segunda-feira, 6 de maio de 2024

A Bíblia do Assassino | Capítulo 1 | Parte 2

 


A Bíblia do Assassino 

Segunda Parte 

Capítulo 1


  Por mais que Regina já o tenha alertado quanto a sua saúde pelo fato dele comer hambúrguer, fritas e refrigerante diariamente, Arthur insiste em fazer vista grossa. Religiosamente ao meio-dia quando o sinal do colégio soa, é normal vê-lo na fila da cantina esperando pelo lanche e hoje ele tem companhia. Thais Gusmão, uma adolescente de rosto marcante recém chegada à escola o acompanha. Assim que a viu pela primeira vez o único filho de Nato Pinheiro fez questão de ser o primeiro a se aproximar não deixando espaço para mais nenhum marmanjo chegar com galanteios.

   — Hambúrguer com fritas. — Thais olhou para o prato de Arthur. — Sua mãe não pega no seu pé por causa disso não?

     — Ela enche o saco. — girou o pescoço buscando por uma mesa vazia.

   — Que tal ficarmos lá no jardim, não tem mais espaço aqui no refeitório.

    — Boa ideia.

    Thais não queria desobedecer às ordens de sua mãe, porém ficar ali sentindo o aroma saboroso daquela iguaria foi torturante demais e ela acabou por comer a outra metade do lanche.

    — Mais uma quebrada de regra para a conta. — brincou Arthur se limpando com o guardanapo.

    — Ah, para, eu me sinto péssima com isso.

    — Relaxa. Você não cometeu crime algum. — pegou sua mochila. — Vamos?

    Uma quadra antes da casa de Thais existe uma construção do que seria uma casa de dois andares inacabada. Faz tempo que ninguém aparece por lá e a rua é tão deserta que foi apelidada de cemitério. Ali, naquele lugar empoeirado, sem porta e nem janelas o casal de adolescente transa feito gente grande sem culpa e sem medo. Arthur Silva Pinheiro viaja entre as nuvens com as performances de sua gatinha. O mesmo acontece com Thais que não cansa de elogiá-lo.

  — Você manda muito bem. — falou subindo sua peça íntima.

  — Podemos repetir a dose mais tarde. Você quem sabe.

    — Eu prometi que iria ao mercado com minha mãe, mas eu te ligo.

    Já na rua, antes de cada um seguir por caminhos diferentes, rolou aquele beijo suculento despertando outra vez o desejo de se possuírem.

  — Vamos voltar lá pra dentro? — sugeriu Arthur.

    — Melhor não abusarmos da sorte. Eu te ligo mais tarde. Tá bom?

    — Vou ficar esperando.

    Após um rápido selinho eles se dividiram.

*


   Regina dobrava as roupas de cama ao som de sua banda de rock alternativo internacional favorita. Para ela, R.E.M jamais encerraria suas atividades em 2011. Ela como fã se sentiu órfã. Renato também curte bastante o som do grupo nova iorquino, ele mesmo apresentou a banda a ela quando ainda nem sonhavam em namorar. Nato refogava o arroz quando ao ver sua bela esposa passando do quarto para a sala buscando por outro sucesso do quarteto decidiu ajudá-la na escolha.

    — Que tal “Drive”? — sugeriu Pinheiro.

    — Hum! Legal. — se jogou no sofá.

   — Sabe o que eu andei pensando? Vamos convidar a Júnia para um almoço ou jantar. O que você acha? — pôs água quente no arroz já refogado.

   — Só a Júnia? — segue procurando pela música.

   — Há! Sei lá. O Sérgio talvez.

   — O Sérgio? Não. Ele é dono das piadas mais sem noção da face da terra e além do mais, ele não consegue disfarçar os olhares para o decote da Júnia.

   O policial deixou a cozinha.

   — Se o problema for só esse, cabe a você como amiga orientá-la quanto a vestimenta.

    — Sérgio e Júnia num mesmo ambiente encontra-se fora de cogitação.

    Era visível o desconforto de Regina. Até mesmo o telefone ela deixou de lado.

    — Vamos fazer o seguinte. — Ela voltou a buscar a música no aparelho. — Vamos sair nós três. Faz tempo que não saímos em família para comer num restaurante legal. Topa?

    — Claro que topo. Família é tudo. — voltou para cozinha.

    Júnia Lemos e Regina. Isto não pode ser verdade. A água do arroz evaporava semelhante aos pensamentos do policial. Família é tudo. Teria Regina o mesmo sentimento que ele? Os acordes iniciais de “Drive” invadiram sua mente e ele não se deu conta disso tamanha era sua imersão na possibilidade disso estar acontecendo. Outro som também o invadiu, porém este o fez voltar ao mundo real.

    — Pinheiro na escuta. Pode falar, chefe.

    — O dever te chama meu amigo.

    — Qual a boa?

    — Boa o caramba. Conhece a CHD?

    — Claro. Aluguel de carros.

   — Exatamente. O dono foi encontrado morto em seu apartamento na zona sul. Quero você de frente para esse caso. Positivo?

    — Só me passa o endereço.

*


   Não são todos os dias em que caras como Nato Pinheiro conseguem ir até a zona sul de Porto Celeste. Além de ser uma região onde somente pessoas “endinheiradas” conseguem viver, de vinte anos pra cá o trânsito se tornou algo caótico e para alguém que não possuí o mínimo de paciência para encará-lo, tal deslocamento pode vir a ser desastroso. Tirando esses fatos, a zona nobre da cidade ainda é de encher os olhos. O mar, as lojas, as casas, os prédios, boutiques e sem falar das pessoas que são extremamente bonitas e educadas. Em contra partida, aonde existe pessoas há também o erro, o delito. Carlos Henrique Dias, um baita empresário, morto dentro do seu apartamento.

    Pra começar o apartamento do sujeito mais parece um palácio. Boa iluminação. Ótima decoração, sem falar dos móveis e eletroeletrônicos. Era possível sentir o cheiro da ostentação. Nato passou por outros policiais até chegar ao quarto. Lá estava ele. Olhos abertos. Sangue. Muito sangue. De onde vem todo esse sangue? Pensou.

    — Isso só pode ser brincadeira.

   Brincadeira ou não, fato é que na testa de Carlos há uma cruz desenhada. O criminoso se utilizou de uma caneta comum, uma Bic, talvez. Ao se agachar para uma melhor visualização, Pinheiro lembrou-se de Tiago Garcia.

   — Será possível?

   Nato voltou para a posição ereta ainda de olho no cadáver. Renato nunca foi de achar homem algum bonito, neste ponto o seu lado machista fala bastante alto, mas com relação a Carlos Henrique Dias ele abriu uma exceção. O sujeito é boa pinta. O policial se afastou do corpo dando uma rápida olhada em todos os detalhes do quarto. Cama relativamente arrumada. Uma poltrona azul claro confortável bem ao lado da cama, poltrona no quarto, esses ricos são cheios de frescuras mesmo.

   Os peritos chegaram. Não é do seu costume acompanhar o trabalho dos colegas peritos, por isso Nato Pinheiro foi para a sala aonde seguiu com sua varredura. No cômodo, em cima da mesa onde ficam o vídeo game, controle remoto e, porta retrato, uma foto lhe chamou atenção. Que gata. Nato a registrou em seu celular. Passando pelos policiais ele foi até o corredor e se certificou sobre as câmeras de segurança. Sim! Lá estavam elas, bem no final do corredor perto da escada.

    — Perfeito.

    Nato foi chamado pela equipe de peritos.

    — Ele foi morto por um único golpe de faca que rompeu sua jugular. Sofreu muito até…

    — Sinais de outras agressões? — Nato olhava para a cruz na testa do falecido.

    — Não! Arrisco em dizer que ele não esperava pelo que aconteceu. Foi surpreendido. Mas o que me intriga de fato é aquilo. — apontou para o desenho.

    — Pois é. A mim também.

*


    Ana Paula Figueira sempre foi uma mulher forte. Nunca permitiu que seus sentimentos regessem sua vida ou que a conduzissem em determinados momentos. Ela foi criada por uma mulher que a esculpiu, que a forjou a ser uma Mulher Maravilha praticamente. Ao tomar ciência do ocorrido não teve como suportar. Ana Paula e Carlos Henrique Dias eram namorados e se amavam demais. Perdê-lo foi como morrer também e para se ter uma ideia do seu estado, ela mal consegue responder às perguntas do investigador.

   — A senhora se lembra de quando esteve com ele pela última vez?

   Ignorando totalmente a onda de choro, Ana Paula respondeu o questionamento aos soluços.

  — Foi aqui em casa mesmo. Passamos a noite juntos. — apertou os olhos. — Meu Deus, eu não acredito.

  — E como ele estava se comportando nos últimos dias?

   — Normal. Carlos não tinha inimigos.

   Dando uma pausa nas perguntas, Nato observou uma esferográfica de cor preta sobre uma agenda perto da TV, na hora lhe veio à mente o desenho da cruz.

   — A senhora pertence a qual segmento religioso?

    Como assim, aonde esse detetive quer chegar com essa pergunta?

 — Minha família pertencia ao Candomblé, porém eu nunca fui muito assídua. O que isso teria haver com a morte do Carlos?

   Putz! Que mancada minha.

   — Só estou tentando ligar os pontos, senhora. Peço sua colaboração.

    — Ok! Se já terminamos, eu gostaria de tomar um remédio e me deitar.

   Ana Paula Figueira. Uma moça alta, linda de cabelos exageradamente compridos e negros como a noite. Nato deixou sua residência com mais alguns pontos de interrogação orbitando em sua cabeça. Estaria a namorada de um dos maiores empreendedores de Porto Celeste escondendo algo? Esta visita aconteceu cedo demais? Estaria Nato forçando muito a barra? E a cruz e a pomba? E Tiago Garcia e Ana Paula? Não pira agora não, Renato, pensou ligando o motor do veículo.

*


   — Trouxe a camisinha? — perguntou Thais envolvida nos braços de Arthur.

   — Na boa? Não vejo necessidade.

  — Como assim não vê necessidade? Eu só tenho dezesseis anos, engravidar agora seria o fim do mundo.

  — Terei cuidado. — voltou a beijá-la.

  — Aí, meu Deus. Sorte tua que eu estou com muita vontade, hein. Vamos logo.

 *


  Os olhos estão fixos nas imagens repousadas sobre a mesa à sua frente, mas a mente encontra-se em outro lugar. Regina. Como são as coisas. Por mais que ela não tenha sido a mulher com quem tanto sonhou para sua vida, Renato jamais a trocaria. O amor que ele sente por ela é de verdade. Quando algo desta natureza acontece, a tendência é a outra parte se sentir culpada e com Nato não está sendo diferente. Ser trocado por um outro homem já seria complicado, mas agora, ser trocado por outra mulher é algo estonteante. O peso da mão de Jorge Gama em seu ombro o fez voltar.

   — O que tanto olha para essas fotos?

  — Pois é. Veja isto. — lhe entregou a foto da cruz. — que merda.

  — E põe merda nisso. Não tem nem seis meses que prendemos Tiago Garcia e agora…

   — Pelo visto terei que bater um papinho com ele.

  — Acha que tem alguma coisa haver? — Jorge colocou as fotos lado a lado.

  — Total!

  — Então, ao trabalho.


    


Um comentário:

  1. Muito bom, meu amigo! Já quero os próximos! Adoro como você escreve bem e de forma acessível pra todos os gostos. Fico presa nas suas histórias

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