quinta-feira, 21 de abril de 2016

O TURISTA

O dia se findou e a estrada de barro se tornou ainda mais perigosa e sombria. A paisagem outrora verde e viva, agora dá lugar a tons mais tenebrosos. Ele não se importa com isso. Tudo o que ele quer é encontrar o seu grupo. Segundo informações eles passaram por esse caminho a mais ou menos duas horas. Suas botas estão surradas e a mochila parece pesar uma tonelada. Suado e com sede ele quase se arrasta pelo caminho barrento. Nenhum carro passa por ali, nem mesmo uma carroça. Nenhuma casa, nenhum ponto de luz, somente ele e a escuridão.
            Fome, muita fome. Ele para e olha para trás e só vê...nada, mais uma vez ele sente uma onda de medo circular por seu corpo. Tira a mochila das costas e se apóia nos joelhos. Por incrível que pareça ele sente saudade do grupo barulhento e mal educado “onde estarão?”
       
             Mais meia hora de caminhada ele avista uma casinha, uma cabana na realidade. De longe é possível ver um ponto de luz e algo ou alguém se movimentando lá dentro. À hora é avançada e ele precisa descansar. Ele se aproxima da cerca de arame farpado e bate palma. Ninguém responde. Mais uma vez ele bate palma e mesmo no escuro ele consegue ver alguém na janela. Apenas a silueta. Ele acena e logo a pessoa desaparece. A porta da cabana se abre e um senhor de pele negra segurando uma lamparina caseira o atende:
            - Oi moço, é um pouco tarde o senhor não acha?
            - Me desculpe senhor, eu não tenho onde passar a noite, eu me perdi do meu grupo.
            - Você é turista?
            - Sim, sou, será que eu não poderia descansar na sua cabana? – o velho de barba totalmente branca coça a cabeça por cima do chapéu. – por favor, essa estrada é muito perigosa e não sei onde ela vai dar.
            - Gosta de carne de porco?
            Mesmo sem entender ele diz que sim com a cabeça.
            - Então entre, vai ser bom ter companhia para variar. – o velho rir exibindo os dentes podres e cheios de resíduos de fumo.

            A cabana fede a suor e fumo. Não há cama, apenas uma mesa de madeira, um banco e uma rede. Ele deixa a mochila no canto menos sujo e se acomoda no banco. O velho acende outra lamparina.
            - Então você é turista?
            - Sim, moramos no Rio de Janeiro e estamos passeando no interior.
            - Ta gostando, moço? – o sotaque do velho é forte.
            - Adorando, o Brasil realmente é lindo e ainda não nos demos conta disso.
            - Pois é. – o velho acende o cachimbo.
            - O senhor vive aqui sozinho nesse lugar deserto distante de tudo?
            - Sim! – dá uma tragada.
            - Não sente medo?
            - Não, não ligo para essas coisas. Como chama o moço?
            - Roberto, mas, pode me chamar de Beto.
            - Hum. Então, quer comer?
            - Adoraria. – alisa a barriga.
            - Vou colocar no prato pro moço então.
           Minutos depois o velho volta da cozinha com um prato feito de madeira com um pedaço generoso de carne suína suculenta.
            - Bom apetite moço.
            - Obrigado.
            Beto come com voracidade. Ele deve confessar, tudo muito gorduroso, mas não importa, o que vale é encher a pança.
            - Obrigado, eu estava mesmo com fome.
            - Bom, agora vamos dormir, a hora já é avançada não é mesmo? – mais uma vez o velho negro rir mostrando os dentes. Beto sente um forte enjoo.

            O velho dormiu na rede e Beto se acomodou no banco duro. Em menos de vinte minutos ele pega no sono. Beto praticamente desmaiou devido ao cansaço.

             Beto sonha profundamente quando ele sente alguém o cutucar. Lentamente ele abre os olhos e contempla um homem de quepe e uniforme. Olha pela janela e já é dia:
             - Moço, o senhor por um acaso chama-se Roberto?
             - Sim, por que?
             - Ufa, por fim o encontramos. – o homem grita. – ele está aqui, podem entrar.
             - Passei a noite aqui com o velho.
             - Velho? Qual velho? – o homem franze a testa.
             - Um velho negro de barba branca com os dentes podres fumando cachimbo.
             Nesse momento o grupo de Beto entra e sua namorada o abraça.
             - Amor por onde andou, tivemos que chamar a policia local para lhe procurar.
             - Passei a noite aqui com um velho. – o policial rir.
             - Roberto, ninguém mora aqui tem mais de cem anos, aqui foi residência de um escravo, morava sozinho depois que a escravidão acabou. – Beto coça a cabeça.
             - Mas, mas ele conversou comigo, eu não estou louco, ele me deu comida, carne de porco.
             - Sim, tal escravo criava porcos aqui, mas isso tem mais de cem anos. – indaga o policial.  – vamos embora, nosso serviço por aqui terminou, vamos.

             Beto sai da casa e se junta ao seu grupo. Entra na van e pela janela contempla a cabana feia, velha e sombria.   FIM.    


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