A conversa com o adolescente foi demorada, arrastada e por
vezes até enfadonha, mas era necessário ouvi-lo com atenção. Ao seu final o
detetive tinha anotado em seu caderninho um nome chave. Toni. Dudu parecia um
pouco mais aliviado.
— Obrigado por cooperar com o trabalho da polícia, meu jovem.
— O senhor promete encontrar o meu amigo? — agora a voz de
Eduardo era pastosa.
— Farei o que estiver ao meu alcance.
— Ele só queria curtir, ficar doidão. Serginho não é má
pessoa. — declarou de cabeça baixa.
Sob os olhares da diretora, Gil Pedrosa levantou-se abotoando
seu paletó.
— Como eu disse, você cooperou bastante. O próximo passo é ir
atrás desse tal Toni, eu tenho quase certeza que ele nos levará a Sérgio. — se
virou para a mulher atrás da mesa. — obrigado pelo seu tempo, diretora Sofia.
— Disponha. Apareça quando quiser.
Quem é Toni, como ele é? Dudu não o conseguiu descrever com
precisão, disse apenas que trata-se de um sujeito de cabelos cumpridos e só.
Quantos jovens de cabelos cumpridos há em Cabo Verde? Dezenas, centenas? Assim
fica difícil. Gil voltou para o departamento mais esperançoso, agora ele tem um
nome na linha de investigação. Um avanço e tanto. Ao sentar-se em sua cadeira, Rodrigues o
surpreendeu jogando uma caixa de papelão sobre a mesa.
— Dimas mandou lhe entregar.
Pedrosa o xingou em pensamento.
— Ah, valeu!
— Em que pé estamos? — a policial cruzou os braços.
— Acabei de conversar com o coleguinha do rapaz desaparecido
e consegui um nome. Toni. — tirou a caixa de cima da mesa. — é familiar pra
você?
Rodrigues jogou o peso do corpo para a perna direita.
— Eu estou ocupada agora, mas posso dar uma olhada pra você
depois.
— O que seria da minha carreira se não fosse você?
— Me deve uma cerveja. — saiu.
Gilberto se viu hipnotizado com o balançar do quadril largo
da agente. Ah se ela me desse bola! Foi preciso se estapear para que sua
atenção se voltasse para o caso em curso. Pedrosa acredita que Toni abrirá às
portas e não só Sérgio Ornelas como outros serão libertos. Enquanto isso não
acontece o jeito é fazer com que às coisas aconteçam. Como? Trabalhando.
*
Bete chegou aos quarenta e sete anos de idade do jeito que imaginou
que seria. Bonita, em forma e o que é melhor, independente. Ela só não contava em
ser mais um número na lista das mulheres que amargam uma traição. Sua decepção
é gigantesca. Gilberto não tinha o direito de fazer o que fez com ela. Ele
tinha tudo, casa limpa, roupa lavada, uma mulher dedicada ao lar e aos filhos,
sexo duas vezes por semana. Nada faltava para ele. Cachorro! Pensou
descascando batatas. Bete tenta se fazer de forte mas só ela e o travesseiro
sabe o que acontece todas as noites antes de dormir.
Às batatas descascadas e cortadas foram parar dentro da
panela com água quente. No cardápio de hoje haverá purê ao molho, uma das
refeições mais frequentes na época de recém casada. Pela primeira vez ela
almoçará essa comida sem a presença de Gil. O que esperar disso? Saudade ou
raiva? E se não for nenhuma das duas coisas? Só pagando pra ver.
*
Carolina Rodrigues é dona de um rosto comprido e comum.
Tirando o corpo que é um verdadeiro espetáculo ambulante a céu aberto, a
policial morena escura de cabelos negros, lisos, sempre bem ajustados num coque
milimetricamente bem feito, passa despercebida por qualquer um. Na verdade,
Carolina está mais para uma empregada doméstica — com todo o respeito possível
a essa profissão — do que para uma agente da lei. Sem muita paciência, porém
concentrada, Rodrigues tem nas mãos alguns boletins de ocorrência que
simplesmente foram negligenciados pelo colega de trabalho. Ela até fez menção
de levar o fato ao conhecimento do tenente, mas por ser uma mulher imponente e
possuir uma certa moral no departamento, Carolina decidiu ela mesma chamar
atenção de Dimas.
— Quando não estou a fim de trabalhar eu fico em casa. —
falou balançando os boletins.
— Do que você está falando, índia?
— Vai a merda, meu nome é Rodrigues, pare de me chamar de
índia.
Dimas engoliu a seco o sanduíche de mortadela.
— Mas você tem traços indígenas...
— Nove pessoas desaparecidas e você teve a coragem de fechar
os olhos pra isso, Dimas? Que espécie de policial você é?
Os papéis foram parar no colo do agente branco e calvo.
— Rodrigues, veja bem. Eu não os abandonei, simplesmente eu
fui incumbido de outros casos que mereciam mais atenção...
— Todo e qualquer caso merece nossa atenção, oficial, em qual
escola você aprendeu isso?
Silêncio.
— Pode deixar. O Pedrosa já assumiu o caso e está se saindo
muito bem, diga-se de passagem.
Um policial fardado chamou por Rodrigues na recepção.
— Aquela moça falou que sua filha não apareceu em casa ainda .
Cadê o Gil?
*
Nervosa. Mãos trêmulas. Atropelando as palavras. Esse é o
estado da mulher a frente de Gilberto que já não sabe o que fazer com nesta situação.
Ter um filho ou filha desaparecido deve ser algo desesperador e nessa hora ele
sentiu vontade de ligar para Carla e Gerson.
— Me perdoe, detetive, sou uma mulher que criou uma menina
sozinha e...
— Entendo perfeitamente. A senhora estava dizendo que sua
filha andava envolvida com um rapaz? Eles estavam namorando?
— Um dia antes do seu desaparecimento nós tivemos uma
conversa bastante aberta e ela me disse que não. Dei graças a Deus, Michele só
tem dezessete anos e o rapaz pareceu-me ser mais velho.
— A senhora chegou a vê-lo?
— Sim! Muito bonito por sinal, mas não me inspirou confiança.
Gil Pedrosa sentia um excitação crescer dentro dele.
— Como era esse rapaz?
— Magro e com os cabelos compridos.
Toni?
— A senhora seria capaz de reconhecê-lo em qualquer lugar dentro
ou fora de Cabo Verde?
— Sim! — voltou a chorar. — o senhor acha que ele tem alguma
coisa a ver com o sumiço da minha filha?
Se levantou.
— Me acompanhe.
A mãe de Michele foi levada a presença do desenhista. Na sala
onde são computados todos os B.Os Gil e Rodrigues se esforçam na busca por
alguém por vulgo Toni que já tenha ficha. Por ser um pouco mais habilidosa e
também mais simpática ao progresso, Carolina assumiu uma das máquinas e se pôs
a fazer as buscas impressionando ao colega de farda.
— Creio que seja um pouco tarde o ingresso num curso de informática.
Não acha?
— Você deveria tomar vergonha na cara e aceitar a
modernidade. — seguia digitando.
— Já transou essa semana, Rodrigues?
Gilberto mal consegue ver o movimento dos dedos da agente tamanha
é a sua agilidade.
— Sim! Duas vezes, porque a pergunta? — deu um rápido clique
numa das pasta.
— Hum! Sério, namorado novo? — se inclinou para ler o
conteúdo do documento na tela.
— Pra que homens quando se tem brinquedinhos.
Pedrosa ficou boquiaberto com a declaração, mas não deu
sequência ao assunto. Nada do que leu chamou sua atenção naquele arquivo. Ele
voltou a sala do desenhista que já tinha nas mãos o rosto do principal
suspeito. Ele o entregou para Rodrigues.
— Lhe parece familiar?
Carolina olhou demoradamente para o desenho e balançou a
cabeça.
— Não, mas é melhor do que nada.
— Verdade! Tire uma cópia e fique com ela. Tenho que voltar
ao colégio de Sérgio Ornelas.
*
O papel com o desenho do rosto de um homem cabeludo de
aproximadamente vinte anos foi empurrado em cima da mesa em direção a Eduardo
que mais uma vez se mostrava assustado.
— Esse é o Toni? — Gil não tirava os olhos dele.
Sofia a diretora da escola também encontrava-se tensa olhando
para ambos.
— Sim!
— Sabe aonde eu posso encontrá-lo?
Dudu olhou para o chão.
— Como eu falei antes, seu amigo Sérgio pode estar correndo perigo
e esse sujeito. — apontou para a imagem. — pode ser o ponto chave, então, se
você puder colaborar com a investigação...
— Eu tentei convencer o Sérgio de não ir com ele, mas...
— Ir pra onde?
— O Toni nos convidou pra ir com ele até um lugar distante da
cidade. Ele disse que poderíamos ficar doidões o dia inteiro sem perturbação dos
nossos pais ou da polícia. Eu não topei, mas o Sérgio sim. — se entristeceu. —
promete trazer meu amigo de volta?
Gilberto trocou olhares com Sofia que mexia nos cabelos.
— Só me diga quais os lugares mais prováveis da cidade onde
eu posso encontrá-lo.
Pedrosa estava explodindo de alegria por dentro e quase
externando isso ao abrir a porta do HB20 no estacionamento do colégio. Ele tem
agora não somente o rosto do suspeito, mas também o local por aonde ele
circula. Vamos que vamos. Ao ocupar o banco do motorista seu telefone
tocou. Bete.
Tá esquentando, chegando a hora da ação. Esperando o próximo capítulo.
ResponderExcluirEita, que o negócio tá ficando bom, hein? Ansiosa! Tô ficando tensa com essa história
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