terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A sombra do Vingador



      Ele perdeu tudo, sua casa, seu emprego, seus pais e finalmente o grande amor de sua vida. Michele não era somente sua noiva, ela era o seu chão. Quando a conheceu, Walter sabia que ela seria a mulher que o colocaria de volta a realidade. Foi numa tarde nublada de sexta dentro de uma livraria. Lá estava ela, linda, cabelos compridos e negros, rosto pequeno e delicado. O seu jeito de andar o deixou embriagado. Ele não resistiu aos encantos da mulher baixinha de fala macia.
      - Oi? - ele chega por trás.
      - Sim?
     - Esse livro é perfeito, já o li algumas vezes, recomendo. - enterra as mãos no bolso na calça.
     - Nossa, sério?
     - Sim!

    A conversa foi esticada e terminou no café que fica ao lado da livraria. Foi amor a primeira vista realmente. Michele gostou do rapaz alto com a cabeça raspada a máquina. Ali mesmo eles marcaram o cinema. Isso aconteceu a dois anos. Walter e Michele estavam apaixonados e resolveram morar juntos no apartamento dele. Eles viviam intensamente o relacionamento com baladas, passeios e muito sexo. Michele estava terminando a faculdade de jornalismo e Walter já era um investigador da polícia civil. Eles tinham planos de saírem da cidade e ir para o interior, porém, tudo teve que ser interrompido.

Época atual

      Mais um cigarro é jogado no chão e esmagado pela sola do sapato de Santiago. A espera já chega a quase uma hora e meia. O líder do bando já se mostra furioso olhando para os lados. De repente dois carros chegam em alta velocidade deixando os capanga de Santiago em alerta. Dois homens descem portando armas. Um deles abre a porta traseira para que seu chefe desça.
      - Qual o motivo da demora? - grita Santiago.
    - Não lhe devo satisfações, seu canalha, trouxe minha encomenda? - diz o velho vestindo um terno branco e gravata rosa.
     - Sua encomenda está ali na van, cadê o meu dinheiro?
    O velho corcunda faz um rápido sinal para o capanga que segura um fuzil. O mesmo abre a porta traseira do carro e do banco ele pega uma maleta e a entrega ao chefe.
     - Como pediu, ai tem um milhão, vai contar?
    Santiago ajeita seu rabo de cavalo e pede ao seu homem que verifique se é dinheiro de verdade. Depois de alguns minutos de silêncio o homem faz sinal de positivo.
   - Muito bom, senhor Brandão, podemos fechar negócios. - se vira para o seu capanga. - pegue a encomenda do senhor Brandão.
     O homem vai até a van e trás de lá três sacos de lixo contendo papelotes de cocaína pura e os joga aos pés de Brandão que solta um rosnado. O velho traficante mesmo com dificuldade se abaixa e pega um dos papelotes. Ele saca um canivete do bolso e faz um pequeno orifício. Com o dedo mínimo ele experimenta o pó. Faz uma cara feia e olha para Santiago que lhe devolve um sorriso.
     - Negócio fechado garoto. - olha para seus comparsas. - já podemos ir embora, recolham tudo.
      Alguém os observa sentado em sua moto. Ele espera que todos se vão e dá a partida.

2014

      Michele e Walter saem do shopping de mãos dadas. Ela foi comprar mais um livro e ele pagar as contas atrasadas. Tomaram um sorvete e saíram. A noite estava fresca, típica de outono. Walter preferiu deixar o carro na garagem e ir de ônibus. Michele nesse dia estava mais bonita do que o normal e Walter já havia dito isso para ela.
     - Que tal um jantarzinho simples hoje? - ela sugere.
     - Qual será o cardápio?
     - Macarrão ao alho e óleo.
     - Hum, que delícia, e que tal um bom vinho?
     - Seria ótimo. - Michele sorrir.
   Um carro sobe a calçada quase atropelando o casal. Walter, como é de costume coloca a mão na cintura para sentir a arma no coldre. Dois marginais descem apontando suas armas para o casal.
     - Perdeu parceiro, vem com a gente.
    Walter pensa em trocar tiros com os bandidos, mas é impedido por sua noiva.
     - Vamos parceiro, perdeu.
     Michele e Walter são obrigados a entrar no carro. Em alta velocidade o veículo parte rua afora. Com uma arma apontada para o seu rosto, o investigador vê o pânico nos olhos de sua mulher. Ele segura firme nas mãos pequenas dela e diz baixinho que tudo terminará bem.
     O carro segue andando e entrando mata a dentro numa escuridão total. A velocidade vai diminuindo e Walter olha para os lados.
       - Onde estamos?
     - Fique quieto, seu otário. - diz um vagabundo segurando o braço de Michele. - você vem com a gente.
     - Solte-a. - o outro bandido acerta um forte soco no rosto de Walter que sangra o nariz.
      - O chefe que falar com você no particular. - retira a arma do coldre de Walter. - sem armas, é claro.

     O casal é separado. Michele é levada para um canto e Walter para outro. O local é amplo, uma espécie de fábrica desativada. Walter é conduzido aos empurrões até chegar na seção das máquinas. Lá alguém o espera sentado na mesa fumando cigarro. Walter de primeira não o reconhece. Só depois quando o estranho falou que o coração do investigador saltou pela boca.
     - Fez boa viagem, investigador Walter Torres?
     - Santiago? - gagueja.

Época atual

     Se ele sente saudade de Michele? Sim! Walter acelera a moto e corta aos carros. O trânsito não favorece nem mesmo os motociclistas. Sem medir as consequências Walter vai parar na calçada driblando tudo e a todos. Sua motocicleta ronca assustando os transeuntes. Michele mais uma vez vem em sua memória com aquele sorriso que o fez ficar louco por ela. Aquela noite quando transaram depois que voltaram da feira de domingo. Tudo isso está gravado e marcado em Walter que agora sangra por dentro. Ele acelera ainda mais.
      Dentro da van o sujeito que a conduz percebe algo de errado e alerta ao chefe.
      - Tem alguém nos seguindo chefe.
Santiago para de cheirar as notas de cem reais e olha para trás.
     - Vá em frente, estamos em maior número.
     - Certo!

2014

    Um, dois, três, quatro, cinco socos e o nariz e supercílio de Walter se arrebentam. Ele cai da cadeira tossindo e cuspindo sangue. Santiago o chuta no rosto fazendo com que o investigador role para o lado. Mais um forte chute e dessa vez as costelas do agente quase que se partem ao meio.
     - Então, agente Torres, qual o gostinho do sangue da vingança? - mais chutes.
     - Miserável, me mate de vez. - cospe uma bola de sangue.
     - Não farei igual a você que não deu chance ao meu pai, vou lhe matar sim, mas, por enquanto quero brincar um pouco.
    Santiago coloca Walter de pé e volta a espancá-lo. O investigador cai no chão empoeirado e sofre mais uma vez com violentos chutes no rosto. Um dente é quebrado a sangue frio. Walter geme ao ver seu incisivo superior voando.
     - Nossa, viram isso? - Santiago solta uma gargalhada alta que ecoa. - me passam o bastão.
    Mesmo com a visão turva e dores por todo o corpo Walter consegue ver Santiago segurando um bastão no alto. A primeira pancada o acertou no braço. Ador é aguda e crescente. Walter tranca os dentes quando recebe outra pancada. Para evitar o massacre o agente rola deixando seu agressor furioso.
      - Vai morrer, verme. - vocifera.

Época atual

     Walter saca sua arma enquanto lembra do dia em que pediu Michele em casamento. Foi num sábado no mesmo café onde se conheceram. Ela pediu café e pão de queijo e ele apenas um capuccino. Eles ficaram ali namorando por meia hora até que o agente sacou de seu bolso da camisa um anel.
      - Ai meu Deus. - Michele coloca a mão na boca não acreditando.
      - Quer casar comigo?
      - Quer mesmo que eu me torne a senhora Torres? - sorrir.
      - Adoraria.
     O beijo foi longo, repleto de sentimentos. Mais uma vez eles terminaram na cama. Finalmente Walter podia sonhar com uma família, filhos, netos e tudo mais. A 45 é sacada. Ele atira no pneu causando uma explosão. A van começa a perder a direção e ele atira mais uma vez. Santiago ordena que seus homens atirem.
      - Quem é esse cara? - grita.
    Mais disparos e a van tem outro pneu estourado. O veículo capota no meio da rua quatro vezes. As pessoas e os outros carros param para ver o acidente espetacular. Um corpo de um bandido é lançado e bate no asfalto já sem vida. Walter desce da moto com sua arma em punho e atira na cabeça do cadáver. Com cuidado ele se aproxima da van tombada. Abre a porta do motorista que está desmaiado e atira contra sua cabeça também. Olhando para os fundos da van, Walter ver Santiago se mexendo com as duas pernas quebradas. Os outros capangas estão mortos, morreram de forma violenta. Santiago olha para Walter.
      - Por favor, um médico, arranque minha perna fora, por favor.
      - Está doendo muito, Wagner Santiago?
      Ao ouvir seu nome completo o traficante entra em desespero tentando se levantar.
      - Desgraçado! - se segura no banco.
     Walter atira na perna direita. Santiago solta um grito gutural.
     - Por que não me mata de vez? - chora.
     - Eu poderia enfiar uma bala na sua cabeça agora, mas, por enquanto quero brincar.
     - Eu, eu, matei você, eu matei você. - grita e chora de dor.
     - Será que matou mesmo. - atira acertando o ombro. - esse foi pelas pauladas. - atira acertando o outro braço, Santiago se urina. - e esses serão por Michele.
Santiago teve a cabeça esfacelada. Cerca de trinta balas destruíram sua cabeça. Enquanto atirava, Walter gritava o nome da amada. As lágrimas descem na mesma proporção dos disparos. A arma para de cuspir fogo e ele continua apertando o gatilho. Antes da polícia chegar ele sobe na moto e se manda.

2014

    Depois de apanhar até desmaiar os capangas de Santiago jogam o corpo do investigador num lixão em rolado em sacos de lixo. Horas depois seu olho esquerdo se abre e tudo o que ele vê é sujeira e roedores passando. Seu corpo todo treme e dói. Um braço estala muito. Ele se livra dos sacos e olha para o céu. A lua é cheia e clareia todo o lixão.
       - Michele. - ele consegue se colocar de pé mesmo tremendo. - Michele.
Praticamente se arrastando ele vai caminhando até tropeçar em algo. Seu corpo cai no meio do lixo podre num amontoado de sacos. O agente sente algo estranho no meio daquilo tudo. Nervoso ele abre os sacos conseguindo ver um braço feminino.
      - Oh Deus, não, não.
     Se esquecendo da dor Walter rasga os sacos descobrindo o corpo de Michele. Ele chora. Ela está ali. Está escuro, mas ele consegue ver. Tem algo dentro da boca dela. Com a mão trêmula Walter puxa a calcinha de renda preta da boca da noiva morta. Provavelmente a mataram sufocada. Sentindo as dores aumentarem, ele enfia a mão nas partes íntimas e ele a sente úmida. Ao ver sua mão suja de sangue o investigador joga o seu corpo para trás e em prantos amargos ele grita o nome da amada.


Fim

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