Fausto Maia
não é nenhum galã, mas também não é feio. Quando ainda nem sonhava em ser um
policial vivendo no sítio onde seus pais trabalhavam como caseiros, era normal
vê-lo arrastando meninas para o meio das plantações. Garotos mais velhos e
muito mais bonitos não sabiam explicar o porquê de moças lindas se interessarem
por ele. Nada como uma boa e velha conversar ao pé do ouvido, dizia ele.
Enquanto
aguarda a chegada de Abílio, Maia voltou ao passado, na época em que trabalhava
nas ruas como patrulheiro. Não foi a melhor época de sua vida, porém lhe serviu
de aprendizado. Fora anos circulando por ruas onde gangues, assaltantes e até
assassinos dominavam. Numa dessas intermináveis patrulhas, ele deu de frente
com um tal de Coruja, um perigoso traficante de drogas saindo de uma escola
pública. Claro que seu instinto policial falou mais alto, mas ele não podia por
sua vida, tão pouco a de civis em perigo. Foi necessário enviar mensagem para a
central e solicitar suporte.
O meliante
ganhou a calçada subindo uma rua que daria do outro lado da cidade e
provavelmente nunca mais séria visto. Maia precisava agir. Desceu da viatura já
segurando seu trinta e oito seis balas em perseguição ao vagabundo. Fausto fez
de tudo para não chamar a atenção, mas foi inevitável. Todos queriam saber o
porquê de um agente da lei fardado andando a passos largos calçada afora.
Lógico que não daria certo uma operação como essa. Antes que Fausto Maia
pudesse lhe dar voz de prisão, coruja foi resgatado por um misterioso
motoqueiro que o fez sumir de vista. Meses mais tarde esse mesmo indivíduo foi
pego por Maia e obrigado de maneira carinhosa a falar onde se escondia o chefe.
Foi fácil.
*
Abílio
Fontana recebeu uma chamada de vídeo do casal de filhos quando chegava a
delegacia. Infelizmente o tom da conversa não foi nada amigável como das outras
vezes.
— Poxa!
pai, vocês esperaram tanto por essas benditas férias. – disse Carlos o filho
mais velho. — a mamãe está muito aborrecida e com razão.
— Sim,
filho, admito que vacilei, mas agora é um pouco tarde para arrependimentos.
— Paizinho,
sabemos de sua devoção pela sua profissão, mas eu penso que o bem-estar em
família vem em primeiro lugar. Não acha? – declarou Hortência.
— Claro,
claro, minha filha. Prometo compensar esse vacilo. O que acham de uma viagem em
família para o nordeste, hein, vai ser ótimo.
— Não tenho
dúvidas, pai, mas antes o senhor precisa amansar a dona Zélia.
— Pode
deixar, meus amores. O pai precisa desligar agora. Quanto antes eu terminar
esse caso, mais rápido faremos nossa viagem em família.
— Valeu,
paizão. — despediram-se os dois.
“Amansar a
dona Zélia”. Não teria nada mais fácil? Eles estão casados há trinta e cinco
anos e Abílio não faz a mínima ideia de como fazer isso e olha que não foram
poucas às vezes em que ele pisou na bola com ela. Fontana deu um basta nos
problemas familiares e focou no caso em mãos. Fausto Maia o aguarda em sua sala
com seu carisma de uma fechadura de porta.
*
Fausto Maia
lê com atenção ao relatório dado por Abílio, mas a sua mente não se encontra
ali, mas sim no brilhante histórico do investigador. Maia tem sorte em tê-lo em
sua equipe. Assim que o recebeu transferido de outro distrito e com belíssimas
recomendações, na hora Fausto soube que estaria trabalhando com um craque.
— Morte por
envenenamento?
— Cianeto.
– completou Fontana.
— Cacetada!
Mas como assim a vítima não ofereceu reação?
— Vamos
partir do princípio. Encontramos sêmen nas partes íntimas da vítima. É bem
provável que, a assassina ou assassino tenha aplicado no momento do clímax e
nessas horas...
Fausto
coçou o queixo.
— Ainda não
sabemos o sexo do autor... – Maia olhou para Abílio de forma condescendente.
— Eu
acredito que seja uma mulher, visto que, Vagner, a vítima, tenha um histórico
de infidelidade.
— Caramba!
– voltou a coçar o queixo. — e você não encontrou nada dentro do carro?
— Nada além
do próprio Vagner.
Maia
organizou a papelada ainda tentando encontrar às peças desse quebra-cabeça.
— Vou dar
uma sondada nos arredores, vê se consigo imagens de câmeras, fazer perguntas,
com certeza as ruas tem muito a dizer.
“As ruas
têm muito a dizer”. Agora Fausto Maia entende o porquê da eficiência e eficácia
de seu detetive. Ele não espera que a informação venha até ele. Fontana vai
atrás dela e isso faz toda diferença.
— Cara,
lamento por tê-lo pego de surpresa. Você esperou tanto por suas férias. Como
estão as coisas em casa?
Abílio
tirou os olhos do delegado, esse não é um assunto fácil de se debater.
— Sabe como
são as mulheres. Zélia estava vivendo os melhores dias de nossas vidas. Claro
que ela não aceitou.
— Pô, mais
que merda. – esfregou o rosto.
— Relaxa.
— Eu juro
que pensei em deixar esse caso com o Pascoal, mas...
— O Pascoal
tá atolado até o pescoço com as milícias, pode deixar esse caso comigo.
Fausto
estendeu a mão.
—
Terminamos aqui.
— Positivo.
– apertou a mão do chefe.
*
Zélia não
estava muito a fim de cozinhar e olha que a gastronomia e uma de suas paixões,
depois da literatura, é claro. Logo cedo ela colocou a carne em cima da pia
para o degelo. Para o almoço ela comeu o que sobrou da janta na noite passada,
frango grelhado, porém para o jantar de hoje ela gostaria de um picadinho,
receita de família. Sua avó materna a ensinou preparar. As coisas não andam
nada bem entre Abílio e ela e isso se reflete no preparo das refeições de uma
certa forma. A dona de casa não queria, mas fazer o quê? A vida precisa seguir.
Abílio
Fontana saiu do quarto concentrado no celular e ocupou uma das cadeiras da
copa. O clima é insustentável. Ele odeia quando isso acontece.
— Às
crianças fizeram uma chamada de vídeo hoje.
Zélia, de
costas para ele sorriu. Crianças?
— Os dois,
ao mesmo tempo. – insistiu em puxar assunto. — faremos uma viagem em família
para o nordeste. O que acha?
— Acho bom.
– segue mexendo a panela.
Fontana
estava a ponto de explodir. Ele a ama demais, mas às vezes ele tem vontade
de...
— Eles
gostaram da ideia. Poxa! será maravilhoso. Lembra da última vez em que fomos
juntos para a Bahia? Nossa.
— Pois é,
lá, por incrível que pareça o seu chefe não te ligou lhe convocando para uma
missão impossível. – girou nos calcanhares.
Silêncio. A
irritação de Abílio cedeu espaço a frustração e desânimo. Ele abandonou a copa
e caminhou lentamente para a sala segurando o telefone. O seu toque assustou a
ambos. Era Fausto Maia.
— Fala
chefão.
Falando no
Diabo, pensou Zélia provando o tal picadinho.
— Meu Deus
do céu. Sério? Chego lá em minutos.
Zélia
controlou a vontade de jogar a panela contra a parede.
*
No que
afinal de contas essa cidade vem se transformando? Logo ela que um dia foi
considerada exemplo de paz e tranquilidade por outras. Tudo o que seus
moradores precisa tem ali, desde incríveis “shoppings” centers a parques onde é
possível manter contato com a natureza. Hoje, Paraíso Novo tem vivido e servido
de palco e cenário para crimes em séries sem precedentes. Abílio Fontana
encostou o carro de qualquer jeito, sua paciência já havia decolado há muito
tempo, desde quando saiu de casa para ser mais exato.
Dessa vez o
assassino ou assassina escolheu um lugar um pouco mais aberto, porém com pouca
iluminação durante a noite. Uma quadra polivalente muito mal conservada onde
aos finais de semana meninos que moram na comunidade ali perto disputam quase
que a tapas rodadas de peladas. Como sempre, haviam pessoas com seus celulares
gravando ou simplesmente registrando em imagens mesmo sob os protestos dos PMs
que fazem a guarda do corpo.
Abílio
Fontana abriu passagem entre os curiosos e pelo menos hoje alguém teve a boa
vontade de cobrir o infeliz.
— Com licença,
pessoal. – disse Abílio erguendo seu distintivo. — vamos nos afastar.
O cadáver
estava sentado ao pé da trave com as calças abaixadas. Olhos bem abertos
deixando claro o sofrimento que antecedeu sua partida desse mundo. Fontana
lamentou profundamente, o sujeito parecia ser um homem educado e de família.
Outro fato que o levou a lamentar foi que, com esse segundo corpo, suas férias
estariam definitivamente perdidas. Zélia não o perdoaria.
Com a
chegada de Carvalho, o perito, Abílio pode sair daquele tumulto e respirar um
pouco. Encostado na grade ele pôs seu cérebro para funcionar a todo vapor. Por
que alguém estaria matando homens de família e do mesmo “modus” operandi? Por
envenenamento no caso. Vingança? Loucura? Surto? Ou na pior das hipóteses, por
puro prazer de matar.
Carvalho se
aproximou trazendo boas novas.
— Grande
Carvalho, o que tem para mim?
— O pobre
coitado teve o mesmo fim que o outro. Encontrei sêmen e desse vez o Cianeto foi
aplicado um pouco mais para cima.
— Não me
diga que foi na bunda?
— Não. Na
altura da bacia.
Abílio
olhou e viu o corpo sendo removido.
— Encontrei
isso no bolso da calça dele.
Tratava-se
de uma comanda. Como aquele pedaço de papel amarelo foi capaz de reacender a
esperança ao coração do detetive.
— Ele tomou
alguns drinks antes de bater as botas também. – salientou Carvalho.
Que ótimo!
Agora Abílio sabe exatamente por onde começar. Até então ele seguia no escuro e
de olhos vendados. Fontana acredita que, tudo nessa vida precisa ser
conquistado com esforço e também estar preparado quando a oportunidade passar.
—
Finalmente uma luz no fim do túnel. – pegou o papel.
*
Eu nasci
bela, saudável, cercada de gente que só queria meu bem. Cresci em meio a um lar
devoto ao Criador e, no entanto me deixei ser seduzida por palavras vazias.
Esse foi o meu mal. Paulo Augusto era uma serpente. Serpentes são envolventes,
porém não pensam duas vezes antes de lhe ferir o calcanhar. Eu acreditei em
suas juras de amor, nas frases prontas ao pé do ouvido depois da cama, dei
crédito as suas dissimulações e paguei um alto preço por isso. Paulo Augusto
despertou o que havia de pior em mim e talvez acontecesse o mesmo com qualquer
outra pessoa. Ele acionou a assassina que existia e... Pagou caro também.
Rose Maria
não conseguiu chegar a tempo ao vaso sanitário. O enjoo veio forte e ainda
levantando a tampa o vômito veio e se espalhou sujando a parede e até parte da
pia. Fala sério! Pensou ainda gofando. Não faz mal, nada que um bom
desinfetante não resolva. Se todos os seus problemas fossem resolvidos dessa
forma, ela seria a mulher mais feliz desse mundo. Descarga dada. Um belo enxaguante
bucal e pronto, hora de relaxar no sofá e terminar de repor suas energias.
Matar não é para qualquer um mesmo, é preciso ter estômago.
A história está esquentando. Vamos ver onde vai parar!
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