segunda-feira, 1 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino | Capítulo 1

 


A Bíblia do Assassino


1


     Foram meses dormindo e acordando com o coração e a mente dando sinais de que algo precisava ser feito com urgência. Foram dias convivendo com uma inquietação profunda na alma o alertando que a qualquer momento o seu corpo não resistiria à pressão e por isso Renato se encontra sentado no sofá do apartamento de Arnaldo Fagundes contratando seus serviços. O curioso é que Renato buscou ajuda com alguém que exerce o mesmo trabalho que ele. Tanto Arnaldo como Renato são investigadores, porém com uma diferença. Nato Pinheiro é detetive da polícia civil e Fagundes um dos melhores e mais requisitados investigadores particulares de Porto Celeste.

     — O senhor tem uma foto de sua esposa?

          — Claro! — Pegou o celular. Abriu na galeria e clicou em uma onde Regina se encontra sozinha. — serve esta?

            Arnaldo pegou o telefone das mãos do policial e o que viu na imagem foi uma mulher branca, de sorriso sincero, uma beleza natural pouco vista e um brilho nos olhos transmitindo paz de espírito.

           — Pode me enviar, por favor? — devolveu o aparelho. — Já estamos terminando.

            Nato lhe enviou a foto via WhatsApp e mais uma vez aquele sentimento que o fez retardar sua vinda ao escritório de Fagundes o fez perguntar “ o que você está fazendo? Ela é sua esposa”. Tal sentimento precisou ser engolido a seco, Renato certamente teria sua saúde emocional prejudicada caso ele tivesse que passar mais algum tempo remoendo essa dúvida.

          — E quanto ao acerto, Fagundes?

      — Muito bem. Eu costumo receber uma parte agora e a outra na resolução do problema. O QR code é este aqui. — empurrou a plaquinha para o policial.

         Tudo acertado, agora chegou a hora de sofrer um pouco mais tendo que aguardar o resultado das investigações. Ao deixar o prédio fazendo uma caminhada vagarosa até seu carro no estacionamento, Nato acompanhou a formação do nó em sua garganta assim como a chegada das lágrimas. “ Regina teria essa coragem?”. Renato e Regina estão casados há um pouco mais de vinte anos. Infelizmente ele chegou a terrível conclusão de que o tempo não foi capaz de lhe mostrar certas coisas. Eles não se conhecem de fato e isso é muito ruim. Dentro do carro ele chorou torcendo para que tudo isso não passe de um sonho ruim.


***


     As cinco da manhã quando a maioria dos habitantes de Porto Celeste se encontra dentro dos ônibus, trens, metrôs ou até mesmo em seus veículos a caminho do trabalho, o velho Joaquim, zelador da maior e melhor universidade da cidade, a famigerada Portal do Ensino, termina de varrer os vinte degraus da entrada da faculdade partindo para a quadra antes da chegada dos primeiros alunos e funcionários. Assoviando sabe-se lá que música, o idoso das pernas arcadas andou apressadamente até os fundos do prédio com os primeiros raios solares iluminando o céu informando que o dia será quente mais uma vez.

        Joaquim abriu o portão e acendeu as luzes revelando uma quadra poliesportiva digna dos melhores ginásios profissionais. O velho voltou a assoviar sua canção andando até o quartinho onde são armazenados os produtos e o material de limpeza.

         — Mais que droga de cheiro é este?

        Joaquim já havia enterrado a mão no bolso do macacão para pegar as chaves quando seus olhos recém operados da catarata viram que a porta do quarto se encontrava aberta. Arrombada melhor dizendo.

         — Esses alunos são fogo.

         O interruptor foi acionado lançando luz sobre um corpo de mulher iniciando sua putrefação. O ancião pôs a mão no peito abandonando o local correndo.


***


       Regina sovava uma massa para os salgadinhos que prometeu levar ao encontro das amigas dos tempos de escola enquanto Nato tomava seu café da manhã dividindo a atenção entre olhar as mensagens no celular e as nádegas de sua mulher ainda vestida com roupas de dormir. Não foi uma noite fácil. Mais uma vez ela se negou a fazer amor com ele se dizendo estar indisposta. Diferente das outras vezes, Renato não discutiu. Virou para o outro lado e dormiu.

      — Quer dizer que o nosso rapazinho resolveu dispensar a condução escolar? — falou Renato assoprando o café.

        — Dezesseis anos, quem diria. — respondeu pondo a massa para descansar.

        — Pra falar a verdade eu sinto saudades do tempo em que eu o levava para a escola. Não tem como fazer com que o tempo pare?

           Regina riu e se virou.

           — Eu só quero ver quando o Arthur aparecer com uma menina por aqui.

           — É mesmo. Eu só espero que ele seja um homem de verdade.

          Com o cenho franzido Regina abriu a geladeira e pegou o pote com o recheio das coxinhas.

          — Como assim, um homem de verdade?

          — Homem de verdade é o cara que honra seus compromissos, não trai sua namorada, trabalha.

          Silêncio.

         — Vai deixar uma coxinha pra mim? — voltou a olhar para as pernas torneadas de sua mulher.

         — Acho que dessa vez vou ficar te devendo. Estou fazendo a conta certa.

         Mais silêncio. Nato recolheu a caneca e o prato e os colocou dentro da pia. Neste momento seu celular tocou. Era Jorge Gama seu chefe.

        — Pinheiro falando.

        — Bom dia, Nato. Preciso que vá até a Portal do Ensino, encontraram um corpo lá.

        — Cacetada. Na Portal do Ensino?

        — Pois é, vai ser um escândalo, mas isso não é problema nosso.

        — Pode deixar, estou partindo pra lá agora.

       Carteira, chaves, distintivo, telefone, arma e… sem beijos de despedida e nem sequer um tchauzinho de longe. Regina seguia modelando as coxinhas enquanto seu marido deixava o lar rumo a mais um caso com seu lado sentimental bem afetado.


***


        Universidade Portal do Ensino. Um nome bastante imponente para a época em que foi erguida na metade dos anos 1970. Hoje em dia, tal nome é visto como uma breguice que não tem mais tamanho. No início dos anos 2000 foi sugerido a mudança para Porto Celeste Faculdade uma forma de homenagear a grande metrópole, mas a galera mais conservadora na sua maioria conseguiu fazer com que seus gestores mantivessem o mesmo nome. Brega ou não, a Portal do Ensino possui sua relevância, nomes importantes que atuam hoje na política se graduaram ali, inclusive o ex vice-presidente da república.

       Nato Pinheiro se identificou na recepção. Passou por uma das catracas boquiaberto com a limpeza, iluminação e modernidade que, no bom sentido, há no lugar. Seu sonho na época do ensino médio era fazer medicina ali. Com o passar dos anos e percebendo que jamais conseguiria concluir o curso devido ao seu alto custo ele decidiu partir para o plano B e diga-se de passagem ele está muito feliz sendo um investigador.

          — Bom dia, sou da polícia. — se identificou para um dos monitores. — pode me levar até a quadra?

             — Por aqui, senhor.

        Lógico que o clima não era dos melhores e nem era para ser. Por questões de segurança toda a quadra foi isolada e os curiosos afastados praticamente aos berros por PMs que foram escalados para a guarda do corpo até a chegada da perícia e a divisão de homicídios. Pinheiro deu a volta e entrou juntamente com o funcionário da universidade.

         — Muito bem. Daqui pra frente é comigo. Muito obrigado.

         Perto da porta do quarto de material de limpeza, dois policiais conversam sobre qualquer outro assunto e com a aproximação do investigador o papo foi encerrado abruptamente.

          — Olha só se não é o grande Nato Pinheiro. — declarou o PM branco e careca.

         — Como vai, Mendes?

         — Eu vou muito bem. Que bela manhã de segunda não acha?

        — Não pra ela. — falou o outro policial negro apontando para o cadáver.

        Apesar da brincadeira, realmente não deve ter sido fácil para aquela jovem morena. Assim que bateu os olhos no cadáver, o detetive percebeu claros sinais de agressões e também algo que o deixou intrigado.

         — Como assim? — Acocorou-se.

         — O nome dela, segundo os alunos e funcionários, é Sofia Cury. — informou o careca.

         Sofia Cury. Uma linda menina de pele cor jambo, cabelos cacheados, lábios carnudos incrivelmente sensuais. Nato sacou o celular e bateu meia dúzia de fotos e neste ínterim o pessoal da perícia deu às caras já afastando quem se encontrava por perto, no caso os dois PMs. O perito ao olhar para o corpo teve a mesma sensação que Nato.

         — Quem tatuaria uma pomba na testa?

        — Não é uma tatuagem. Este desenho foi feito com algum tipo de caneta piloto. — Nato olhou mais uma vez. — Quais as suas impressões a princípio?

        — Essa moça foi espancada até a morte a meu ver. — pegou a mão da morta. — eu acho que o autor do crime teve o cuidado de limpar as unhas dela, veja, sem sinais de resistência. O cara é esperto.

       Ele pode até ser esperto limpando as provas, porém deixou sua assinatura bem amostra, pensou Pinheiro ainda observando o trabalho dos peritos. “ Seria ele um psicopata?”. A fim de abrir mais espaço, o policial se retirou do local já tentando encaixar as peças do quebra cabeça quando seu celular tocou. Era Arnaldo Fagundes.

       — Duas notícias, uma boa e a outra nem tanto. Qual você quer primeiro?

          — Ah, sei lá. A boa primeiro. — se encostou na grade.

          — Ela realmente se encontrou com as meninas e se divertiu bastante.

           — Que bom pra ela. E a ruim?

           — Após o encontro ela entrou no carro de uma delas e partiu rumo a zona Norte da cidade. Eu fui atrás, porém houve um acidente bem na pista onde eu estava. Eu as perdi de vista.

           — Você precisa resolver isso pra mim, Fagundes. — Neste momento o perito o chamou. — preciso desligar, o dever me chama. Siga com o trabalho.

         — Encontramos sêmen nas roupas dela. — disse o perito ainda de longe.

          — Então ela foi violentada sexualmente também?

           — Isso só saberemos com exames mais profundos no laboratório. Vou tentar correr com isso.

         — Show! Pode me ligar a hora que for.

       Como já não bastasse um crime dentro de uma das mais importantes universidades do país, tudo leva a crer que houve sim violência sexual e isso só ajuda a piorar o que já estar ruim. E a pomba desenhada na testa da vítima, o que o autor quer dizer com isso? Nato Pinheiro acompanhou a retirada do corpo com seus ouvidos poluídos devido ao burburinho formado do lado de fora da faculdade.

       

       

4 comentários:

  1. Ficou show, meu querido, aguardarei ansioso as demais partes

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Júlio!
    Agora só falta elucidar esse crime hediondo que aconteceu no interior dessa faculdade. E qual é dessa pomba na testa desse cadáver? Tô no aguardo .

    ResponderExcluir
  3. Muito bom, Júlio! Conto rápido e muito instigante. Já quero as próximas partes

    ResponderExcluir
  4. Quero saber o desenrolar dessa instigante história.

    ResponderExcluir