

— Demorou, mas está aqui. Refrigerante diet como você pediu.

 

— Ah! obrigada.

 

Fontana ocupou o lugar do motorista já de olho no par de coxas roliças da mulher.

 

— Você disse que gostaria de falar sobre o bar, o que necessariamente?

 

— Sim! Ele possui câmeras de segurança, não é? — sorveu a Coca.

 

— Sim, possuímos.

 

— As imagens ficam armazenadas ou elas só filmam?

 

— Não, as imagens ficam armazenadas na memória, porque o interesse? — mordeu o sanduíche.

 

— Sou investigador de polícia. — Fátima arregalou os olhos. — me desculpe por não ter lhe contado antes, estou investigando um caso de homicídio e é bem provável que o assassino ou assassina tenho estado lá.

 

— Meu Deus! que loucura.

 

— Pois é, loucura mesmo.

 

Fátima abaixou a cabeça e mexeu nas unhas.

 

— E você só me procurou por isso?

 

— Acreditaria em mim se eu dissesse que não?

 

Faltando poucos minutos para um novo dia, Fátima desembarcou do carro do policial que a propôs um novo encontro.

 

— Sim, claro que sim, aonde vamos?

 

— Gosta de massas? — batucou no volante.

 

— Adoro.

 

— Ótimo! Te pego no sábado. Agora, por favor. Me envie as imagens amanhã com urgência, tá bom?

 

— Está bem. Assim que eu chegar lá já te envio.


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