sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Como a Chuva - Capítulo 1


O Fim”


      Ana Célia, mulher dedicada, profissional de sucesso em seu ramo. Mãe de dois filhos já na fase da adolescência. Moradora de um dos bairros mais nobres da cidade. Ana Célia está passando por um período complicado na vida de qualquer ser humano. O divórcio vem machucando e de deixando marcas profundas de ambas as partes. Seu marido, o advogado Marcos Mendes também vem sofrendo com toda essa situação. Felipe e Laura, os filhos, estão perdidos e se questionam o tempo todo.
       - Bom dia! - diz Marcos friamente para a esposa que lê o jornal na bancada da copa.
         - Bom dia! - devolve.
         - Vai precisar de alguma coisa? - pega a garrafa térmica e se serve do café.
         - Como o que? - Ana Célia não tira os olhos do jornal.
         - Sei lá, dinheiro ou o cartão.
     - Tenho que pagar o colégio das crianças, melhor dinheiro. - fecha o jornal e começa a subir as escadas.
     - Tudo bem. Será que podemos conversar mais tarde? - coloca duas gotas do adoçante.
        - Qual o assunto? - para no meio da escada segurando o corrimão.
        - Você sabe, Ana, temos que resolver a nossa situação…
        - Marcos, agora não, estou atrasada, mais tarde nos falamos, sim?
        - Tudo bem.

    Ana Célia chega na empresa maquiada e muito bem vestida, mas o olhar é visivelmente decaído. Ela ocupa sua mesa, liga o computador e imediatamente começa a trabalhar. No mês passado ela foi premiada como a melhor contadora da empresa. Sua dedicação já lhe rendeu elogios e também diversos desafetos. Para Ana Célia, o trabalho ultimamente tem servido como distração. Em meia hora ele despachou documentos que estavam se acumulando em sua mesa desde a semana passada. Assim que o trabalho dá uma trégua seus pensamentos não são outros. Marcos não sai de sua cabeça. Apesar de tudo ela o ama, porém, o que ele fez não há remédio que possa curar.

        - Não tem jeito mesmo? - pergunta Maurício.
     - Acho que não, já era, Ana já não é mais a mesma. - diz Marcos digitando no celular.
        - Você ainda mora com ela?
        - Sim. - deixa o aparelho sobre a mesa. - é um clima horrível, a gente quase não se fala.
        - E Felipe e Laura, como estão lidando com isso?
        - Bom. Felipe é durão, mas Laurinha é dengosa, está sofrendo mais que todos nós.
Maurício se levanta e ajeita a gravata.
        - Sinto muito por tudo o que está acontecendo com você, brotther, qualquer coisa é só me ligar.
         - Tudo bem. - aperta a mão do amigo. - vamos trabalhar.

       Felipe é um garoto esperto, inteligente e atraente. É amigo inseparável de Ninja, um garoto oriental que se mudou a pouco tempo para o condomínio. Juntos eles curtem videogame, livros e conteúdos de internet. No momento eles conversam sobre a situação em que os pais de Felipe vivem. Ninja tenta consolar seu amigo.
      - Você precisa ser forte, cara, eu também passei por isso e não morri. - aperta o ombro do amigo.
    - Pois é, eu só estou preocupado com minha irmã, ela com certeza não está segurando a barra.
       - Quer que eu vá conversar com ela? - Ninja bate no peito.
      - Claro que não, eu te conheço, você quer uma oportunidade de ficar sozinho com Laura, isso sim. - empurra o amigo que sorrir.

      Laura caminha sem rumo pela praça distraída com seu fone enterrado nos ouvidos. A música serve como alento e ela curte cada nota tocada. Diante da barraquinha de churros ela para e observa um casal passando de mãos dadas. As recordações são cruéis e arrancam lágrimas da bonita menina. Laura se parece muito com Ana Célia até mesmo fisicamente. Ela pede um churros, mas mal sente o gosto da iguaria. Ela sente falta de Douglas, ela sente falta da Malu. Ela sente falta dos pais.

     A noite as coisas costuma piorar. Apenas Ana e as crianças jantam. O silêncio é ruim, a comida por mais deliciosa que esteja desce com gosto amargo. Ana olha para os filhos e quebra o silêncio.
      - Comprei sorvete, vamos tomar assistindo ao documentário?
      - Do que fala o documentário? - indaga Laura enrolando o macarrão no garfo.
      - Fala sobre a vida no Egito antigo, vocês vão gostar.
      - Eu topo. - diz Felipe.
      - E o pai, ele também vai assistir? - Laura olha para mãe.
      Ana Célia entrelaça os dedos.
      - Se ele quiser...
      - Vocês vão mesmo se separar? - Felipe solta o talher.
      - Vamos deixar esse assunto pra depois, vamos. - se levanta. - quem quer sorvete?
     Os irmãos se olham como se buscassem respostas no olhar do outro. Hoje nada disso importa, uma casa grande cheia de conforto, celulares de última geração, roupas caras e liberdade pra fazer o que quiser. Tudo o que os adolescentes querem são respostas. Um a um os filhos de Ana vão deixando a mesa de jantar. A contadora premiada deixa o pote de sorvete de lado e passa a limpar as lágrimas que mais uma vez lubrificam seus olhos. Ela volta a guardar o sorvete no congelador, logo ela que ama passas ao rum.

        Ana Célia está deitada em posição fetal. Ela não consegue dormir. Será mais uma noite onde os pensamentos a torturarão. Dois toques na porta e o seu coração vem a boca.
        - Posso entrar? - pergunta Marcos.
        Hesitante a contadora permite sua entrada.
        - Podemos ter aquela conversa? - ele para na frente da porta.
        - Que horas são? - finge bocejar.
        - Quase onze.
        - Por mim…
       Marcos se acomoda na pontada cama. Ele ainda está vestido com seu terno preto, o mesmo que Ana Célia lhe presenteou no seu aniversário de 46 anos. Antes de falar o advogado pigarreia e olha para ela. Ana Célia é uma mulher bonita. No auge de seus 48 anos, ela ostenta uma beleza natural de dar inveja. Ana sempre gostou de usar cabelos compridos, mas de uns tempos pra cá ela adotou o curto e tingiu de loiro.
      - Sei que você está machucada, ferida, mas, eu acho que as coisas não se resolvem dessa forma.
      - Não. - se ergue. - e como então?
     - Bom, vamos nos dar mais uma chance, afinal são quase trinta anos de história. - retira o paletó.
      - Trinta anos de incertezas, você quis dizer, não é?
- Ana, por favor, pense nas crianças, será que elas vão entender tudo isso?
    Ana se senta na cama como um chinês.
    - Se coloque no meu lugar, apenas uma vez, eu digo pra você que viajarei a trabalho, você pensa que sua esposa está trabalhando quando na realidade ela está de piranhagem.
       - Ana, eu realmente fui a trabalho, eu toda a minha equipe, inclusive a Barbara.
       A expressão de Ana muda radicalmente ao ouvir o nome Barbara.
       - Sim, a “peituda”, só de ouvir esse nome meu sangue ferve de ódio.
   - Eu já te falei que não aconteceu nada entre ela e eu, fomos resolver algo importante, só isso.
       - Por que não levou o Maurício, vocês não são amigos?
       Marcos passa as mãos nos cabelos grisalhos se mostrando impaciente.
       - Ana, pelo amor de Deus, você quer mesmo fazer isso?
       - Pra mim esse nosso casamento já deu, Marcos, chega.

     Doutor Marcos Mendes entra no quarto para hóspedes arremessando seu paletó e puxando a gravata. Ele ainda não está acreditando que a mulher de sua vida está dando um ponto final na história. Uma história linda onde tudo foi conquistado com muito suor e lágrimas. Passar as noites sem Ana a lado na cama será uma realidade cruel. Ele se joga na cama de solteiro e fecha os olhos por um momento. Seus pensamentos o leva ao passado, num dia pra lá de especial pra ser mais exato. Num dia quando o padre os declarou casados. Um dia onde a igreja ficou repleta de flores e de pessoas. Ana Célia e Marcos, casados, quem diria. Um dia em que o novel casal saiu do templo sob uma chuva de arroz rumo a felicidade. Isso tudo ficou lá trás, num lugar escondido de todos. Hoje tudo é diferente. Hoje o sol não nasceu com o mesmo brilho para ambos.

Buscando respostas”




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