segunda-feira, 19 de junho de 2023

Máscara da Morte | Capítulo 3

 


Fausto Maia não é nenhum galã, mas também não é feio. Quando ainda nem sonhava em ser um policial vivendo no sítio onde seus pais trabalhavam como caseiros, era normal vê-lo arrastando meninas para o meio das plantações. Garotos mais velhos e muito mais bonitos não sabiam explicar o porquê de moças lindas se interessarem por ele. Nada como uma boa e velha conversar ao pé do ouvido, dizia ele.

 

Enquanto aguarda a chegada de Abílio, Maia voltou ao passado, na época em que trabalhava nas ruas como patrulheiro. Não foi a melhor época de sua vida, porém lhe serviu de aprendizado. Fora anos circulando por ruas onde gangues, assaltantes e até assassinos dominavam. Numa dessas intermináveis patrulhas, ele deu de frente com um tal de Coruja, um perigoso traficante de drogas saindo de uma escola pública. Claro que seu instinto policial falou mais alto, mas ele não podia por sua vida, tão pouco a de civis em perigo. Foi necessário enviar mensagem para a central e solicitar suporte.

 

O meliante ganhou a calçada subindo uma rua que daria do outro lado da cidade e provavelmente nunca mais séria visto. Maia precisava agir. Desceu da viatura já segurando seu trinta e oito seis balas em perseguição ao vagabundo. Fausto fez de tudo para não chamar a atenção, mas foi inevitável. Todos queriam saber o porquê de um agente da lei fardado andando a passos largos calçada afora. Lógico que não daria certo uma operação como essa. Antes que Fausto Maia pudesse lhe dar voz de prisão, coruja foi resgatado por um misterioso motoqueiro que o fez sumir de vista. Meses mais tarde esse mesmo indivíduo foi pego por Maia e obrigado de maneira carinhosa a falar onde se escondia o chefe. Foi fácil.

 

*

 

Abílio Fontana recebeu uma chamada de vídeo do casal de filhos quando chegava a delegacia. Infelizmente o tom da conversa não foi nada amigável como das outras vezes.

 

— Poxa! pai, vocês esperaram tanto por essas benditas férias. – disse Carlos o filho mais velho. — a mamãe está muito aborrecida e com razão.

 

— Sim, filho, admito que vacilei, mas agora é um pouco tarde para arrependimentos.

 

— Paizinho, sabemos de sua devoção pela sua profissão, mas eu penso que o bem-estar em família vem em primeiro lugar. Não acha? – declarou Hortência.

 

— Claro, claro, minha filha. Prometo compensar esse vacilo. O que acham de uma viagem em família para o nordeste, hein, vai ser ótimo.

 

— Não tenho dúvidas, pai, mas antes o senhor precisa amansar a dona Zélia.

 

— Pode deixar, meus amores. O pai precisa desligar agora. Quanto antes eu terminar esse caso, mais rápido faremos nossa viagem em família.

 

— Valeu, paizão. — despediram-se os dois.

 

“Amansar a dona Zélia”. Não teria nada mais fácil? Eles estão casados há trinta e cinco anos e Abílio não faz a mínima ideia de como fazer isso e olha que não foram poucas às vezes em que ele pisou na bola com ela. Fontana deu um basta nos problemas familiares e focou no caso em mãos. Fausto Maia o aguarda em sua sala com seu carisma de uma fechadura de porta.

 

*

 

Fausto Maia lê com atenção ao relatório dado por Abílio, mas a sua mente não se encontra ali, mas sim no brilhante histórico do investigador. Maia tem sorte em tê-lo em sua equipe. Assim que o recebeu transferido de outro distrito e com belíssimas recomendações, na hora Fausto soube que estaria trabalhando com um craque.

 

— Morte por envenenamento?

 

— Cianeto. – completou Fontana.

 

— Cacetada! Mas como assim a vítima não ofereceu reação?

 

— Vamos partir do princípio. Encontramos sêmen nas partes íntimas da vítima. É bem provável que, a assassina ou assassino tenha aplicado no momento do clímax e nessas horas...

 

Fausto coçou o queixo.

 

— Ainda não sabemos o sexo do autor... – Maia olhou para Abílio de forma condescendente.

 

— Eu acredito que seja uma mulher, visto que, Vagner, a vítima, tenha um histórico de infidelidade.

 

— Caramba! – voltou a coçar o queixo. — e você não encontrou nada dentro do carro?

 

— Nada além do próprio Vagner.

 

Maia organizou a papelada ainda tentando encontrar às peças desse quebra-cabeça.

 

— Vou dar uma sondada nos arredores, vê se consigo imagens de câmeras, fazer perguntas, com certeza as ruas tem muito a dizer.

 

“As ruas têm muito a dizer”. Agora Fausto Maia entende o porquê da eficiência e eficácia de seu detetive. Ele não espera que a informação venha até ele. Fontana vai atrás dela e isso faz toda diferença.

 

— Cara, lamento por tê-lo pego de surpresa. Você esperou tanto por suas férias. Como estão as coisas em casa?

 

Abílio tirou os olhos do delegado, esse não é um assunto fácil de se debater.

 

— Sabe como são as mulheres. Zélia estava vivendo os melhores dias de nossas vidas. Claro que ela não aceitou.

 

— Pô, mais que merda. – esfregou o rosto.

 

— Relaxa.

 

— Eu juro que pensei em deixar esse caso com o Pascoal, mas...

 

— O Pascoal tá atolado até o pescoço com as milícias, pode deixar esse caso comigo.

 

Fausto estendeu a mão.

 

— Terminamos aqui.

 

— Positivo. – apertou a mão do chefe.

 

*

 

Zélia não estava muito a fim de cozinhar e olha que a gastronomia e uma de suas paixões, depois da literatura, é claro. Logo cedo ela colocou a carne em cima da pia para o degelo. Para o almoço ela comeu o que sobrou da janta na noite passada, frango grelhado, porém para o jantar de hoje ela gostaria de um picadinho, receita de família. Sua avó materna a ensinou preparar. As coisas não andam nada bem entre Abílio e ela e isso se reflete no preparo das refeições de uma certa forma. A dona de casa não queria, mas fazer o quê? A vida precisa seguir.

 

Abílio Fontana saiu do quarto concentrado no celular e ocupou uma das cadeiras da copa. O clima é insustentável. Ele odeia quando isso acontece.

 

— Às crianças fizeram uma chamada de vídeo hoje.

 

Zélia, de costas para ele sorriu. Crianças?

 

— Os dois, ao mesmo tempo. – insistiu em puxar assunto. — faremos uma viagem em família para o nordeste. O que acha?

 

— Acho bom. – segue mexendo a panela.

 

Fontana estava a ponto de explodir. Ele a ama demais, mas às vezes ele tem vontade de...

 

— Eles gostaram da ideia. Poxa! será maravilhoso. Lembra da última vez em que fomos juntos para a Bahia? Nossa.

 

— Pois é, lá, por incrível que pareça o seu chefe não te ligou lhe convocando para uma missão impossível. – girou nos calcanhares.

 

Silêncio. A irritação de Abílio cedeu espaço a frustração e desânimo. Ele abandonou a copa e caminhou lentamente para a sala segurando o telefone. O seu toque assustou a ambos. Era Fausto Maia.

 

— Fala chefão.

 

Falando no Diabo, pensou Zélia provando o tal picadinho.

 

— Meu Deus do céu. Sério? Chego lá em minutos.

 

Zélia controlou a vontade de jogar a panela contra a parede.

 

*

 

No que afinal de contas essa cidade vem se transformando? Logo ela que um dia foi considerada exemplo de paz e tranquilidade por outras. Tudo o que seus moradores precisa tem ali, desde incríveis “shoppings” centers a parques onde é possível manter contato com a natureza. Hoje, Paraíso Novo tem vivido e servido de palco e cenário para crimes em séries sem precedentes. Abílio Fontana encostou o carro de qualquer jeito, sua paciência já havia decolado há muito tempo, desde quando saiu de casa para ser mais exato.

 

Dessa vez o assassino ou assassina escolheu um lugar um pouco mais aberto, porém com pouca iluminação durante a noite. Uma quadra polivalente muito mal conservada onde aos finais de semana meninos que moram na comunidade ali perto disputam quase que a tapas rodadas de peladas. Como sempre, haviam pessoas com seus celulares gravando ou simplesmente registrando em imagens mesmo sob os protestos dos PMs que fazem a guarda do corpo.

 

Abílio Fontana abriu passagem entre os curiosos e pelo menos hoje alguém teve a boa vontade de cobrir o infeliz.

 

— Com licença, pessoal. – disse Abílio erguendo seu distintivo. — vamos nos afastar.

 

O cadáver estava sentado ao pé da trave com as calças abaixadas. Olhos bem abertos deixando claro o sofrimento que antecedeu sua partida desse mundo. Fontana lamentou profundamente, o sujeito parecia ser um homem educado e de família. Outro fato que o levou a lamentar foi que, com esse segundo corpo, suas férias estariam definitivamente perdidas. Zélia não o perdoaria.

 

Com a chegada de Carvalho, o perito, Abílio pode sair daquele tumulto e respirar um pouco. Encostado na grade ele pôs seu cérebro para funcionar a todo vapor. Por que alguém estaria matando homens de família e do mesmo “modus” operandi? Por envenenamento no caso. Vingança? Loucura? Surto? Ou na pior das hipóteses, por puro prazer de matar.

 

Carvalho se aproximou trazendo boas novas.

 

— Grande Carvalho, o que tem para mim?

 

— O pobre coitado teve o mesmo fim que o outro. Encontrei sêmen e desse vez o Cianeto foi aplicado um pouco mais para cima.

 

— Não me diga que foi na bunda?

 

— Não. Na altura da bacia.

 

Abílio olhou e viu o corpo sendo removido.

 

— Encontrei isso no bolso da calça dele.

 

Tratava-se de uma comanda. Como aquele pedaço de papel amarelo foi capaz de reacender a esperança ao coração do detetive.

 

— Ele tomou alguns drinks antes de bater as botas também. – salientou Carvalho.

 

Que ótimo! Agora Abílio sabe exatamente por onde começar. Até então ele seguia no escuro e de olhos vendados. Fontana acredita que, tudo nessa vida precisa ser conquistado com esforço e também estar preparado quando a oportunidade passar.

 

— Finalmente uma luz no fim do túnel. – pegou o papel.

 

*

 

Eu nasci bela, saudável, cercada de gente que só queria meu bem. Cresci em meio a um lar devoto ao Criador e, no entanto me deixei ser seduzida por palavras vazias. Esse foi o meu mal. Paulo Augusto era uma serpente. Serpentes são envolventes, porém não pensam duas vezes antes de lhe ferir o calcanhar. Eu acreditei em suas juras de amor, nas frases prontas ao pé do ouvido depois da cama, dei crédito as suas dissimulações e paguei um alto preço por isso. Paulo Augusto despertou o que havia de pior em mim e talvez acontecesse o mesmo com qualquer outra pessoa. Ele acionou a assassina que existia e... Pagou caro também.

 

Rose Maria não conseguiu chegar a tempo ao vaso sanitário. O enjoo veio forte e ainda levantando a tampa o vômito veio e se espalhou sujando a parede e até parte da pia. Fala sério! Pensou ainda gofando. Não faz mal, nada que um bom desinfetante não resolva. Se todos os seus problemas fossem resolvidos dessa forma, ela seria a mulher mais feliz desse mundo. Descarga dada. Um belo enxaguante bucal e pronto, hora de relaxar no sofá e terminar de repor suas energias. Matar não é para qualquer um mesmo, é preciso ter estômago.


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