terça-feira, 6 de junho de 2023

Máscara da Morte | Capítulo 1

 


Máscara da Morte

 

Conto policial com Abílio Fontana

 

 

 

Ela desperta curiosidade. Não pelo simples fato de uma mulher de no máximo cinquenta anos, com pinta de dona de casa, unhas bem feitas, cabelos muito bem tratados e pele sedosa, se encontrar sozinha ocupando uma das inúmeras mesas daquele bar de beira de estrada tarde da noite. Não. Claro que não. O que ela traz em seu rosto bonito, isso sim, desperta bastante curiosidade aos poucos frequentadores do estabelecimento.

 

Ela cruza e descruza as pernas. Toma mais um gole do gim tônica ainda olhando para o bonitão em pé no balcão. Ele por sua vez já percebeu os olhares da coroa em sua direção. Para não perder mais tempo ele decidiu se aproximar e se apresentar a ela segurando seu copo de uísque.

 

— Olá, posso me sentar aqui?

 

— Por favor. – lhe mostrou a cadeira livre.

 

— Obrigado. O que faz uma mulher tão bela sozinha nessa espelunca? – ele não consegue evitar os olhares para a cicatriz de queimadura no lado esquerdo do rosto dela.

 

Ela sorriu.

 

— Me divertindo.

 

— Hum! Jura? – puxou a cadeira.

 

— Juro. – olhou para o peitoral coberto por pelos pela abertura da camisa.

 

— Qual o seu nome?

 

— É importante para você?

 

Ele deu um curto gole no uísque e depois focou em seu decote “V”. O papo estava começando a ficar interessante.

 

— Tudo bem se não quer falar, mas faz parte da boa educação nos apresentarmos, não acha?

 

Ela ficou séria.

 

— Você é casado, acertei?

 

Na mesma hora ele olhou para mão e o dedo que traz a aliança e se sentiu mal com o pensamento que o acometeu no momento.

 

— Adoro homens casados. – passou a língua nos lábios.

 

 

 

Agora está mais que explicado o que uma mulher incrível como ela fazia sentada naquele bar fedorento. Busca por aventura sexual e das boas. Ele a arrastou para o seu carro e a fez subir em seu colo. A localidade não importa, tudo o que eles sabem é que se trata de uma estrada de barro no meio do nada. Os faróis foram desligados. Em meio aos ruídos dos grilos, os gemidos enlouquecedores dela por cima dele se fundiram.

 

Vinte minutos após pura pegação sem beijo ele finalmente chegou ao máximo do prazer.

 

— Posso jogar lá dentro? – perguntou segurando em sua cintura.

 

— Deve, meu bebê. – respondeu ainda, na prática de equitação.

 

Mandíbula apertada. Olhos virados e uma respiração pesada sem controle algum. Enquanto seu amante encontra-se imerso em seu orgasmo, ela de forma discreta pegou em sua bolsa uma seringa cheia de um líquido transparente e a aplicou em sua coxa enquanto o beijava.

 

— Vamos, taradão, mostra do que é capaz, dá a segunda.

 

— Meu Deus! o que você está fazendo?

 

Ela pôs o indicador em sua boca o pedindo silêncio. Feito isso, ela pegou na bolsa uma máscara de borboleta e a colocou.

 

— Não vai querer que uma mulher de rosto desfigurado seja a última imagem vendo em vida, vai? – segue cavalgando.

 

— O que, como assim?

 

— Ah! vamos, divirta-se, seu infiel desgraçado. – deu um forte tapa em seu rosto.

 

— Sua vagabunda.

 

Cinco minutos depois o homem já era parte do passado. Ela saiu do carro se ajeitando e antes de partir definitivamente, um tchauzinho para terminar bem a noite.

 

— O inferno deve ser bem quente.

 

*

 

A água do mar não está tão fria, porém o casal Abílio e Zélia Fontana optou por caminhar de mãos dadas, com os pés descalços sentindo a areia morna por toda a orla. Quem goza de férias é, na verdade Abílio, mas Zélia é quem não consegue esconder o quanto ela se encontra feliz por estar ali no litoral com seu marido. Ainda é cedo, perto das sete horas da manhã, praia vazia, barulho das ondas batendo nas pedras e o que é melhor, poder sentir o vento fresco esbofeteando a face.

 

— Aonde quer tomar café, no quarto ou naquela padaria famosa? – Zélia perguntou ajeitando os cabelos.

 

— Diga você.

 

— Tem certeza? Depois você reclama dizendo que eu gastei muito.

 

— Ah! Zélia, por favor, eu só disse isso uma vez e você havia gastado muito mesmo.

 

Silêncio.

 

— Tudo bem. Vamos tomar café na padaria famosa. – rendeu-se o policial.

 

O pedido foi feito por Zélia e com certeza não havia nada do que normalmente comem diariamente. Abílio olhava para a mesa tentando calcular o quanto pagaria somente no desjejum.

 

— Prove do bolo de churros, amor.

 

— Deve estar uma delícia mesmo.

 

E esse era só o quinto dos trinta dias que irão passar ali, mas, na verdade Abílio não se importa com o que irá gastar. Ver sua mulher feliz já lhe é recompensador demais.

 

— Vai ter fome para o almoço, Zélia?

 

— Verdade, acho melhor parar por aqui. – disse ainda mastigando o queijo minas.

 

Zélia terminava de lavar a boca quando viu através do espelho Abílio entrando no banheiro feminino do estabelecimento.

 

— Abílio, ficou louco, homem?

 

Ele a segurou pela cintura e encostou seu volume em suas nádegas, em seguida a beijou no pescoço.

 

— Abílio, o que deu em você? Alguém pode entrar.

 

O policial a levou até um dos box e ali abaixou as alças de sua blusa. Zélia não sabia o que fazer.

 

— Vamos para o hotel, lá ficaremos mais a vontade, amor.

 

Abílio Fontana não respondia, apenas a beijava no pescoço e acariciava as partes íntimas de sua esposa que acabou não resistindo às investidas do marido. Quando chegaram ao hotel onde estão hospedados o casal cinquentão partiu para o segundo round trazendo a lembrança da incrível lua de mel que tiveram a aproximadamente trinta e cinco anos. Abílio completou no início do ano cinquenta e oito anos e graças a prática de esportes, para o bem de Zélia, seu desempenho na cama é bem próximo dos cem por cento.

 

— Eita, meu velho, duas vezes numa manhã. O que umas férias não é capaz de fazer, hein.

 

— E logo mais teremos a sequência. – riu.

 

Zélia enrolou-se  no lençol dizendo que iria tomar banho. Abílio pegou o celular no exato momento em que o seu WhatsApp recebeu uma nova mensagem. Delegado Fausto Maia, putz. Tudo o que o Investigador mais queria naquela hora era que tudo não passasse de um pesadelo e que ele acordaria assim que lesse o conteúdo da mensagem.

 

Bom dia, Fontana! O tempo fechou aqui. Preciso de você. Peço perdão desde já por suas férias, mas o dever lhe espera.

 

*

 

Abílio desligou o motor do carro e não desembarcou de imediato, permaneceu sentado olhando pro nada pensando em tudo o que ouviu de Zélia. Ele não fazia ideia do quanto aquelas férias eram importante para ela. Decepciona-la dizendo que voltaria para a cidade em prol de um novo caso o fez se sentir o pior de todos os homens, Zélia não merecia isso. Fazer o quê? Ele já havia dado sua palavra a Fausto Maia e voltar atrás, com certeza, causaria uma mancha em toda sua brilhante carreira.

 

Ele pôs suas botas marrons naquele chão de terra úmido e caminhou até onde o veículo com o corpo se encontrava. Alguns curiosos insistiam em permanecer ali dificultando ainda mais o trabalho dos dois PMs que fazem a guarda do cadáver.

 

— Olá, rapazes. – parou perto da fita amarela mostrando sua identificação. – Abílio Fontana, Investigador.

 

— Abílio Fontana, já ouvi falar do senhor. – disse o PM careca batucando no fuzil. — vamos chegando.

 

— Obrigado.

 

— O senhor não me parece muito animado. O que houve, estava de folga? – perguntou o outro de bigode.

 

Abílio olhou para dentro do carro e viu o corpo do pobre homem sem as calças.

 

— Por que não cobriram pelo menos as partes íntimas do infeliz?

 

Os agentes se entreolharam como quem dissesse “ eu avisei”. Fontana deu a volta para checar mais de perto e avistou algo estranho na virilha do defunto.

 

— O que venha a ser aquilo? Me deem uma lanterna, por gentileza.

 

Com bastante má vontade um dos policiais retirou do bolso da parte de cima da farda uma pequena lanterna de LED. Fontana fez uma varredura no interior do veículo e depois focou na virilha e testículos do morto.

 

— Foi o que pensei.

 

— E no que pensou? – o PM seguia batucando no armamento.

 

— Ele não é tão infeliz. Antes de partir dessa para melhor o sujeito deu uma bela gozada.

 

— O quê? – olhou para o corpo e depois para o parceiro de plantão. — viu? Eu te falei ser sêmen e você disse que eu estava enxergando coisas demais.

 

— Vamos aguardar a chegada dos peritos e enquanto isso, mantenham essas pessoas bem longe.

 

— Sim, senhor. – falou o de bigode.

 

Abílio voltou para o carro. Fez algumas anotações. Jogou o bloquinho de qualquer jeito no porta luvas e depois se recostou no banco. A vontade era de abandonar tudo aquilo e voltar para o litoral com Zélia e quem sabe fazer amor até amanhecer. Você não pode fazer isso conosco, Abílio, não há só você de detetive na cidade. Essas foram suas palavras ditas a plenos pulmões dentro daquele quarto de hotel. Ela estava certa como sempre.

 

Alguém bateu no vidro com os nós dos dedos.

 

— Grande Carvalho. – cumprimentou o perito. — terminamos aqui?

 

— Só para comprovar sua hipótese. Era sêmen mesmo. A causa da morte está entre ataque do coração e...

 

— E...

 

— Bom. Eu suponho que esse, cara foi envenenado, encontrei algo na coxa direita dele, mas isso só saberei quando fizermos todos os exames.

 

— E quando ficarão prontos?

 

— Amanhã, no final do dia. Eu te ligo.

 

— Valeu, Carvalho, você é o melhor.

 

Enquanto a defesa civil recolhia o corpo, Abílio atualizava suas anotações. Quanto mais rápido ele trabalhasse, mais rápido ele voltaria para o bem-bom com sua Zélia.

 

*

 

Rose Maria deixou o banheiro enrolada na toalha seguindo em direção ao quarto. Na cama um vestido branco, curto. Em cima dele uma calcinha alguns números menor que o seu manequim. Um cordão com pingente e ao lado sua máscara de borboleta. Esse sim, é um item que jamais deve ser esquecido.

 

Sentou-se de frente ao espelho para se produzir cruzando as pernas — e que pernas, diga-se de passagem. Antes de passar a base ela tocou na cicatriz lembrando de como era seu rosto antes daquele desgraçado o destruir com o ferro de passar. Já não bastassem as traições e humilhações, ele tinha que marca-la feito gado. Bem feito, todos tem a merda que merece. Pensou iniciando a maquiagem.

 

Diante do espelho, Rose Maria dava as últimas conferidas em seu visual. Estava linda e não só isso, ela estava gostosa, pronta para matar. Matar mais uma vez. Traidores, agressores, para esses não haverá misericórdia. Abriu a gaveta e pegou a seringa e o frasco com o líquido mortal, sem piedade aos machões.


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