segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A Maldição Da Lua Cheia



       A chuva cessou, mas o frio continua batendo forte. O andarilho com seu agasalho do exército e calças surradas caminha pela estrada a passos largos. A mais ou menos quatro horas que ele anda sem parar e até agora veículo algum passou. Uma carona, é tudo que ele deseja no momento. Vez por outra o andarilho olha para trás na esperança de avistar um carro. Nada. A noite logo chegará e seu estômago já começa a roncar. O frio aperta e suas mãos congelam. Ele as enfia no bolso do casaco. A mochila pesa em suas costas. Suas pernas começam a vacilar e seus passos que outrora eram rápidos e firmes, agora estão oscilantes.
           Mais a frente uma cabana. Na fachada uma placa escrita de forma rudimentar informa, cantina. Pela primeira vez em horas ele sorrir. O andarilho retira a mochila das costas e do bolso lateral ele pega sua carteira. Confere se há alguma grana.
           - Droga de vida, dez reais. – resmunga.
           Mesmo assim ele entra. Lá dentro o fedor de tabaco e suor se misturam. Pelo menos está quente. Os frequentadores do lugar são, andarilhos como ele, prostitutas, bandidos e bêbados. O dono da cantina, um italiano gorducho e bigodudo se aproxima limpando as mãos num pano mais sujo que o agasalho do andarilho.
           - Vens de onde seu moço?
           - Do sul, o que temos por dez reais?
           - Dez reais? Bom, sopa de quiabo. – continua a limpar as mãos.
           - Sopa de quiabo, com o que?
           - Galinha caipira.
           - Vou querer um prato, onde posso me sentar, acho que todas as mesas estão ocupadas.
           - Venha comigo, vou tirar aquela piranha dali.
           A piranha a qual o italiano se refere é Zuleica, famosa por sua garganta profunda.
           - Se incomoda de ceder o lugar para o...
           - Miro, me chamo, Miro.
           Zuleica olha para Miro com cara de nojo.
           - Vai querer meus serviços depois que jantar, gostosão?
           - Acho que vou deixar para uma próxima oportunidade.
           Lorenzo trás o prato fumegante. Dois sérios problemas com a sopa de quiabo; falta sal e quiabo. Miro releva, afinal a fome é maior. Em cinco minutos ele termina a sopa. Paga e quando vai saindo Lorenzo o chama.
           - Tem onde passar a noite?
           - Não!
           - Não quer passar a noite no quarto da Zuleica, é apertado, mas dá para o gasto.
           - Fica pra próxima, preciso ir.
           - Tem certeza? É noite de lua cheia.
           - O que tem isso?
           Lorenzo o puxa para um canto e cochicha.
           - Há uma criatura rondando por ai, faminta por carne fresca, só aparece em noites de lua cheia.
           Miro franze a testa.
           - Lobisomem?
           - Exatamente, por isso acho melhor passar a noite aqui.
           - Agradeço a preocupação seu Lorenzo, mas tenho ir mesmo.
           - Deus lhe proteja. – dá de ombros.
          Miro ganha mais uma vez a estrada escura. A chuva é intensa e atrapalha a visão. Ele levanta a gola do casaco e aperta o passo. O barulho de um motor chama atenção. Logo seu corpo é iluminado por faróis altíssimos. Miro estica o braço e levanta o polegar pedindo carona. A Rural passa em alta velocidade obrigando Miro a se jogar no acostamento.
          - Desgraçado! – vocifera.
          Ainda com raiva Miro segue seu rumo. De repente um uivo o faz parar. A chuva estia. Mais um uivo e o medo gela sua espinha. Será que o maldito velho tinha razão? Miro então saca seu trinta e oito e espera. O uivo vem do meio das árvores. Seu coração dá fortes galopes parecendo querer sair do peito. A chuva volta. Miro correr. Sua respiração é irregular, correr de barriga cheia não dá. Cansado ele para. Se apoia nos joelhos. O uivo está cada vez mais perto, Mais que merda, por que não aceitei dormir com aquela piranha fedendo a suor. Miro volta a correr. Algo ou alguém o segue, ele sente isso. O mato na lateral da estrada mexe. Miro atira. Nada acontece. Seu estômago dá um nó e mesmo correndo ele vomita toda a sopa de quiabo. Atira mais uma vez. Quando se recupera, Miro consegue ver uma criatura enorme que ele não sabe distinguir direito, será um cachorro, uma onça ou um lobo. Ele confere a arma, quatro balas.
           Volta a correr. A criatura rosna e uiva. Uma lágrima escorre no canto do olho esquerdo de Miro. A criatura sai do meio do mato e avança pra cima do andarilho. Miro grita, chama por Deus, Jesus, sei lá o que. Atira acertando o bicho peludo. O lobo gigante salta com suas patas ferindo Miro no ombro. O andarilho cai aguardando ser devorado quando outros disparos acertam o animal que cai morto.
           - Você está bem moço? – pergunta Lorenzo ao lado de outro velho.
           - Estou, acho que estou. – diz se levantando.
           - Foi ferido? – pergunta o outro velho de chapéu de palha.
           - Não.
           - Não falei que era para você ficar na cantina com a Zuleica, sorte tua eu ter lhe seguido.
           - Eu lhe agradeço, seu Lorenzo.
           - Vamos, passe a noite lá na cantina, amanhã pela manhã você pega a estrada.
           - Ótimo.
         
           De volta a cantina, enquanto Lorenzo esquenta a sopa de quiabo, Miro toma banho. Ele termina a ducha e se olha no espelho. A ferida no ombro é superficial, mais queima feito brasa viva.
           A cantina fechou. Lorenzo, Chico e Miro comem e jogam conversa fora. Chico faz uma observação.
            - Dizem que quem é ferido pelo lobisomem, mesmo de leve, na próxima lua cheia ele se transformará na criatura uivante.
            Miro engole seco.
            - Mais tudo acabou bem, matamos o bicho e salvamos a vida do nosso amigo aqui.
            Todos riem, menos Miro sentindo a ferida arder.

Fim




A Maldição da lua cheia 2

            Miro acorda depois de uma longa noite de frio e pesadelos. Seu corpo dói por inteiro e seus olhos parecem ter areia dentro. Alguém toca a porta.
            - Já vai! – boceja e abre.
            - Como passou a noite gostosão? – Zuleica pergunta com bafo de cigarro fazendo o estômago de Miro revirar.
            - Passei mal a noite toda.
            - Por que não me chamou, eu faço uma massagem que relaxa bastante.
            - Quem sabe hoje, agora se me dá licença preciso arrumar minhas coisas.

***

            Lorenzo coloca a mesa do café regada a pão fresco e ovos mexidos. Chico varre o salão da cantina.
            - Então Miro, o que achou do quarto da Zuleica, abafado né? – pergunta Lorenzo.
            - Um pouco, ela trabalha pra você?
            - Às vezes, ela tem poucos clientes, e os que são fiéis só estão com ela pelo sexo oral maravilhoso que faz, eu se fosse você experimentaria.
            Chico solta uma gargalhada enquanto varre.
            - To fora! – come os ovos. – quanto devo?
            - Cortesia da casa meu jovem.

***

            Miro se despede dos dois homens com um nó na garganta e ganha a estrada.
            Mais uma vez ele anda sem parar. Olha para o céu de onde vem trovoadas. Aperta o passo. Logo logo vai escurecer. Uma buzina. Ele corre até o acostamento e faz sinal pedindo carona. A Brasília 1978 branca freia e um sujeito barbudo e obeso fala com sua voz grave e rouca.
            - Indo para onde meu caro?
            - Para o sul.
            - Posso te deixar lá, entre.
            - Obrigado!
            Miro se acomoda no veículo que cheira a doce.
            - Qual o seu nome filho?
            - Altamiro, mas pode me chamar de Miro mesmo.
            - Trabalha com o que?
            - Sou caldeireiro, mas no momento estou desempregado.
            - Que pena, vai tentar a sorte lá no sul?
            - Queira Deus que eu consiga.
            O gordo abre o porta luvas e pega um serenata de amor.
            - Quer um? – joga inteiro na boca.
            - É o seu ultimo?
            - Não, ai dentro tem muito mais, pode pegar. – fala com a boca cheia.
            A Brasília para num cruzamento. Miro desce e o gordo dá as coordenadas.
            - Segue sem parar, você chegará à cidade, certo?
            - Muito obrigado seu Arnaldo.

***

            Miro mais uma vez está na estrada. Falta pouco para a noite chegar. Ele olha para o céu e teme pela lua cheia. Acelera o passo. As nuvens descobrem a lua. De repente Miro sente uma forte queimação no corpo inteiro.
            - Meu Deus, não é possível, será que Chico estava certo?
            Muito calor. Um calor insuportável. Ele arranca a mochila das costas e tira o casaco do exército? Seu corpo parece que vai pegar fogo. Ele geme, grita e rola no asfalto. Pede socorro. Rola até o mato. Miro tira a calça e os sapatos. Seus músculos crescem e esticam assim como os ossos. Mais gritos. Por fim, pelos negros e grossos crescem nas costas e tórax. Sua boca começa a se transformar num focinho e seus dentes se tornam em pontiagudas presas. Miro rosna e depois uiva. A saliva escorre quente pelos cantos do focinho. Ele fica de quatro, um homem lobo, um lobisomem. Mais uivos. Como um cão selvagem ele corre em direção a cidade a procura de comida.

Fim






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