terça-feira, 16 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino Capítulo 3

 


A Bíblia do Assassino 

Capítulo 3


   Todo o ambiente está impregnado pelo aroma do creme corporal usado por Regina desde quando se casou com Renato. É praticamente um ritual após o banho ela se lambuzar dos pés a cabeça do tal produto sentada na ponta da cama. Vê-lá se produzindo antes de ocupar o seu espaço ao lado dele só faz com que Nato se sinta ainda pior. Ele sabe que esta será mais uma noite onde seu desejo de fazer amor será vetado. Mas não custa nada tentar. Ao apagar a luz e se deitar Regina foi abordada pelo policial que finge segurar uma arma.

    — Licença senhora, inspeção de rotina.

  — Ah, poxa senhor policial, pode ser outra hora, estou com pressa.

  — Negativo, senhora, isso precisa ser feito agora. — lhe apalpou os seios.

    Regina se afastava a cada investida do marido e quando perceberam ela se encontrava na ponta da cama, pendurada quase.

    — Qual o seu problema, Rê? — Nato deu por encerrada a brincadeira.

    — Nenhum! — ajeitou os travesseiros.

    — Nenhum? Você acha normal um casal casado não ter relações a quase um mês?

   — Não vejo problema algum nisso. O importante é o amor que sentimos um pelo outro e também, essa época de pegação já passou. — acariciou o rosto do esposo.

    — Quer dizer que, eu, um cara de 46 anos, que não bebe e nem fuma, viril, com saúde, casado com uma mulher bonita e gostosa não precisa mais transar com ela, que essa época já acabou. É isso?

     — Eu não quis dizer isso. Eu só estou tentando dizer que, sexo para nós já não é prioridade. Há outras coisas a serem resolvidas. — puxou o edredom.

    — Tipo? — Nato deu de ombros.

    — Quer mesmo que eu diga?

    A vontade louca de coabitar já havia se dissipado e tudo o que Pinheiro queria naquela hora era desaparecer ou dormir e nunca mais acordar. Ou pelo menos despertar quando finalmente sua mulher estivesse disposta a lhe dar uma noite de amor. Nenhuma das coisas que pensou aconteceu. Minutos depois lá estava ele debaixo de um chuveiro frio fazendo com que a água leve embora toda fúria sentida. Regina segue dormindo e roncando feito uma geladeira antiga.

*


   Às nove horas e quarenta sete minutos daquela manhã nublada, porém abafada de quarta-feira, Jorge Gama dava por encerrada a longuíssima reunião de alinhamento entre os agentes responsáveis por investigar a confecção de passaportes falsos no centro de Porto Celeste. Com muita placidez, sua marca registrada, o chefe de polícia engolia o resto do café frio do copo descartável quando Nato tocou duas vezes no vidro da porta.

    — Bom dia, chefe. Ocupado?

  — Um pouco, mas vá em frente. — juntou alguns papéis.

    — Vou estar voltando a Portal do Ensino agora pela manhã…

  — Já colheu os depoimentos dos presentes do domingo?

    — Ainda não. Eu gostaria de poder voltar lá e conferir com mais minuciosidade o local do crime.

      Gama terminou o que estava fazendo e sentou-se na ponta da mesa.

     — Acha que deixou algo para trás? — cruzou os braços.

      — Tenho essa sensação.

     — Ótimo! E quanto ao desenho na testa da vítima, o que descobriu?

     — Nada ainda.

     Jorge voltou para trás da mesa. Seu desapontamento era bem evidente neste momento.

     — Por isso que eu preciso voltar lá e averiguar mais de perto.

      — Positivo! Tem a minha autorização.

*


    “E o Espírito do Senhor pairava sobre a face das águas”. Todo sangue derramado clama por vingança? Estaria eu condenado a viver para sempre sorvendo o sangue inocente daquela moça? Acho que não. O que me levou a cometer tal atrocidade foi mais forte e aqui estou eu.

*


   O que estaria querendo dizer o assassino desenhando uma pomba na testa de Sofia Cury? Que mensagem ele quer passar? Porto Celeste já foi palco dos crimes mais bárbaros que possam existir, desde linchamentos há execuções sumárias, mas nada dessa natureza.

   — Pomba simboliza paz, pelo que sei. — disse o reitor andando lado a lado com Nato dentro da quadra.

   — Paz? Me perdoe, mas, quem comete esse tipo de crime não quer saber de paz nem aqui e nem na China. — retrucou Pinheiro.

     Eles avançaram para o corredor que dá acesso ao quartinho do material de limpeza. Algo fez o detetive diminuir a marcha.

      — O assassino fez o mesmo caminho que estamos fazendo. — olhou para o alto. — Há uma câmera aqui e outra ali. Certo?

     — Sim! E há outra mais adiante. — completou Barcelos.

     — Impossível. Eu vi e revi todos os ângulos e não há registro das imagens do ângulo de lá. — acelerou os passos.

     A dupla alcançou o ponto exato do onde deveria existir uma câmera apontada para o pequeno corredor e para a surpresa do reitor da universidade, menos para Nato, ela não estava lá.

    — Foi o que pensei. Ele retirou a câmera que ficava aqui, ela lhe entregaria.

      — Deus! — Barcelos fechou os olhos.

   — Lamento informar, mas tenho noventa e cinco por cento de certeza que o assassino desenhista conhece bem todo esse lugar.

     — Um aluno, funcionário? — Barcelos estava em choque.

    — Não posso confirmar isto ainda. Preciso rever mais uma vez as imagens. Vamos lá.

*


   Arthur fazia das tripas coração para tentar se concentrar na tarefa de casa. Português nunca foi o seu forte, e a conversa alta e chata de sua mãe ao celular na sala não o permitia absorver a matéria. Ele abandonou a caneta e o caderno e andou pisando firme até lá.

     — Mãe, pode falar mais baixo? Estou tentando estudar.

    Nem um pouco confortável por ter sido chamada atenção pelo próprio filho, Regina se desculpou com o mesmo e se dirigiu para o seu quarto fechando a porta.

  — Como eu estava falando, tem problemas que nós mesmos procuramos.

      — Você e eu somos prova viva disso, não é?

  — Ah, sei lá. Às coisas foram acontecendo. — cruzou e descruzou as pernas.

     — E como estão as coisas com o Nato?

  — Ontem tivemos um princípio de discussão, mas consegui contornar.

   — Isso já não foi longe demais não? Cuidado, quando um homem não tem em casa ele vai buscar na rua.

     — Está tudo sob controle. — ficou de pé. — Tenho que desligar. Vou ver se o Arthur precisa de uma ajudinha no dever de casa. Beijos.

*


   Alguém havia exagerado ao ajustar a temperatura do condicionamento de ar da sala de monitoramento visto que, era insalubre a permanência ali dentro sem o uso de um agasalho. A rinite de Pinheiro só agradeceu. Neste ambiente gélido também estavam Barcelos com sua típica postura de um diretor de escola e o monitor responsável pelo monitoramento.

    — Além de vocês, quem mais tem acesso a esta sala?

      — Somente a direção e eu, senhor. — falou o monitor.

      — Mais ninguém, você tem certeza? — Nato perguntava ao mesmo tempo que observava as imagens.

      — Tiago veio trabalhar na Portal do Ensino por indicação de outras importantes instituições. Além de um baita inspetor ele também domina essa parte de tecnologia, não é? — apertou o ombro do funcionário.

      — Se o senhor está dizendo… — ruborizou.

     De maneira inesperada o agente pausou o vídeo e pediu para que Tiago ocupasse uma das cadeiras. Devidamente uniformizado, com o crachá pendurado no pescoço exibindo seu nome completo e foto sem sorriso, o rapaz de aparência comum, cabelos crescidos, olhos negros amendoados ficou frente a frente com o policial.

      — Veja bem, Tiago… — olhou para o crachá. — Tiago Garcia. É o meu dever arrancar o máximo de informações das pessoas que estiveram aqui no domingo da morte de Sofia Cury então…

     — Pode perguntar o que quiser, doutor.

    — Além do namorado, com quem mais ela mantinha contato aqui na faculdade?

    — Eu a via muito com as outras meninas de outros cursos na hora do intervalo.

    — Você alguma vez já conversou com ela?

   Barcelos entrou na conversa respondendo pelo funcionário.

  — Não é permitido pela instituição qualquer tipo de aproximação dos nossos colaboradores para com os alunos. Tiago sabe muito bem disso.

   — Quando o expediente terminou no domingo, qual foi o procedimento?

   — Padrão! — seguia sentado sem se mover quase. — verifiquei se haviam esquecido algo nas dependências, tranquei os portões. Ativei os alarmes e sai.

    Tudo o que Tiago estava dizendo batia com o que Nato havia visto nas imagens. Mas ainda assim algo não permitia com que o policial se desse por satisfeito. Por hora o funcionário foi liberado. Barcelos aproveitou o ensejo para seguir com seu trabalho em sua sala deixando o agente sozinho. Muito contra a sua vontade, mas entendendo que se fazia necessário rever os vídeos, Nato relaxou na cadeira e acionou seu radar de polícia o fazendo trabalhar em sua maior potência. Minutos depois ele deixava a sala dos monitores correndo para dar voz de prisão a Tiago.




  

Um comentário:

  1. Olá, vim aqui por indicação da Thais. Tá muito boa essa série! Estou gostando dos contos. Abraços

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