terça-feira, 1 de agosto de 2017

Um Amor para Kelly



1


     Oi, permita-me me apresentar, sou Kelly Dantas, sou uma jovem de 20 anos, cristã evangélica e estou no segundo período em pedagogia. Tanto na igreja como na faculdade sou motivo de piadinhas por ser virgem e por nunca ter tido um namorado. Eu finjo que não ligo, mas por dentro meu coração desmorona de tanta tristeza e dor. Vivo com minha mãe num apartamento pequeno na zona oeste. Meu pai morreu há dois anos e graças a Deus ele nos deixou bem. Minha mãe passa boa parte do tempo cozinhando quitutes para vender e eu me divido entre estudar e igreja.
    Minha única diversão são os livros de ficção. Adoro romances de mistério. Meu quarto é uma verdadeira biblioteca onde há livros até quase no teto. Se sou uma jovem bonita? Não sei, me considero uma menina comum usando óculos e roupas decentes. Gosto de cantar, não em público. As vezes sou chamada para pregar em programações de juventude ou reuniões. Tudo isso é bom, eu gosto, mas, no fundo, me falta uma pessoa para dividir os bons momentos, poder passar o fim de semana coladinho, ir ao cinema, teatro, culto, sei lá, seria bom demais. Bom. Enquanto esse dia não chega, sigo a vida estudando, ajudando minha mãe e servindo ao Senhor o melhor que posso.

2

    Antes do culto começar vou ao bebedouro e me esbarro com Renata, a menina que canta no louvor. Renata é popular na igreja e já namora a algum tempo com Fernando, tecladista.
    - Oi, Kelly?
    - Oi, Renata.
   Renata é linda, uma loira alta que possui uma voz potente, mas que não tem prudência ao se vestir. Ela já namorou todos os garotos da igreja e de outras também. Eu não acho isso certo, mas quem sou eu para achar alguma coisa.
     - Como vai na faculdade?
     - Sufoco, tenho estudado muito. E você? - termino de encher meu copo.
     - Você sabe, gerenciar um estabelecimento não é nada fácil. Lidar com funcionários e o público é algo cansativo.
     - Imagino.

    Durante o louvor fico boquiaberta ao ver Renata cantando. Realmente ela é boa no que faz. Ela ministra muito bem. Olho para Fernando tocando e me imagino no lugar de Renata. Não basta ser linda e boa cantora, ela precisa ter um namorado bonito e bom instrumentista. Que droga. Por que comigo as coisas não acontecem? Vida que segue.
     Quando o culto acabou eu fico sentada no banco do lado de fora aguardando minha mãe quando fui surpreendida por Eliezer, sujeitinho safado e sem noção.
     - Fala tu, Kelinha.
     - Oi. - Sou seca. Eu não gosto do Eliezer. Deus me perdoe.
     - Sozinha, outra vez?
     - Parece. - abro a bíblia e finjo lê-la.
     - Vai pra casa ou vai passar em outro lugar? - ele fala tão perto que é possível sentir seu hálito azedado.
     - Vou direto para casa.
     - Poxa, não quer comer alguma coisa comigo lá na lanchonete nova?
     - Obrigado, preciso levar minha mãe embora. - me levanto. - fique na paz, Eliezer.
     - Valeu.

3

   Segunda-feira chego na faculdade e vou direto para a sala de leitura. Preciso terminar de ler meu livro para fazer meu trabalho. Levo algum tempo procurando. Quando finalmente o encontro faltam apenas quinze minutos para a primeira aula. Melhor que nada. Me sento e ouço a porta da sala abrir e quem entra. Vagner, um negro maravilhoso, inteligente e comportado. O cheiro de seu perfume invade a sala mexendo comigo. Ele pega seu livro e se senta na ponta da mesa. Vez por outra ele me olha e eu me faço de desentendida. Fico sem jeito e perco totalmente a concentração. Ele tosse e volta a me olhar.
     O sinal toca e Vagner não se levanta. Eu sim. Dei uma rápida olhada e lá estava ele me olhando. Deixo a sala com as pernas tremendo. Imagina, eu, uma menina simples ao lado de Vagner. Seria demais. Chego em minha sala e ocupo o mesmo lugar de sempre. Perto da mesa do professor e ao lado de Maria, a nerd.
   Fim de aula. Sou a última a descer. Concentrada no caderno não percebo a aproximação de Vagner. Quase que o atropelo.
      - Me desculpe. - digo sem jeito.
      - Nada!
    Meu coração vem a boca. Quase infarto quando ouço sua voz grave dizendo meu nome.
     - É Kelly, não é?
     - Sim, sim.
    - Poxa, hoje de manhã eu queria falar com você, mas tive vergonha de interromper sua leitura. Quando podemos conversar?
     - Sobre? - arqueio a sobrancelha.
     - Sua religião.
     Engulo seco e olho nos olhos dele.
     - Minha religião?
     - Sim, pelo que sei você é evangélica, não é?
     - Sim, claro.
     - Está indo embora agora? - o sorriso de Vagner é quase sobrenatural.
     - Sim.
   - Se puder me esperar, eu estou de carro hoje, podemos comer alguma coisa e conversar, o que acha?
      - Tudo bem, te espero lá embaixo.
      - Ótimo, vou só pegar minhas coisas e já desço.


4

     Vagner me leva para um pequeno restaurante. O lugar cheira bem e é bastante aconchegante. Ele pediu a especialidade da casa.
        - Sempre que venho aqui peço esse prato. Não quer experimentar?
        - Bom, já que insiste.
       O garçom anota tudo e nos deixa a sós.
     - Bom, Kelly, a muito tempo venho te observando e vejo em você uma moça educada, discreta e…
       - Hum?
       - Bom, um pouco destacada.
     Mais que droga. Por um instante achei que ele fosse dizer, educada, discreta e linda, quer namorar comigo? Mas não, ele queria apenas saber um pouco mais sobre o mundo evangélico. Expliquei tudo a ele e no final recebi uma bomba nas mãos.
      - Sou Umbandista.
      - O que?
     - Isso mesmo, quase ninguém lá na faculdade sabe e espero que você guarde isso pra você.
       - Pode deixar, seu segredo está mantido.
     Vagner me deixa na portaria do meu prédio desnorteada com a notícia. Nunca daria certo um relacionamento entre uma Cristã e um umbandista. Vida que segue. Subo preguiçosa até meu apartamento. Passo o restante do dia pensando em Vagner. Minha mãe continua na cozinha e eu no quarto escrevendo e louca para ligar para Vagner e sei lá.
      Será que eu nunca vou experimentar o que é andar de mãos dadas com alguém? Será que terei que passar minha vida nessa mesmice? Nunca terei a chance de provar o que é ter ciúmes? Tiro os óculos e vou ate o espelho. Me olho. Não sou de se jogar fora, então onde está o problema? Volto para o computador e abro minha rede social. Muitos amigo e amigas e ninguém disponível no momento. Eliezer entra no bate papo. Droga, não podia ser Vagner. “oi, Kelinha?”. Não respondo de imediato. “Diga!”. “Tá fazendo o que?”. Respiro fundo para não respondê-lo mal. “Estudando e mexendo no Facebook, por que?”. “Você vai no encontro da juventude no sábado?” “Devo ir sim” “Legal” “Mais alguma coisa?” “nos vemos lá então”

5

     Por fim chegou o tal encontro da juventude. A igreja está repleta de jovens de outras igrejas. São garotos e garotas se acotovelando e falando bastante. Antes da programação começar, vou para a parte externa, na quadra polivalente e dou de frente com casais abraçados e dando alguns amassos em pontos cegos. Para que notem minha presença tenho que tossir e pigarrear. Nunca vi tanto fogo em tão pouco espaço. Ando até a cantina e comprei um lanche. Converso com alguns irmãos e volto para dentro do templo. De longe vejo Eliezer mexendo nos microfones. Ele não me viu, ainda bem. Ele é muito chato, inconveniente e sem noção. Fujo para a galeria e permaneço lá durante toda a programação. A mensagem foi até boa, edificante, mas a minha cabeça estava em Vagner. Como evitar isso?
     O encontro terminou e quando eu já estou indo embora, Eliezer me alcança com aquele sorrizinho cínico que me irrita.
     - Kelinha, eu não te vi no culto.
     - Pois é, fiquei escondida. - continuo a andar.
     - Escondida de mim? - continua sorrindo.
     - Se toca Eliezer.
     - Posso te levar em casa? - ele coloca a minha frente.
     - Me dá licença.
     - Posso te levar em casa?
     - Eliezer, quando você vai crescer? - quase lhe dei um empurrão.
     - Tudo bem, não precisa ficar nervosa, thau.
    Realmente Eliezer é um pé no saco. Nunca vi igual. Agora sei por que ele nunca apareceu com garotas na igreja. Não suportamos meninos chatos. Vou andando e meus pensamentos variando entre a faculdade e Vagner. O que ele deve está fazendo agora? Saco meu celular e me vejo tentada a ligar para ele. Seria bom fazer isso? E se ele atender o que vou dizer, “senti saudade e resolvi ligar”. Isso seria patético. Chego em meu prédio e resolvo subir de elevador. Chego em meu apartamento e consulto o relógio. Dez em ponto. Ainda cedo para uma noite de sábado fresca, convidativa para um belo relacionamento.
      - Oi, filha, você já chegou, fiz pipoca para assistirmos aquele filme.
    Minha mãe é dez, mas nesse exato momento não era bem a senhora que eu queria como companhia para assistir a um filme. Que tal alguém alto, negro, bonito e que cheira bem? Vagner.
      - Tudo bem, só vou tomar um banho. - falo desanimada.

6

     Na escola dominical enquanto dou aula para o grupo de jovens e noto os olhares de Eliezer para mim. Por incrível que pareça ele não se manifestou durante a aula, se comportou como um homem e não fez nenhuma piada sem graça. Quando dou por encerrada a aula ele sai e se junta ao grupo no corredor. Eu passo esperando que ele vá me chamar e nada. Melhor assim.
   Cultuei. Conversei, resolvi algumas questões sem ser perturbada. Renata e eu colocamos a fofoca em dia e voltei para casa e vi quando Eliezer subiu em sua moto. Ele passa por mim sem tomar conhecimento. Será que fui grossa demais? Ou só mais algumas de suas idiotices?
Esse será mais um domingo parecido com os outros vinte anos. Almoçarei com minha mãe e depois vou para o quarto dá uma passada na matéria de amanhã na faculdade. Um marasmo total. Como deve ser a vida de uma garota que namora? Deve ter seus pôs e contra. Mas eu tenho certeza que os beijos, as juras de amor e o tempo juntos compensam qualquer outro contratempo. Enquanto esse dia não chega pra mim, sigo mergulhando em meu mundo de suspiros pelos cantos. Em fim, é o que me resta.

    Durante o almoço minha mãe iniciou uma conversa um tanto quanto desconfortável pra mim.
    - Então Kelinha, quando virá o seu varão valoroso?
   Vendo a demora da resposta, minha mãe se antecipa pegando um pouco mais de feijão.
     - Você já está com vinte anos minha filha.
     - Mãe, pra ser sincera, não estou nem um pouco preocupada com isso. No momento o que ocupa minha mente são os trabalhos da universidade, e só.
     - Tem certeza? - olha pra mim com ar de riso.
    - Sim, tenho. - limpo a boca com o guardanapo.
    - Tenho ouvido seus suspiros pelos cantos, acho que tem alguém mexendo com o seu coração.
   - Mãe, fique tranquila, quando eu me apaixonar por alguém a senhora ficará sabendo. - me levanto levando minha louça.

     Na cozinha, lavando minha louça fico pensando como ela sabe das coisas. Claro que ela sabe. É uma mulher vivada, experiente e já se apaixonou várias vezes durante a vida. Bem que eu queria ter a coragem de lhe dizer a verdade. Dizer que estou gostando de alguém. Porém esse alguém não professa a mesma fé que a nossa. Isso seria uma catástrofe para ela. Vagner não sai da cabeça nenhum segundo.

7

    É como um ritual. Chego na faculdade e vou direto para a sala de leitura. Vagner está sentado concentrado lendo seu livro. Ele olha para mim e meu coração vem a boca. Aceno pra ele e ele me devolve aquele sorriso iluminado. Imagino diversas coisas em questão de segundos. Será que ele vai me convidar para comer outra vez? Será que ele vai querer conversar hoje? Meu Deus, que sensação estranha.
     Quinze minutos se passaram e nada. Vagner permanece lendo e eu na outra ponta da mesa aguardando pelo menos um contato visual. Nada. O som do sinal alertando para o início das aulas soa e com ele a frustração. Vagner não me olhou, não falou comigo, não me notou. Algo está errado. Antes de subir para a sala dou uma passada no banheiro. Aguardo a saída da moça da limpeza e entro. Fico me olhando no espelho procurando o que há de errado em mim. Tiro os óculos. Observando melhor percebo que tenho um olho mais aberto que o outro. Testo o hálito e ele está suportável. Não sou uma mulher feia, então o que está havendo? Tenho tudo o que os homens gostam no lugar. Sinceramente não estou entendendo.
      Vou para a sala e demoro a me concentrar na aula. É uma aula muito importante, mas infelizmente minha mente não consegue focar. Para não ficar perdida pego meu celular e gravo a palestra eme desligo. Penso em Vagner durante os 50 minutos de aula. Que droga. Mulher gamada é mesmo um saco. E se Vagner me chamar para sair, qual será o futuro dessa relação sendo ele umbandista e eu evangélica? Não vejo futuro algum, apenas tribulação e desespero por parte de minha mãe. Acho melhor desistir da ideia e enterrar Vagner para sempre.

      No intervalo converso com algumas meninas da minha sala quando Vagner passa de braço dado com uma morena exageradamente linda. Até que os dois fazem um belo par. Logico que meu coração se parte em milhares de pedaços. Agora entendi o por que dele não me dar mais confiança. Ele tem uma namorada. Como fui burra de acreditar que um homem bonito como ele estaria disponível. Kelly, você merece o papel de idiota. Vida que segue.

8

    Meu mundo caiu. Cheguei ao vinte anos sem saber o que é ter um namorado, sem saber o que é beijar na boca, sem sentir o aperto de um braço masculino. Essas são as minhas condições no momento, velha, virgem e cuidando da mamãe. Não foi isso que escolhi para mim.
    Odeio me fazer de coitadinha. Não sou coitadinha. Sou uma mulher linda, inteligente. Dane-se Vagner. Abro meu estojo de maquiagem e me produzo com jamais me produzi. Solto o cabelo e resolvo colocar a calça jeans que a meses venho relutando para não vesti-la. Aqui estou eu, incrível, poderosa, vestida para matar. Hora do show.

    A primeira a notar foi Renata. Ao me ver ela ficou boquiaberta e assobiou. Ruborizei na mesma hora.
     - Nossa, é aquela Kelly com jeito de beata de igreja que eu conheço.
     - Ai meu Deus, eu sabia.
    - Menina o que deu em você, que corpão. - dá um leve tapa em minha bunda. - olha essa comissão de frente. - aponta para os meus peitos.
     - Ah, resolvi mudar, gostou?
     - Incrível, você está ótima.
    Acho que chamei muito atenção. Eu realmente estava um espetáculo a céu aberto. Notei vários olhares que outrora não existiam. Eliezer passou por mim várias vezes e em todas elas ele me devorava com os olhos. Não houve da parte dele piadinha, ou cantadas ridículas. Estaria ele mudando? Dentro do templo me sentei no lugar habitual.    Louvei, orei e adorei a Deus. Quando o culto terminou lá estava eu saindo das dependências da igreja, sozinha, acho que de nada adiantou toda essa produção. Estou mais uma vez voltando para casa sozinha. Para no ponto de ônibus e aguardo. Meus pensamentos variam. De repente noto a aproximação de alguém. Eliezer.
     - Oi, Kelly?
     Resolvo ser simpática com ele.
     - Oi, Eliezer.
     - Quer carona? Está tarde, é perigoso ficar aqui sozinha.
     Ele tem razão.
     - Tenho medo de andar de moto.
     - Prometo ir bem devagar.
     Não penso muito e aceito.
     - Tudo bem.

   Bom, aqui estou eu agarrada ao cara mais chato da igreja. Como ele mesmo prometeu, ele vai devagar e me deixa na portaria do meu prédio.
     - Viu, está em casa sã e salva.
     - Obrigado. - desço da moto. - tenha uma boa noite.
     - Kelly.
     - Sim? - me volto para ele.
     - Você está maravilhosa, com todo o respeito, é claro. - engole seco.
     - Obrigado.
     - Kelly, você aceitaria sair comigo?
     Olho para Eliezer e vejo um rapaz simples, de olhar profundo e sincero. Ele não é a oitava maravilha do mundo. É um rapaz trabalhador. Outro dia, fiquei sabendo que ele gerencia a padaria de seu pai. Eliezer seria um bom namorado? Vendo que eu demoro para responder ele meio que desiste da proposta.
     - Esquece, deixa pra lá. - vira a chave da moto.
     - Onde você quer me levar?
     - Num restaurante que abriu a pouco tempo, mas se você não quer deixa pra lá.
     - Eu quero sim, vamos, qual dia?
     - Que tal no sábado as vinte horas, eu te pego aqui.
     - Legal, vamos, tá marcado.

9

    Passo a semana esperando o sábado para me encontrar com o Eliezer. Por incrível que pareça estou ansiosa. Quem diria, Eliezer, o carinha mias chato de minha congregação me fez esquecer Vagner e outros mais. Vou para a faculdade, me esbarro com ele e já não sinto aquela sensação me sufocando. Consigo me concentrar nos estudos e estou mais falante. Me estranho em certos momentos.
     Sábado. Finalmente ele chegou. É um dia de sol e poucas nuvens. O vento está fresco onde aproveito para cuidar das flores do jardim. Minha mãe me observa cantando ajoelhada no meio do colorido. Canto canções de amor quando a sombra de minha mãe esconde o sol.
      - Não vai me dizer o que aconteceu? - diz ela enxugando as mãos no avental.
      - Não aconteceu nada. - continuo limpando o jardim.
   - Claro que aconteceu, você nunca canta ou limpa esse jardim, me fale o que aconteceu.
      Me levanto prendendo a respiração.
      - Dona Tereza, não aconteceu nada, eu só estou feliz, só isso.
      - Sei, tem algum motivo toda essa felicidade? - sorrir.
      - Sim, Jesus é a nossa alegria, dona Tereza.

    Fim de tarde quase noite. Começo a maratona. Tomo um banho demorado. Me maquio. Escolho a roupa. Me perfumo. Minha mãe só me observa por trás de seus óculos de leitura. Passo pela sala e ela não se aguenta de curiosidade.
      - Vai sair?
      - Sim!
     Ela espera que eu vá dizer com quem, mas permaneço calada. Por fim termino de me arrumar. Estou simplesmente bela. Pronta para ganhar a noite de brisa fresca. Escuto o som do motor da moto de Eliezer e me animo.
     - Mãe, já vou, não precisa me esperar.
     - Vá com Deus.
    Eliezer esta muito bem. Blusa de manga comprida azul e calça preta e cabelos bem cortados e penteados. Quando o vejo quase não o reconheço. Seu cheiro também é bom.
     - Boa noite, Kelly. - ele diz me comendo com os olhos.
     - Boa noite.
    Percebi que ele queria me elogiar, mas se conteve. Preferiu não arriscar em levar um fora. Mal sabe ele que essa noite eu estou de bom humor. Subo na moto e logo Eliezer ganha a estrada. O vento deixa meu cabelo esvoaçante e me agarro na cintura de meu pretendente. Coisa boa é poder sentir o vento da liberdade. A alegria pulsa em minhas veias. Quando dou por mim já estamos diante do restaurante. Um lugar bonito com portas e janelas enormes. Na entrada o som do violão invade meus ouvidos indicando que a noite será boa.
      Somos conduzidos até nossa mesa. O lugar está cheio. As pessoas conversam baixo, educadamente. Eliezer puxa a cadeira para mim. Jamais esperei isso dele.
       - Por favor! - diz ele me olhando.
    O garçom aguarda e quando nos acomodamos, ele com sua voz de ceda nos pergunta o que vamos querer para beber.
       - Vinho, suco, refrigerante ou alguns drinks?
       Eliezer e eu nos olhamos e parecia que ele já sabia a resposta.
       - Suco, abacaxi e outro de melancia, por favor.
     Eliezer parece um verdadeiro cavalheiro fazendo os pedidos. Pela primeira vez vi um homem nele. Depois que o garçom nos deixa a sós, o meu irmão em Cristo começa a puxar assuntos interessantes os quais eu faço questão de confabular. Os pedidos demoraram um pouco para chegar e enquanto isso a conversa continua. O papo variou um pouco, igreja, política, casa e…
     - Então, Kelly, qual o seu conceito de família? - ele quase segura minha mão.
    - Bom. Um homem, uma mulher, filhos, juntos na hora do almoço e jantar, férias e longos finais de semana.
     - Legal, também penso assim.
   De repente o silêncio. Ficamos nos olhando por alguns segundos. Os corações batendo em sintonia. O nosso pedido chega e não nos damos conta. Logo a conversa reinicia. Comemos, bebemos e nos divertimos. Faltando pouco para as onze saímos do restaurante. Eliezer me conduziu em paz e segurança até meu prédio. Amei a noite. Amei tudo o que aconteceu.
     - Bom, chegamos. - diz ele.
    - Boa noite. - pego as chaves.
    Vou caminhando em direção ao portão. Olho para trás e Eliezer ainda está lá, me olhando.
     - Você quer dizer alguma coisa? - eu pergunto.
    Ele desce da moto. Vem em minha direção.
     - Você sabe que eu te curto, não é?
    Eu não respondo.
   - Eu sei que fui um idiota, um bobo, mas, quero que saiba, adoraria tê-la como namorada. - ele segura o meu rosto e eu estranhamente permito. - quando quiser, estarei esperando. - ele me beija no rosto.

10

     Eliezer vai embora. Fico ali parada ainda sob o efeito de seu encanto. Se devo dar uma chance a ele? Talvez sim. Meu coração está aberto. Tudo está acontecendo muito rápido e eu sei disso. Eliezer, quem diria. O cara que eu queria distância. São coisas que a vida nos dá de presente.
      Agora, já em meu quarto, me deito ouvindo as palavras, “Adoraria tê-la como minha namorada”. Meu coração é acalentado cada vez que lembro delas. Devo dar essa chance a Eliezer? Devo ligar para ele agora? Olho para o celular. Hesito em esticar o braço e pegá-lo. Volto a pensar em suas palavras. Bom, acho que já estou bem crescidinha para isso. Sei bem o que quero de minha vida.
        - Oi, Eliezer. FIM


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