O Sol Além Da Chuva
Capítulo 8
Vender drogas não fazia parte dos planos de Jota, muito menos dos planos de seus pais. Se dependesse do pai, somente do seu pai, João era para ser hoje um bem sucedido engenheiro trabalhando em uma estatal. Já sua mãe sonhou a vida inteira em ter um filho artista, estrelando nos palcos ou na teledramaturgia. Na verdade, foi projetado no garoto o que ela gostaria de ser de fato. Nada disso seria ruim, mas o erro de ambos foi não consultá-lo antes. Ninguém se importou com seus sentimentos ou desejos. No fundo Jota era louco por esportes. Ser um Skatista e competir era o seu objetivo, mas o pior aconteceu. Seu pai, mesmo casado, constituiu outra família fora da cidade e ao saber de tudo, sua mãe mergulhou fundo numa depressão que a consumiu até a morte. Desgraça total.
Mesmo sob o amparo dos tios e avós, Jota nunca entendeu direito o porquê do destino ter lhe pregado uma peça tão cruel. Apesar de tudo, ele amava seus pais e faria qualquer coisa por eles. Revoltado, João largou os estudos, abandonou o sonho e se enveredou pelo caminho mais fácil. A vida começou a fazer sentido novamente quando Milena apareceu. A princípio, tudo não passava de sexo, drogas e rock holl. Curtição pra valer. Ele sente muito a falta dela mesmo.
Ao terminar de enrolar os cigarros de maconha e organizá-los dentro da caixa de sapatos, alguém bateu na porta. O susto foi tão grande que o fez soltar a caixa em cima do sofá.
— Mais que droga.
A pessoa insistia com as batidas o deixando cada vez mais perdido.
— Já estou indo.
A caixa com as drogas foi parar atrás da TV.
— Prontinho. — Abriu a porta.
Se tratava de um jovem negro. Boa aparência, físico de atleta usando óculos de lentes finas.
— Oi! Você é o professor de química? — sua voz é grave, estilo locutor de supermercado.
— Opa, sim, sou eu.
— Sou Luiz Paulo. Quem te indicou foi o Pará.
— Ah, sei, ele te passou o procedimento?
— Sim! — lhe mostrou o caderno e o estojo. — é isso?
— Exatamente. Sabe como são as coisas não é? O seguro morreu de velho.
— Tá certo. Então. Vamos fazer negócios?
— Cola aí.
O apartamento segue do mesmo jeito. Paredes com marcas de pés, rabiscos e pichações. Um monte de papel espalhado. Restos de lanche de dias varridos para o canto da parede e um cheiro insuportável de maconha no ar.
— Vai querer quantos?
— Quantos tem aí? — olhou ao redor.
— Acabei de enrolar trinta e está pra chegar mais a noite.
— Ah, tá. Você trabalha sozinho com isso? — cruzou os braços.
— Na verdade eu e o Pará. Ele é o responsável por trazer os clientes. — pegou a caixa atrás da TV.
— É um esquema quase que infalível.
— Pois é. Na verdade, quem bolou todo o esquema fui eu. O Pará não é tão inteligente assim, então… — Abriu a caixa. — Vai querer quantos?
— Quero todos. — sorriu.
— Todos? E você tem grana para tudo isso?
O rapaz enterrou a mão no bolso de trás da calça e sacou um bolo de notas de cem. Jota arregalou os olhos.
— Brother. Você poderia comprar direto com o meu fornecedor. Eu ganharia uma boa comissão inclusive. Vou te passar a situação…
— Eu já conheço todo o sistema, professor. — fechou a expressão.
— O que? Mas, droga. — deu dois passos para trás.
— Se tentar correr será pior. — Lhe mostrou o distintivo. — Como você mesmo disse, o seu parceiro não é tão inteligente. Foi fácil.
— Merda, Pará. — Esbravejou.
— Você pode falar isso diretamente para ele lá embaixo. Vamos.
*
Jota e seu sócio no ramo de comercialização de entorpecentes, Pará, foram jogados feito sacos de lixo em uma das poucas celas da delegacia. Mesmo sob os insistentes protestos do líder da dupla, Luiz Paulo, o investigador responsável pelo caso mal olhou para a cara dos meliantes.
— Eu acho que eu tenho direito a uma ligação, não é?
— A partir do momento em que você, senhor João, atravessou as portas deste departamento de polícia, o senhor perdeu todos os direitos. Traficantes aqui não têm direito a nada.
— O pai da minha namorada é advogado… — Gritou.
— Ele pode até ser o Papa. Agora cale a boca. — Saiu andando.
Sabendo da encrenca em que se meteu, Pará ocupou um dos assentos de concreto nos fundos da cela passando a se lamentar.
— Bem que minha mãe falou. Eu não tinha nada que largar a feira.
Jota girou nos calcanhares.
— Eu não acredito que você contou para sua mãe que venderia maconha?
— Sou burro, mas não a esse ponto. Falei que iria trabalhar com venda de produtos naturais.
Jota se afastou voltando para a frente da cela.
— É bem provável que você consiga sair. — Pará continuou falando. — No meu caso sou um cara pobre, morador de comunidade, não concluí o ensino fundamental e para piorar, sou negro, então…
— Caímos juntos e vamos sair daqui juntos. Confie em mim, parceiro.
Disposta a virar a chave de sua vida e tentar vivê-la em harmonia com seu pai e principalmente com sua mãe, Milena se concentra nos afazeres domésticos e também nos deveres escolares. Paz interior é algo que não se encontra em qualquer esquina, mas sim uma coisa que se constrói. O processo é lento, doloroso, mas de forma alguma fará com que nos arrependamos. Seu smartphone tocou em cima da cama. Ao ver que se tratava de Jota todos os músculos do corpo se retraíram.
— O que você quer, já falei para me esquecer.
— Fui preso. Seu pai pode me dar uma ajuda?
— Esquece. Meu pai não é advogado criminalista…
— Qual foi, Milena. Tenho certeza que ele conhece alguém que pode me ajudar…
— Cara coloca uma coisa na sua cabeça. Nós não temos mais nada a ver um com o outro. Você quase destruiu a minha vida.
— Você sabe que eu te amo, não sabe?
Chorar não é proibido. Chorar é bom e faz parte do processo. Milena chorou pois sabia que era verdade.
— Por favor, gata. Me ajuda aí vai.
Toda mudança gera medo, insegurança e expectativa. Mas, se estamos mesmo dispostos a não permanecermos no lugar de conflito, precisamos abandonar o que outrora nos fez mal.
— Adeus, João. — Desligou.
*
Desde quando ainda eram crianças no bairro pobre onde nasceram, Lara e Naiara sempre fizeram questão de estarem juntas, seja nos momentos de grande conquista e alegria como nos de perda, aflição e tristeza. A admiração da caçula pela irmã mais velha ultrapassa os limites do que ela considerava respeito de irmã mais nova. Lara era vista por Naiara quase como uma entidade, um ser que estava disposta a protegê-la a qualquer custo. Quase um respeito maternal digamos.
Hoje já adultas poucas coisas mudaram. Lara já não mais a vê como uma menininha pirracenta e cheia de vontades, mas sim uma mulher madura, forte e determinada. Em contrapartida, Naiara não a enxerga mais como sua segunda mãe, porém o respeito e admiração continuam lá.
— Preciso saber exatamente o que vem acontecendo aqui. — Questionou Lara sentada na mesa da copa.
Naiara adoçava o café.
— Não estou te entendendo.
— Vamos lá, Naiara. Eu te conheço cara.
— Está tudo em ordem…
— Não adianta mentir pra mim. Eu investiguei e não gostei nada do que descobri.
— E o que descobriu? — Deu um gole no café.
— Você tem sacado ou transferido as aposentadorias as jogando em sua conta. É certo isso?
— Eu faço as transferências para minha conta justamente para facilitar na hora das compras.
— E o que você faz com a grana que envio todo mês? — Cruzou as pernas.
— Faço compras, separo para a emergência…
Lara respirou fundo.
— Ótimo! Apresente-me agora os extratos.
Naiara tinha os olhos marejados.
— O que?
— Isso dói mais em mim do que em você, acredite, mas eu não posso ir embora com essa dúvida. Mostre-me o histórico dos extratos.
A morena engoliu o choro pegando o celular. Mais uma vez o respeito extremo, quase medo falou mais alto. Ela não pode resistir.
— Não adianta. Somos irmãs. Eu sinto o que você sente.
— Me perdoe. — Chorou finalmente.
— Não é a mim quem você deve pedir perdão. Roubar dos próprios pais é uma falta grave.
— Vai tirá-los de mim?
Lara pensou durante um tempo.
— Não! Acho que agora você aprendeu a lição, não é, feiosa? — Pegou nas mãos da irmã.
Naiara anuiu.
*
Durante todo o tempo em que passou em sala de aula, por diversas vezes Hortência se pegou com sua mente distante. Ela olhava para o quadro branco recheado da matéria que ela mais curte na cozinha. Assados é com certeza sua especialidade, mas o que verdadeiramente chama atenção encontra-se ocupando a carteira ao lado. Gilson sim tem cem por cento de sua atenção nas explicações logo a frente. Ao contrário de sua namorada, assados é o seu calcanhar de Aquiles dentro de uma cozinha. Não que ele não saiba prepará-los, mas se for para escolher, certamente ele escolheria as cocções feitas na panela ou frigideira.
— Algum problema, amor? — perguntou Gilson percebendo sua inquietação.
— Estou louca para ir embora. — Hortência respondeu entre os dentes.
— Mas você ama a aula de assados.
— Sim, mas… quando chegarmos em casa eu te falo.
Demorou, mas por fim lá estavam eles entrando em casa fazendo com que a preocupação do motorista aumentasse a cada passo dado. Hortência estava agindo estranhamente oscilando entre sorrir, beijá-lo e a ficar séria.
— Vai mesmo trabalhar hoje a tarde?
— Sim! Preciso fazer pelo menos uma parte da mensalidade do curso.
Agora ela estava séria. Bastante séria pra falar a verdade.
— Me acompanhe, por favor.
Gilson é do tipo de pessoa que sempre se preparou para o pior. Foi graças a esse comportamento que ele não surtou até hoje. Hortência entrou em seu quarto onde havia uma caixa cuidadosamente posta no meio da cama.
— Comprei para você. — Anunciou ruborizada.
— Presente, para mim, o que é, um vídeo game?
— É mais ou menos isso. Você vai se divertir da mesma forma.
— Caramba!
A caixa é leve levando Gilson a descartar a hipótese de ser um vídeo game. Ao abri-la e descobrir seu conteúdo, ele olhou para Hortência que não sabia onde enfiar o rosto.
— Não falei que você iria se divertir do mesmo jeito.
— Nossa! — pegou a peça íntima. — isso vai ficar…
— E aí, ainda pretende trabalhar hoje a tarde? — O abraçou.
— Dane-se o trabalho. — a beijou.
Vim por indicação da Thaís e li esses 8 capítulos todos agora. Está muito bom, meus parabéns
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