A Bíblia do Assassino
Parte 2
Capítulo 2
A penitenciária regional é sem sombra de dúvidas umas das mais seguras, modernas e rigorosas de todo o país. O diretor, juntamente com o governador da época neste quesito tiraram nota máxima. Em seus dez anos de existência, a regional nunca precisou acionar suas sirenes alertando sobre fuga de detentos. Sempre que cruza os portões do complexo, Nato Pinheiro é bombardeado por lembranças gloriosas do tipo: grandes figurões do crime organizado que ele ajudou a colocar atrás dos muros de pedra bruta que circundam o lugar.
— Renato Pinheiro, investigador. Vim falar com o detento Tiago Garcia. — falou para o carcereiro na recepção.
— Vou levá-lo.
O tal carcereiro que mais parece um pugilista negro norte americano, uns quinze centímetros mais alto que Pinheiro, o conduziu até uma sala iluminada somente pela luz do sol e cheirando a desinfetante de eucalipto fortemente.
— O senhor pode ficar aqui, vou trazer o maluco.
Maluco!
Dez minutos depois Tiago e o carcereiro adentravam ao recinto. O ex monitor da Portal do Ensino tinha os cabelos raspados à máquina zero e vinte quilos a menos. O assassino de Sofia Cury foi algemado a mesa e não parava de sorrir para o detetive.
— Olá, investigador Pinheiro. Quanto tempo. — ocupou lentamente a cadeira. — Veio matar a saudade?
— Cala a boca e escute. Alguém foi morto e desenharam uma cruz na testa da vítima. O que isto tem haver com o seu caso.
— Por que acha que tem haver comigo? — segue sorrindo.
— Tiago, vejo bem. Eu não vim aqui tricotar. Você executou covardemente uma mulher e depois desenhou uma pomba na testa dela. Fez isso por motivos obscuros e agora surge este. Escute bem. Se você sabe de alguma coisa é melhor que fale agora.
— O que eu ganho em troca?
— Como assim? Você não está em posição de exigir nada não. Pode começar a falar. Vamos.
O sorriso de Tiago se desfez. Em seguida, o hino Cristão “Rude cruz” de forma desafinada começou a ser cantarolada por ele. Nato cerrou o punho esquerdo na intenção de nocauteá-lo, mas isso só ajudaria a pior ainda mais as coisas.
— Quer saber de uma coisa, Tiago?
A música parou. O sorriso voltou a estampar o seu rosto emagrecido.
— Você gosta daqui?
— Tirando o café, até que não é ruim não. Por que?
— Eu posso conseguir uma transferência para o hospital prisional psiquiátrico fora de Porto Celeste.
— Então eu estou louco? — riu alto. — O senhor me acha maluco, carcereiro?
— De pedra.
Este carcereiro não está me ajudando.
— Certo. Pra mim já deu. — Nato levantou-se.
— Calma, detetive Pinheiro. Até que não é má ideia sair daqui. Sente-se.
— Então pare de me enrolar e fala logo. — vociferou.
Houve um silêncio sepulcral dentro daqueles nove metros quadrados. Tanto Nato quanto o carcereiro ficaram apreensivos.
— Sim! Tem tudo haver. — sorriu.
— E o que mais?
Tiago fez sinal de negação com o dedo indicador quase encostando no rosto do policial.
— Não sou o teu parceiro de trabalho, Pinheiro. Eu já disse que sim e agora, cabe a você descobrir o resto e não se esqueça da minha transferência, hein.
Isso é o que acontece quando se dá Ibope a maluco. Pensou o carcereiro.
*
Rosto pequeno. Lábios carnudos. Cabelos com tranças vermelhas. Uma pele negra bem cuidada. Coxas e nádegas bastante salientes. Esta é Júnia Lemos, amiga da família Pinheiro Silva. Na mesa do jantar Arthur é observado pelo pai. O garoto mal consegue cortar o frango de tanto que olha para o par de seios da morenaça ornamentado por um decote em “V”. Este é o meu garoto. Nato também tem a sua atenção voltada para sua esposa. Regina hora alguma esboçou qualquer reação de desconforto, seguia comendo e conversando normalmente com a amiga sobre os planos e projetos para o ano vigente.
— Ontem mesmo estive negociando a abertura de mais uma unidade. Em breve a Júnia’s Tranças terá mais um salão aberto.
— Fico feliz por você. — disse Nato. — Seu espírito empreendedor é forte.
— Meu querido, alguém precisa mudar o rumo dos Lemos. Todas as mulheres da minha família engravidaram antes dos dezoito anos e não concluíram sequer o fundamental. Chega.
— Apoiada, amiga. — bradou Regina de boca cheia.
Após o jantar, Regina e Júnia deixaram a casa e foram resenhar na varanda. Da cozinha Renato tentava ouvir o teor da conversa mas além de ser um pouco distante elas ainda falavam baixo. Pinheiro pegou o celular e enviou uma mensagem para Fagundes que, felizmente, está sempre online.
Ela jantou aqui hoje.
E o que você acha? Tem caroço neste angu ou não tem?
Sei lá. Júnia é um mistério e Regina pior ainda.
Pois é. O jeito é acompanhar mais de perto, sabe? Chegar junto. Deixa isso comigo.
Às duas sentadas no apertado sofá da varanda iniciaram uma série de risadas deixando o policial incomodado.
Elas estão rindo. Devo perguntar qual a piada?
Segura tua onda. Deixa que eu resolvo isso pra você.
Valeu.
Às vinte duas e trinta Júnia se despedia da família e embarcava num Uber. Na hora de dormir a mudança no humor de Regina foi de assustar. Ela tomou banho, vestiu seu baby Doll, colocou o despertador do celular para acorda-la antes das oito horas, virou para o canto da parede, se cobriu com o edredom e…
— Boa noite, amor.
— Boa!
Fazer o quê?
*
De volta a zona nobre de Porto Celeste depois de uma noite mal dormida com milhares de coisas brotando ao mesmo tempo em sua cabeça, Nato Pinheiro entrou pelo portão que dá acesso ao prédio de Carlos Henrique Dias andando de maneira moderada até a administração. Como é de seu costume, Renato optou pelo traje esporte fino. Calça jeans, sapatênis marrom e uma camisa gola polo preta. Mesmo aos quarenta e seis anos o investigador carrega com ele uma jovialidade que, de repente falta em muitos quarentões por aí.
— Bom dia. Sou Renato Pinheiro, investigador da polícia civil de Porto Celeste. Preciso falar com alguém do setor de monitoramento.
A secretária é uma mulher baixa, loira de farmácia com mais pó no rosto do que móvel de casa assombrada. Não é feia, porém poderia cuidar melhor da aparência.
— Se não for um empecilho, eu mesma posso cuidar disso. — disse se insinuando para o policial. Nato deu de ombros.
— Sem problema algum.
Tudo o que o agente mais queria era entrar no prédio, fazer o que deveria ser feito e sair com mais informações sobre o caso o mais depressa possível, porém nem tudo o que queremos acontece. Nato foi levado até uma outra sala que fica praticamente escondida, fora da vista dos moradores. Pelo menos o lugar é limpo e organizado.
— Chegamos! — disse quase cantando.
— Beleza! Preciso das imagens do andar do apartamento de Carlos Henrique Dias.
— Meu Deus! Que tragédia, não é mesmo? Um cara tão jovem e rico. — declarou digitando no teclado de um dos computadores.
— É verdade. — aguardou que as imagens surgissem na tela. — ótimo. Agora mostre-me as do dia do acontecimento.
Nas imagens tudo acontece normalmente. Entra e sai de moradores. Uma movimentação corriqueira do dia em um dos endereços mais badalados da região. Enquanto isso, a minúscula funcionária do prédio não tirava os olhos do partidão a seu lado.
— Lá está ele. — Nato não esperava que sua voz fosse sair tão alta.
Carlos Henrique Dias parecia empolgado andando na companhia de um rapaz mais ou menos da mesma altura que ele. Até esse ponto tudo bem. Vendo que o policial não tinha pressa, a recepcionista decidiu voltar para o seu posto, mas antes deu outra investida.
— Não posso me ausentar por muito tempo da recepção. Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, estarei lá na frente.
— Claro. Obrigado.
Aquilo estava demorando mais que o planejado, então o agente resolveu acelerar o processo. Nato adiantou o vídeo e nisto ele não conseguiu ver o que queria, ou seja, a saída dos dois do apartamento.
— Como assim? Deixei passar alguma coisa.
Aos poucos ele foi voltando até se deparar com algo no mínimo inusitado. Ana Paula Figueira vestindo um vestido azul e chapéu de praia deixando o apartamento.
— Como? A menos que ela já estivesse lá dentro… e o tal rapaz que entrou junto com Carlos Henrique? — coçou a cabeça de cabelos raspados à máquina.
Pinheiro pausou o vídeo no momento em que a suposta mulher cruzava o corredor de costas para a câmera. Ana Paula, ela matou o namorado e nem se importou em ser capturada pelas câmeras? Sério? Ou então…
Nato saiu da sala sentido a recepção caminhando no modo automático. Ele não enxergava absolutamente nada à sua frente. Ao passar pelo setor da recepcionista, a mesma o abordou.
— Tudo certinho?
— Mais ou menos. — respondeu olhando para o busto, pernas entre outras coisas no corpo da mulher. — Qual o seu nome?
— Joyce. Joicinha para os mais íntimos.
Renato teve que rir.
— Joicinha, você estava trabalhando no dia do crime?
— Eu estava de folga.
— Era costume do senhor Carlos Henrique trazer amigos para o apartamento?
— Raro. Só dona Ana Paula mesmo que é um anjo de pessoa.
— Certo. Bom, eu já vou indo.
— Toma. — lhe entregou um pedaço de papel. — é meu número. Me liga quando tiver um tempinho.
Pinheiro riu novamente.
— Valeu, Joicinha.
*
Thais sentiu como se uma prensa em sua potência máxima a esmagasse quando seu namorado alcançou o auge do prazer entre aquelas paredes faltando reboco. Arthur a abraçou pra valer tentando controlar sua respiração.
— Essa foi forte. — disse Thais ainda com Arthur dentro dela.
— Você está cada dia melhor.
— Quando vou conhecer meus sogros? — subiu a calcinha.
Arthur franziu o cenho. Sogros?
— Não acha que isso é um passo muito grande não?
— É normal que os namorados levem seus pares para conhecer seus familiares.
— Você está mesmo curtindo ficar comigo? Quero dizer… nós só temos dezesseis anos e…
— Nós só temos dezesseis anos e já temos uma vida sexual bem ativa. O que acha de oficializarmos logo isso? — pegou o celular conferindo o horário.
— E se eu não concordar?
— Bom, aí terei que rever tudo e não sei se vou querer continuar transando com um moleque que não quer nada sério comigo. — pegou sua bolsinha. — preciso ir, vou ao shopping com meus pais.
*
Ana Paula despertou de maneira tão abrupta de um sono profundo motivado por doses cavalares de calmante, que ao tomar ciência de que já havia chegado a hora do almoço ela quase precisou tomar outros mais.
— Meu Deus, o que estou fazendo? — Jogou o celular nos pés da cama.
Mesmo com o rosto amarrotado, Ana Paula consegue ser linda. Ao deixar o quarto ela foi surpreendida pelo toque do interfone. Pela câmera ela viu um sujeito branco, barba por fazer. Não é feio, mas também não é nenhum galã de novela das oito.
— Droga. Esse policial já está enchendo o saco. — Acionou o microfone. — um minuto.
Nato Pinheiro ocupou o sofá diante de uma Ana Paula um pouco mais à vontade do que da última vez.
— Senhora Ana Paula. Eu sei que não deve ser nada fácil ficar respondendo a questionamentos, mas…
— Faça o seu trabalho, detetive. — cruzou as pernas.
E que pernas.
— Eu vi as imagens da câmera de segurança do corredor do apartamento do Carlos Henrique. Havia um cara com ele no dia, a senhora sabe quem é?
Ana deu de ombros.
— Não era costume do Carlos levar amigos ao apartamento…
— Eu apareço nas imagens? — retrucou Ana.
— Então, dona Ana Paula. Eu assisti horas de gravação e não há registro de você no vídeo, porém algo curioso aconteceu.
Ana Paula apenas olhava para Nato sem esboçar qualquer reação.
— Uma mulher apareceu…
— Entendi. Você veio aqui me prender, então.
— Calma, dona Ana. Só estamos conversando. Eu me certifiquei se Carlos Henrique possuía alguém que trabalhava para ele no apartamento e não, ele cuidava das coisas sozinho.
— Sim, Carlos não tinha empregada doméstica.
— Veja bem. Se não havia ninguém dentro do apartamento e entraram dois homens, por que eu vi sair uma mulher?
A expressão de Ana se tornou apreensiva. Aos poucos seus olhos se encheram de água.
— Calma, Ana. Carlos Henrique não estava lhe traindo, se é o que está pensando.
— Como tem tanta certeza? — Fungou o nariz.
— Porque a figura que vi saindo do apartamento não era uma mulher e sim um homem vestido de uma.
*
Ela falou para onde estava indo? - Fagundes digitava sentado no banco do motorista olhando para um motel de beira de estrada.
Não. Aliás, eu nem sabia que ela iria sair. Aonde você está?
Arnaldo olhou para a placa do estabelecimento.
Motel Dubai.
O quê, motel, tá de sacanagem?
Fagundes fotografou a fachada do motel e enviou.
Meu Deus. O que eu fiz para merecer isso?
Arnaldo Fagundes ficou penalizado e não gostaria de estar na pele de seu cliente.
Vou entrar e tentar fotografar. Com isso você terá provas contundentes. Mantenha a cabeça no lugar, não faça besteira, certo?
Certo.
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