A Bíblia do Assassino
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Foram meses dormindo e acordando com o coração e a mente dando sinais de que algo precisava ser feito com urgência. Foram dias convivendo com uma inquietação profunda na alma o alertando que a qualquer momento o seu corpo não resistiria à pressão e por isso Renato se encontra sentado no sofá do apartamento de Arnaldo Fagundes contratando seus serviços. O curioso é que Renato buscou ajuda com alguém que exerce o mesmo trabalho que ele. Tanto Arnaldo como Renato são investigadores, porém com uma diferença. Nato Pinheiro é detetive da polícia civil e Fagundes um dos melhores e mais requisitados investigadores particulares de Porto Celeste.
— O senhor tem uma foto de sua esposa?
— Claro! — Pegou o celular. Abriu na galeria e clicou em uma onde Regina se encontra sozinha. — serve esta?
Arnaldo pegou o telefone das mãos do policial e o que viu na imagem foi uma mulher branca, de sorriso sincero, uma beleza natural pouco vista e um brilho nos olhos transmitindo paz de espírito.
— Pode me enviar, por favor? — devolveu o aparelho. — Já estamos terminando.
Nato lhe enviou a foto via WhatsApp e mais uma vez aquele sentimento que o fez retardar sua vinda ao escritório de Fagundes o fez perguntar “ o que você está fazendo? Ela é sua esposa”. Tal sentimento precisou ser engolido a seco, Renato certamente teria sua saúde emocional prejudicada caso ele tivesse que passar mais algum tempo remoendo essa dúvida.
— E quanto ao acerto, Fagundes?
— Muito bem. Eu costumo receber uma parte agora e a outra na resolução do problema. O QR code é este aqui. — empurrou a plaquinha para o policial.
Tudo acertado, agora chegou a hora de sofrer um pouco mais tendo que aguardar o resultado das investigações. Ao deixar o prédio fazendo uma caminhada vagarosa até seu carro no estacionamento, Nato acompanhou a formação do nó em sua garganta assim como a chegada das lágrimas. “ Regina teria essa coragem?”. Renato e Regina estão casados há um pouco mais de vinte anos. Infelizmente ele chegou a terrível conclusão de que o tempo não foi capaz de lhe mostrar certas coisas. Eles não se conhecem de fato e isso é muito ruim. Dentro do carro ele chorou torcendo para que tudo isso não passe de um sonho ruim.
***
As cinco da manhã quando a maioria dos habitantes de Porto Celeste se encontra dentro dos ônibus, trens, metrôs ou até mesmo em seus veículos a caminho do trabalho, o velho Joaquim, zelador da maior e melhor universidade da cidade, a famigerada Portal do Ensino, termina de varrer os vinte degraus da entrada da faculdade partindo para a quadra antes da chegada dos primeiros alunos e funcionários. Assoviando sabe-se lá que música, o idoso das pernas arcadas andou apressadamente até os fundos do prédio com os primeiros raios solares iluminando o céu informando que o dia será quente mais uma vez.
Joaquim abriu o portão e acendeu as luzes revelando uma quadra poliesportiva digna dos melhores ginásios profissionais. O velho voltou a assoviar sua canção andando até o quartinho onde são armazenados os produtos e o material de limpeza.
— Mais que droga de cheiro é este?
Joaquim já havia enterrado a mão no bolso do macacão para pegar as chaves quando seus olhos recém operados da catarata viram que a porta do quarto se encontrava aberta. Arrombada melhor dizendo.
— Esses alunos são fogo.
O interruptor foi acionado lançando luz sobre um corpo de mulher iniciando sua putrefação. O ancião pôs a mão no peito abandonando o local correndo.
***
Regina sovava uma massa para os salgadinhos que prometeu levar ao encontro das amigas dos tempos de escola enquanto Nato tomava seu café da manhã dividindo a atenção entre olhar as mensagens no celular e as nádegas de sua mulher ainda vestida com roupas de dormir. Não foi uma noite fácil. Mais uma vez ela se negou a fazer amor com ele se dizendo estar indisposta. Diferente das outras vezes, Renato não discutiu. Virou para o outro lado e dormiu.
— Quer dizer que o nosso rapazinho resolveu dispensar a condução escolar? — falou Renato assoprando o café.
— Dezesseis anos, quem diria. — respondeu pondo a massa para descansar.
— Pra falar a verdade eu sinto saudades do tempo em que eu o levava para a escola. Não tem como fazer com que o tempo pare?
Regina riu e se virou.
— Eu só quero ver quando o Arthur aparecer com uma menina por aqui.
— É mesmo. Eu só espero que ele seja um homem de verdade.
Com o cenho franzido Regina abriu a geladeira e pegou o pote com o recheio das coxinhas.
— Como assim, um homem de verdade?
— Homem de verdade é o cara que honra seus compromissos, não trai sua namorada, trabalha.
Silêncio.
— Vai deixar uma coxinha pra mim? — voltou a olhar para as pernas torneadas de sua mulher.
— Acho que dessa vez vou ficar te devendo. Estou fazendo a conta certa.
Mais silêncio. Nato recolheu a caneca e o prato e os colocou dentro da pia. Neste momento seu celular tocou. Era Jorge Gama seu chefe.
— Pinheiro falando.
— Bom dia, Nato. Preciso que vá até a Portal do Ensino, encontraram um corpo lá.
— Cacetada. Na Portal do Ensino?
— Pois é, vai ser um escândalo, mas isso não é problema nosso.
— Pode deixar, estou partindo pra lá agora.
Carteira, chaves, distintivo, telefone, arma e… sem beijos de despedida e nem sequer um tchauzinho de longe. Regina seguia modelando as coxinhas enquanto seu marido deixava o lar rumo a mais um caso com seu lado sentimental bem afetado.
***
Universidade Portal do Ensino. Um nome bastante imponente para a época em que foi erguida na metade dos anos 1970. Hoje em dia, tal nome é visto como uma breguice que não tem mais tamanho. No início dos anos 2000 foi sugerido a mudança para Porto Celeste Faculdade uma forma de homenagear a grande metrópole, mas a galera mais conservadora na sua maioria conseguiu fazer com que seus gestores mantivessem o mesmo nome. Brega ou não, a Portal do Ensino possui sua relevância, nomes importantes que atuam hoje na política se graduaram ali, inclusive o ex vice-presidente da república.
Nato Pinheiro se identificou na recepção. Passou por uma das catracas boquiaberto com a limpeza, iluminação e modernidade que, no bom sentido, há no lugar. Seu sonho na época do ensino médio era fazer medicina ali. Com o passar dos anos e percebendo que jamais conseguiria concluir o curso devido ao seu alto custo ele decidiu partir para o plano B e diga-se de passagem ele está muito feliz sendo um investigador.
— Bom dia, sou da polícia. — se identificou para um dos monitores. — pode me levar até a quadra?
— Por aqui, senhor.
Lógico que o clima não era dos melhores e nem era para ser. Por questões de segurança toda a quadra foi isolada e os curiosos afastados praticamente aos berros por PMs que foram escalados para a guarda do corpo até a chegada da perícia e a divisão de homicídios. Pinheiro deu a volta e entrou juntamente com o funcionário da universidade.
— Muito bem. Daqui pra frente é comigo. Muito obrigado.
Perto da porta do quarto de material de limpeza, dois policiais conversam sobre qualquer outro assunto e com a aproximação do investigador o papo foi encerrado abruptamente.
— Olha só se não é o grande Nato Pinheiro. — declarou o PM branco e careca.
— Como vai, Mendes?
— Eu vou muito bem. Que bela manhã de segunda não acha?
— Não pra ela. — falou o outro policial negro apontando para o cadáver.
Apesar da brincadeira, realmente não deve ter sido fácil para aquela jovem morena. Assim que bateu os olhos no cadáver, o detetive percebeu claros sinais de agressões e também algo que o deixou intrigado.
— Como assim? — Acocorou-se.
— O nome dela, segundo os alunos e funcionários, é Sofia Cury. — informou o careca.
Sofia Cury. Uma linda menina de pele cor jambo, cabelos cacheados, lábios carnudos incrivelmente sensuais. Nato sacou o celular e bateu meia dúzia de fotos e neste ínterim o pessoal da perícia deu às caras já afastando quem se encontrava por perto, no caso os dois PMs. O perito ao olhar para o corpo teve a mesma sensação que Nato.
— Quem tatuaria uma pomba na testa?
— Não é uma tatuagem. Este desenho foi feito com algum tipo de caneta piloto. — Nato olhou mais uma vez. — Quais as suas impressões a princípio?
— Essa moça foi espancada até a morte a meu ver. — pegou a mão da morta. — eu acho que o autor do crime teve o cuidado de limpar as unhas dela, veja, sem sinais de resistência. O cara é esperto.
Ele pode até ser esperto limpando as provas, porém deixou sua assinatura bem amostra, pensou Pinheiro ainda observando o trabalho dos peritos. “ Seria ele um psicopata?”. A fim de abrir mais espaço, o policial se retirou do local já tentando encaixar as peças do quebra cabeça quando seu celular tocou. Era Arnaldo Fagundes.
— Duas notícias, uma boa e a outra nem tanto. Qual você quer primeiro?
— Ah, sei lá. A boa primeiro. — se encostou na grade.
— Ela realmente se encontrou com as meninas e se divertiu bastante.
— Que bom pra ela. E a ruim?
— Após o encontro ela entrou no carro de uma delas e partiu rumo a zona Norte da cidade. Eu fui atrás, porém houve um acidente bem na pista onde eu estava. Eu as perdi de vista.
— Você precisa resolver isso pra mim, Fagundes. — Neste momento o perito o chamou. — preciso desligar, o dever me chama. Siga com o trabalho.
— Encontramos sêmen nas roupas dela. — disse o perito ainda de longe.
— Então ela foi violentada sexualmente também?
— Isso só saberemos com exames mais profundos no laboratório. Vou tentar correr com isso.
— Show! Pode me ligar a hora que for.
Como já não bastasse um crime dentro de uma das mais importantes universidades do país, tudo leva a crer que houve sim violência sexual e isso só ajuda a piorar o que já estar ruim. E a pomba desenhada na testa da vítima, o que o autor quer dizer com isso? Nato Pinheiro acompanhou a retirada do corpo com seus ouvidos poluídos devido ao burburinho formado do lado de fora da faculdade.
Ficou show, meu querido, aguardarei ansioso as demais partes
ResponderExcluirParabéns Júlio!
ResponderExcluirAgora só falta elucidar esse crime hediondo que aconteceu no interior dessa faculdade. E qual é dessa pomba na testa desse cadáver? Tô no aguardo .
Muito bom, Júlio! Conto rápido e muito instigante. Já quero as próximas partes
ResponderExcluirQuero saber o desenrolar dessa instigante história.
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