quinta-feira, 21 de abril de 2016

DURANTE A MEIA NOITE



  A chuva não cessa a dias. O frio castiga os mais idosos e crianças. A noite tudo piora. Durante o dia o clima é mais ameno. As pessoas vão para seus compromissos e quase não há diálogo entre eles. O único padre da cidade tenta as duras penas orientar quanto a questão do bom e velho relacionamento entre as pessoas. Tudo o que o pároco fala parece não surtir efeito algum na vida dos moradores daquele cidade tenebrosa.
        Antes de fechar as portas gigantesca da igreja, o padre olha para as ruas vazias e úmidas devido a fina chuva que cai e lamenta bastante. Ninguém apareceu pra a missa, nem mesmo as velhas beatas. O líder da igreja deixa rolar as lágrimas em silêncio. O som surdo das portas sendo fechadas desperta algo dentro do padre, terror.
        O segurança que faz sua ronda montado em sua bicicleta deixa claro em seu olhar que ele não queria estar ali. O silêncio é incomodo e lhe causa pânico. Ele acelera e desiste de apitar. Olha para o céu de tempo fechado. Logo vai escurecer. Melhor voltar para a guarita e se esconder.
        O relógio marca meia noite. Hora terrível, hora de desespero, hora de ouvir ruídos e gritos pelas ruas. As velhas se agarram aos terços e rezam. Os homens colocam os ferrolhos nas portas armados com carabinas. As mulheres se juntam aos filhos para tentar distraí-los. O padre sobe até onde fica o sino que há anos não toca para se refugiar. Meia noite. Tudo pode acontecer.
       O segurança fecha a guarita e saca sua arma. Algo ou alguém bate com força e seu coração vem a boca. Ele engatilha à arma. Engole em seco várias vezes. As batidas se intensificam. O segurança aponta seu trinta e oito para todos os cantos da apertada guarita. Alguém deseja entrar, porém ele não pensa em abrir. Pode ser alguém pedindo abrigo ou algo querendo matá-lo. Sua voz soa rouca.
       - Vá embora, agora!
       Os murros são fortes fazendo a guarita balançar. O segurança decide atirar para o alto, e logo todo o barulho cessa. Ele respira aliviado. Só depois ele percebe que urinou nele mesmo.
        A viúva se abraça aos seus três filhos e chora junto com eles. O som de alguém caminhando com pressa vem do telhado. Sem arma ou algo que possa espantar, Ela tranca a porta do quarto ainda ouvindo os passos fortes. De repente um estrondoso barulho faz as crianças gritarem junto com a frágil mãe. Quem estava em cima do telhado caiu dentro de sua casa. Temerosa ela sussurra para os filhos.
        - Fiquem aqui!
        - Mãe, onde a senhora vai? - pergunta a mais velha.
        - Silêncio. - coloca o dedo indicador na frente da boca.
        Pé por pé a viúva vai até a porta e olha pelo buraco da fechadura. O que a mulher vê a faz paralisar.
        - Santa mãe de Deus!
        A viúva corre para perto da cama onde seus filhos estão abraçados. Ela retira o travesseiro e encontra sua bíblia e a abre no Salmo 23 e o lê atropelando as palavras. Suas pernas estão fracas e suas mão tremem deixando cair a bíblia.
        - Mãe, o que a senhora viu? - pergunta o filho do meio. Ela não responde e insiste em ler o trecho bíblico chorando.
        O que a viúva do sargento viu, agora está batendo na porta. A vontade da mulher é de morrer. A mulher se ajoelha e balbucia. Seus filhos estão apavorados e se juntam a ela em oração.
         - Senhor, nos retire da face da terra, não queremos conviver com isso.
         As batidas se transformam em murros. A respiração do que a viúva viu é ouvida soando como melodia lúgubre. A mulher se levanta e decide fugir com os filhos pulando pela janela, só depois ela se lembra que é alto demais. Seu choro a sufoca. Ela fecha os olhos e pede perdão a Deus pelo que irá fazer. As batidas continuam, fortes e aterrorizantes.
         - Meus bebês, vocês confiam na mamãe?
         - Sim! - a resposta é unânime.
         - Então deitem-se todos, agora e fechem os olhos. - as crianças obedecem. Ela pega o travesseiro e se dirige a mais velha. Chorando e rezando ela sufoca a filha de cinco anos que reluta. A viúva faz força até perceber que a menina não se mexe mais. Vai para o filho do meio e o sufoca. A morte do garoto foi lenta, angustiante. Ao ver a mais nova já dormindo a mulher quase desiste, porém endurece o coração e a mata.
         Com os três filhos mortos ela vai até a cômoda e pega a gravata de seu finado esposo. Amarra forte na terça do telhado. As batidas não cessam jamais. Com a gravata a viúva se enforca.        

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