sexta-feira, 22 de abril de 2016

CAVALHEIRO da NOITE


 A vontade de matar corre em suas veias desde sua terrível infância no orfanato. A morte é a sua única companhia desde então. Sua face é inconfundível e sua voz faz gelar a espinha. Para ele é natural esquartejar um cretino ou uma vagabunda. O mundo é mal e ele é pior ainda. Por debaixo do sobretudo preto e das luvas marrons se esconde a pior das criaturas. Alguns o chamam de demônio, outros de filho das trevas, porém o que ele mais gosta é o “Cavalheiro da noite”. Ao ler no jornal o seu nome ele rir como um adolescente curtindo com a cara de alguém.
             Em pé, na varanda de um edifício, olhando a pouca movimentação lá em baixo ele se recorda do dia em que foi massacrado pelo colega de orfanato. Disso ele se lembra bem. Que noite terrível. Dois jovens maiores do que ele o seguraram na cama enquanto seu desafeto o cortava com um caco de vidro todo o seu rosto infantil. Ele gritava, gemia, pedia pelo o amor de Deus, mas ninguém vinha a seu socorro. Os cortes eram profundos e feitos lentamente. Seu inimigo o desfigurou o transformando num monstro tanto por fora quanto por dentro.
             Pela manhã a madre o encontrou desmaiado e com o rosto coberto por feridas:
             - Santa Maria, o que fizeram com você meu filho?
             Ele não falou. Pra falar a verdade desde esse dia ele não falou mais. Apenas agiu.

***

             Hoje, no auge de seus 30 anos ele se encontra ali, parado na penumbra de um edifício de dez andares observando a madrugada. Ele ama a noite, principalmente chuvosa como hoje, fria, sombria e diabólica.
              Uma prostituta passa correndo desesperada com suas roupas rasgadas e maquiagem borrada. Ela corre olhando para trás e não vê a raiz da árvore. A menina cai ralando seu joelho. Seu agressor a alcança já chutando suas costas. Ela se contorce no asfalto molhado de tanta dor e implora por sua vida fazendo posição de oração. O covarde a chuta ainda mais. A vagabunda cai de costas no chão e é pisoteada:
               - Morre sua vaca!
               Enquanto pisa no rosto da meretriz o homem sente uma forte ardência em seu ombro direito. Imediatamente ele olha e vê sua carne jorrando sangue. Seu grito é alto. Ao ver próximo dele um sujeito com a cabeça coberta por um capuz e sobretudo preto portando uma faca em cada mão ele se desespera.
               - Quem é você? – pergunta segurando a ferida.
               Como sempre ele não responde, prefere esfaquear sua vítima. Outro golpe e o homem tem dois de seus dedos decepados pelas lâminas afiadas. A prostituta se arrasta saindo de perto da carnificina. Seu rosto apavorado recebe um espirro do sangue de seu agressor. Ela grita e chora e o rapaz também.
               O cavalheiro da noite segue furando e cortando até o homem cair de bruços. O assassino monta as costas e vai enterrando suas facas nos pulmões da vítima. Um sangue grosso escorre pela boca do homem que já se encaminha para a morte, morte horrível, dolorosa. Ofegante seu assassino continua a furar suas costas, já não há mais onde feri-lo e mesmo assim ele continua.

***

               O garoto sente cada perfuração do prego em seu corpo pedindo pelo amor de Deus para que seu agressor cesse as pauladas. O futuro cavalheiro da noite gosta do que vê, o sofrimento, a dor estampada no rosto da pessoa, o sangue sendo cuspido pela ferida. Enquanto é espancado o garoto observa as cicatrizes que ele mesmo desenhou naquele pobre rosto juvenil e logo o pânico aumenta. Às pauladas não cessam. Ainda a vida, ainda há respiração, ainda há ódio guardado. Por fim ele morre, vingança completa, finalmente ele vai poder viver em paz. Paz? Será? Quando?

***

               Sua vítima número... ele já perdeu as contas para de respirar. O cavalheiro da noite olha para o lado e contempla a vagabunda chorando de soluçar. Buscando forças ela consegue fazer a ilustre pergunta.
               - Quem é você? Por quê me protegeu? Você vai me matar também?
               Ele meneia a cabeça dizendo que não. A mulher se encolhe com medo do rosto coberto por cicatrizes de seu defensor. Por alguns instantes ela fecha os olhos e quando os abre ele já não está mais lá.

***

               Matar em defesa de alguém, isso foi inédito para ele. Um herói? Será que ele está se tornando um herói? Ele acha pouco provável. Agora caminhando na escuridão com as facas ainda gotejando o sangue do covarde o cavalheiro da noite já imagina as manchetes de amanhã, “o cavalheiro da noite atacou outra vez”.
               O sono vem, porém ele o ignora quando vê um viciado em crack dobrando a esquina como um zumbi.


FIM




Nenhum comentário:

Postar um comentário