segunda-feira, 8 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino | Capítulo 2

 


A Bíblia do Assassino

Capítulo 2


    Tudo aconteceu exatamente como o chefe de polícia Jorge Gama havia previsto. Porto Celeste se transformou em uma verdadeira atração para os principais jornais do país. Nas mídias sociais não se fala em outra coisa que não seja o assassinato de Sofia Cury dentro da maior e melhor universidade local. Prova disso foi a dificuldade que as equipes policiais e periciais tiveram para deixar o lugar devido ao grande volume de pessoas ao redor da instituição. Nato Pinheiro ao ser reconhecido por jornalistas foi imediatamente abordado por pelo menos meia dúzia deles querendo uma declaração.

        — Alguma pista detetive?

        — Nada! As investigações ainda estão se iniciando.

        — O senhor suspeita que o crime tenha sido motivado por trote…

        — Quanto a isso não sabemos, mas não podemos descartar qualquer hipótese. Ainda é cedo. Vamos aguardar o resultado dos exames periciais.

        Pinheiro respondeu mais duas perguntas antes de conseguir deixar a faculdade. Sua intenção era passar na sala do reitor e tentar conseguir o maior número de informações possível. Informação nunca é demais nesses casos. Dentro do carro, antes de ligar o motor, ele deu uma rápida olhada nas fotos e as ampliou.

         — Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto. — falou com relação a foto da pomba.

*

       Arthur Silva Pinheiro, filho único do casal Renato e Regina. Um bonito rapaz de dezesseis anos que é uma mescla dos pais em questões físicas. Se bem que, muitos dizem que há uma boa parcela de Regina na aparência do jovem, coisa que certamente Nato desaprova. Mas o que importa de verdade é que Arthur tem crescido e ganhado bagagem sob a supervisão dos pais que o amam e desejam que o seu futuro seja bem melhor que o presente deles.

        — Rolou aquela bolinha hoje depois da aula, filhão. — Pinheiro descascava as batatas.

          — Claro que rolou. Botei logo três pra dentro. Fui vice artilheiro da partida.

          — E o teste de física, como foi? — Regina amassava os dentes de alho.

            — Uma porcaria, mas eu acho que fiquei na média.

            — O que já conversamos sobre o ficar na média? — continuou Regina. — Qualquer um pode ficar na média. Só os melhores a ultrapassa. O que acha de estudar um pouco mais?

         Nato jogou as batatas na panela com água e buscou pelo sal dentro do armário.

           — Não vou tirar a razão de sua mãe. Meu velho pai dizia o mesmo para mim. Depois do almoço vamos dar uma estudada juntos. Certo?

        Como fora combinado, Renato se recolheu juntamente com Arthur para o quarto enquanto que Regina esticava as pernas no sofá mexendo no celular. Nato não é nenhum expert em física, mas o pouco que sabe ele auxilia o filho.

          — Pai, posso fazer uma pergunta?

          — Tem haver com o que estamos estudando?

          — Não, mas… — coçou a nuca.

          — Vai logo, pergunte o que quiser.

          — Já pensou em se divorciar?

         De onde esse cara tirou essa ideia?

          — Se eu lhe disser que nunca vou estar mentindo. Digamos que foi algo bem remoto. Por que a pergunta?

            — Sei lá, estou sentindo vocês um pouco distante um do outro.

          Os filhos sentem quando algo não vai bem entre seus pais.

             — Casais passam por fases, meu filho e no momento, eu e sua mãe estamos tentando ajustar nossos ponteiros. É só isso. Não se preocupe.

        O telefone de Pinheiro tocou. Era o perito.

           — O sêmen encontrado no corpo pertence a Lucas Ramos.

           — Lucas Ramos? Quem seria esse?

           — Este é um trabalho para o fantástico Nato Pinheiro. — brincou. — e outra coisa. Já pode descartar a possibilidade de estupro. A menina era virgem.

           — Tá de sacanagem? — deixou a escrivaninha. — e a causa da morte?

          — Ela recebeu duros golpes no rosto e cabeça, porém o que a matou foi talvez um soco na têmpora esquerda.

         — Lucas Ramos! Pode deixar vou fazer uma visita a ele.

           — Boa sorte!

        Arthur já havia terminado e acertado a todas as questões passadas por Nato quando o mesmo o informou que sairia por alguns minutos. Na sala Regina roncava feito uma serra elétrica segurando o telefone junto ao peito. Mais tarde eu converso com ela.

*

     Com o clima um pouco mais ameno ao redor da universidade, Pinheiro pode estacionar seu veículo do outro lado da calçada sem ser incomodado por jornalistas. Lucas Ramos. Aproveitando que o trânsito havia dado uma trégua ele atravessou os dois sentidos da pista e pronto, lá estava Pinheiro de frente para a gloriosa fachada da Portal do Ensino.

       O reitor da universidade, um sujeito de meia idade, alto de cabelos e cavanhaque brancos o recebeu em sua sala que fica no primeiro andar. Nato estava impressionado com a educação e a forma de se vestir do gestor.

       — Preciso das imagens das câmeras.

       — Perfeito. Vou pedir a um dos monitores que o leve até a central de monitoramento.

       — O senhor sabe me informar quem seria Lucas Ramos?

        Barcelos pensou por um instante e logo se recordou de quem seria o nome.

        — Lucas Ramos é o namorado da Sofia Cury.

          — Certeza?

          — Nenhuma! Mas me lembro de vê-lo com ela por aí. Por que?

          — Nada. Eu só tenho que conversar com quem era próximo dela. Esse é o meu trabalho. Fazer perguntas.

        Nato foi levado à sala de monitoramento. Uma bela sala diga-se de passagem. A tecnologia é algo que, nas mãos certas ela é capaz de deixar o mundo de ponta cabeça. Toda essa habilidade foi demonstrada pelo responsável pelas máquinas do sistema de vigilância. Em poucos minutos lá estava Nato concentrado nas perfeitas imagens do dia e horário do assassinato.

        Sofia atravessou correndo a quadra em direção às arquibancadas justamente onde fica o quartinho. Parecia apertada para ir ao banheiro, mas algo a fez mudar a rota. Alguém a chamou?

          — O que ela fazia aqui no domingo?

          — O Barcelos permite que os alunos venham à faculdade e usem as dependências para a prática de esportes, biblioteca e encontros aos finais de semana, tudo isso com bastante antecedência é claro.

         — Você estava escalado nesse dia?

         — Sim!

        Pinheiro deu um tempo na conversa com o monitor para prestar atenção no vídeo. Sofia parece que foi atraída a seguir até o lugar onde ela seria morta.

        — Uma pena que não há câmera no corredor do quartinho. — falou o monitor logo atrás do detetive.

          — Pois é. Pelo visto o criminoso já estava dentro da universidade e mesmo que não haja câmera no corredor, uma hora ele vai aparecer deixando as dependências. Vou seguir acompanhando.

        Sofia Cury desapareceu do ângulo de visão da câmera que fica no final da arquibancada e não voltou mais. Nato Pinheiro passou cerca de quarenta minutos sentado, com os olhos fixos na tela aguardando o surgimento do assassino e ele não apareceu.

        — Como assim? — coçou o queixo.

        — Se o senhor quiser eu posso continuar dando uma olhada…

        — Lhe agradeço. — se levantou. — Tenho que saber com exatidão quem esteve aqui nesse último final de semana. Quero falar com todos. Como consigo isso?

         — Vá até a portaria e peça a folha de assinaturas.

         — Pode fazer isso pra mim?

         — Claro. Vou falar com o Barcelos.

        Antes de embarcar, Pinheiro deu outra olhada no papel xerocado cedido pelo reitor. Haviam poucos nomes na lista. O de Lucas Ramos não constava. Um álibi.


*

    A casa de Lucas Ramos mais parece uma fortaleza com seus muros de quase cinco metros de altura e ainda contando com o auxílio das cercas elétricas bem no alto. Claro que, alguém mal intencionado olharia para tudo aquilo já bolando um plano de como invadir o lugar e roubar todos os pertences. Somente uma família abastada com medo de tudo e de todos faria tal construção. Pinheiro desembarcou não tão rápido. Sua mente no momento se encontrava em outro lugar uma vez que Fagundes o enviou uma mensagem enquanto ele se dirigia à residência do namorado de Sofia. Ao se aproximar do portão e antes de acionar o interfone ele leu o conteúdo da mensagem.

     “Quer dizer que, quando você saiu de casa ela estava dormindo no sofá? Dê uma olhada nesta foto”

        Sim! Infelizmente era Regina entrando em um carro de aplicativo em frente a casa do casal. Arnaldo Fagundes ainda estava online.

        “Ela deixou o bairro e no momento o carro segue pela avenida Patriota”

        Bastante desapontado, Nato digitou.

        Às vezes é melhor não sabermos das coisas. Mas, valeu. Qualquer coisa pode me ligar.

        Trêmulo o investigador apertou o interfone. Aguardou alguns segundos ainda digerindo tudo o que se passava em sua vida no momento. Uma voz metalizada feminina soou.

        — Sou o investigador Renato Pinheiro, o Lucas se encontra?

       — Polícia? O que quer com o meu filho?

        — Eu só quero fazer umas perguntas, senhora.

         — Aí, meu Deus.

       Nato teve que rir. Mães!

       O portão foi destravado e o próprio Lucas surgiu de camisa regata de seu clube de coração, bermuda e descalço. Um jovem boa pinta de cabelos e barba bem feitos.

        — Lucas Ramos, imagino.

        — Sim. Eu já previa esta visita. — Lucas visivelmente abalado cruzou os braços. — é sobre a Sofia, não é?

       Pinheiro assentiu.

       — Vamos entrando.

      Verdade seja dita: Lucas Ramos é um tremendo de um playboy. Um Mauricinho filho de um médico cirurgião de sucesso e de uma empresária no ramo de vestuário. Ao entrar na casa, Nato Pinheiro teve a impressão de estar adentrando em um mundo paralelo onde nada de mal acontece. A ilha da fantasia.

      — Quer um suco? — Lucas voltou a cruzar os braços.

        — Não precisa se preocupar. Não vou demorar.

       Da porta da cozinha para sala surgiu uma mulher aparentemente chegando aos sessenta anos. Bem vestida, imponente e como não poderia ser diferente, esnobe por natureza.

       — Eu te avisei para não se envolver com aquela garota, não é, Lucas?

         — Mãe, por favor. Este é o investigador Pinheiro. Ele só veio me fazer perguntas.

         — Eu vi na lista de presentes no último final de semana lá na faculdade e não consta o seu nome. Aonde estava?

         — Eu até a Levei na universidade. Sofia queria pegar um livro na biblioteca e como estávamos brigados então…

          — Você voltou para casa?

          — Sim, ele voltou para casa. Recebemos a visita da minha irmã e ele passou o restante do dia conosco. — A mamãe também cruzou os braços. Mau de família, pensou Nato.

        — Tem alguma ideia de quem possa ter feito isso? A Sofia tinha algum desafeto?

      — Olha, detetive. Diferente do que minha mãe achava, Sofia era uma menina de ouro. Longe dela querer dar o famoso golpe do baú. — falou olhando para a mãe. — Eu estava curtindo ficar com ela.

      Era a hora de encerrar aquela conversa. Lucas acompanhou o policial até o portão. O clima não era dos melhores, mas como os dois estavam sozinhos, Nato não perdeu a oportunidade.

      — Sofia era virgem e havia sêmen teu nas roupas dela.

       Lucas não esperava por essa, motivo de seu desconforto.

       — Lembra quando falei que estávamos meio brigados? Então. Esse foi o motivo. Fizemos uma brincadeira dentro do carro antes de seguirmos para a faculdade e… eu a sujei. Foi isso. — Abaixou a cabeça.

      — Entendo. Obrigado pela cooperação, Lucas.

      Nato havia dado dois passos em direção ao carro quando Lucas disparou.

      — Promete pegar quem fez isso com ela? — Agora ele estava chorando de verdade.

        — Prometo!

*


    Camisa de mangas compridas, mas dobradas na altura dos cotovelos branca com finas listras azuis. Calça jeans e sapatos pretos engraxados no capricho. Desde quando deu os primeiros passos na carreira como detetive particular, Arnaldo Fagundes sempre gostou de estar bem apresentável. Tirando a calvície, coisa que ele odeio, até que Fagundes não é de se jogar fora, mesmo perto dos sessenta anos ele ainda arranca suspiros das mulheres por onde passa. Enquanto aguarda a saída de Regina de dentro de um barzinho mequetrefe, ele anota o contato de uma nova cliente em busca de respostas sobre a fidelidade de seu namorado. Traição é uma doença contagiosa, pensou vendo a saída da esposa de Pinheiro do estabelecimento. O que ela veio fazer aqui?

    Regina deixou o bar sozinha, parecia feliz, satisfeita, caminhando para o ponto de ônibus. Renato é um cara de sorte. Fagundes aproveitou para registrar o momento batendo algumas fotos e as enviando imediatamente para quem era de direito.

    Ela deixou o bar sozinha.

    Renato está digitando.

    Tem certeza?

    Absoluta! E outra coisa. Ela vai voltar de ônibus.

    Isso não faz sentido. Ela deve passar em outro lugar. Observe em qual linha ela vai embarcar.

     Arnaldo teve uma ideia.

     Ligue para ela. Pergunte se ela está em casa.

     Regina estava parada junto de outras pessoas quando seu celular tocou. Fagundes só observava. Ela falou durante alguns segundos e depois guardou o telefone na bolsa.

     Perguntei se ela estava em casa e ela disse que sim, mas que passaria na casa da mãe daqui a pouco.

      Ela acabou de embarcar no coletivo linha 780.

     Renato está digitando.

     Quando a isso ela não mentiu.

     Vamos ver no que vai dar.

*


    Fones enterrados nos ouvidos. Olhos fechados com o vento fresco, quase frio lhe esbofeteando o rosto. Ele caminha sem pressa para sua residência. Enquanto a música instrumental ressoa como uma canção de ninar ele recordou-se de Sofia, o que ela estaria fazendo agora do outro lado da vida? Fiz um bem tremendo ao além enviando para ele a suculência natural de uma morena. O jeito pode não ter sido o mais adequado, porém o que importa de verdade é a intenção. Sempre foi a intenção o mais importante e assim há de ser.





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