segunda-feira, 22 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino | Final

 


A Bíblia do Assassino 

Final


  Como ele pode deixar isso escapar? Estava bem ali diante dos seus olhos e ele não viu. Um claro exemplo de que nada, absolutamente nada pode ser ignorado por um agente de polícia. Há erros de continuidade nas imagens, mostrando claramente que o vídeo foi editado — muito mal editado por sinal — Tiago Garcia tem muito o que explicar.

   Na porta da reitoria há muito bem escrito e em letras garrafais a seguinte orientação: Bata e aguarde. Ignorando tal aviso, Pinheiro invadiu a sala de Barcelos que ficou sem reação.

      — Aonde está o Tiago?

   — Posso saber o que aconteceu? — Barcelos tinha o rosto ruborizado.

    — O que aconteceu é que, o seu monitor adulterou o vídeo.

    — O senhor tem certeza? Tiago é de extrema confiança…

  — Barcelos, podemos discutir isso depois, agora preciso encontrá-lo com urgência.

     — Está certo. Vou chamá-lo pelo rádio.

*


    A universidade se encontrava em pleno funcionamento e com uma certa movimentação de alunos. Por onde quer que se olhava haviam pessoas passando ou simplesmente sentadas nos bancos de concreto disponíveis para o público nos arredores do prédio. Tiago carregava com um certo cuidado sua mochila na mão esquerda. Na direita ele conferia se o carro que solicitou já estava a caminho. Droga, vem logo.

     O plano é o seguinte: arremessar a mochila por cima do muro que fica nos fundos. De antemão ele conferiu se não havia perigo de alguém levá-la enquanto ele dá a volta saindo por outra entrada. Não! Não há perigo de alguém levar seus pertences, pelo menos não neste horário.

     Odeio trabalhar sob pressão, isso faz com que meu estômago grite pedindo por um antiácido. 

    Tiago alcançou o muro. Olhou mais uma vez para o celular e viu que faltavam menos de dois minutos para a chegada do Uber que o levará para a rodoviária de Porto Celeste. Abriu rapidamente a mochila a fim de conferir se não havia esquecido de nada. Tudo em ordem. Ele mediu a altura do muro calculando o quanto de força teria que imprimir. Vamos nessa, Tiagão. Lançou. A bolsa bateu na ponta e voltou em seu rosto. Mais uma tentativa. Nada. Quando se preparava para o terceiro lançamento, a voz firme de Nato fez com que seus ombros caíssem.

     — Tiago Garcia. Fique onde está. — falou apontando sua arma. — Você está preso.

     Ainda não entendendo muito bem o que se desenrolava perante seus olhos, o monitor fez menção de correr em direção a outra saída mesmo ela estando há uns bons duzentos metros dali.

     — Não faça nenhuma besteira Tiago. Venha comigo.

      Logo atrás do policial estava Barcelos visivelmente apreensivo e uma dezena de alunos e funcionários assistindo todo o circo formado.

    — Eu sou o consolador. Eu cumpri minha missão e agora é hora de sair de cena.

     O que este louco está dizendo? Pensou o agente dando mais um passo.

      Do lado de fora da faculdade o carro de aplicativo buzinava feito um alucinado e enquanto isso o seu passageiro surtava a cada ordem dada por Nato.

     — Você não será o ponto final em nossa trajetória. — correu pra cima da autoridade.

     — Por favor, Tiago, facilite às coisas. — impôs mais a arma.

     Tiago desferiu de maneira desastrosa alguns socos em Pinheiro que passaram em branco. Vendo o seu não sucesso em atingir o policial com murros, ele investiu também com os pés. De nada adiantou. Pelo contrário. Percebendo que seu oponente pode entender muito bem de tecnologia, porém não saca nada de briga, Nato lhe aplicou uma rasteira tão precisa que o fez sair do chão e se “estabacar” feito uma fruta podre no solo duro.

      — Já chega! — apertou o cano da pistola contra o nariz de Tiago.

*


     TV, jornais, internet e principalmente todo o povo de Porto Celeste naquela manhã de poucas nuvens comentava sobre o ocorrido dentro da Portal do Ensino. Estampado na primeira página do maior tabloide estava Tiago Garcia deixando a universidade com as mãos algemadas para trás sendo conduzido por Renato Pinheiro até a viatura. Jorge Gama e todo o restante do pessoal do departamento de polícia não parava de tecer elogios ao colega de trabalho. Nato já não aguentava mais tantos abraços e tapas nas costas.

      — O sujeito é bem malandro e cara de pau também. Editou o vídeo e lhe deu na cara dura. — Gama segurava o jornal.

     — Acredita que eu vi e revi o mesmo vídeo diversas vezes e não percebi. Um mínimo detalhe o entregou.

   — E qual foi? — Jorge fechou o periódico.

      Pinheiro abriu o vídeo em seu telefone e o analisou juntamente com o chefe. A priori Jorge nada percebeu.

      — Presta bastante atenção na lata de lixo lá no final. Veja. No minuto 2:34 ela está lá e no 2:36 ela some como num passe de mágica.

      Gama xingou alto.

      — Vai interrogá-lo ainda hoje?

      — Agora mesmo.

*


    O que esperar de um assassino preso há um pouco mais de doze horas, sentado dentro de uma sala com uma iluminação baixa e refrigerada em seu nível máximo? Protestos, agitação, gritaria e pedidos de ligação para algum advogado. No caso de Tiago Garcia, a situação é justamente ao contrário. Ao entrar na sala de interrogatório, Nato Pinheiro contemplou um sujeito com a expressão mais serena do que a de um monge budista e a tranquilidade de alguém diante de um mar sem ondas. Tiago tinha as mãos algemadas e as algemas presas na mesa de tampo de aço inox. Ele levantou seu olhar para o investigador e sorriu.

    — Você me venceu. Merece todo o meu respeito.

    — Não foi tão difícil assim. — puxou sua cadeira.

    — É verdade. Como não vi aquele erro na hora da edição. Acredita que passei cerca de duas horas fazendo aquela porcaria de vídeo?

    — Não brinca? — entrelaçou os dedos.

    Tiago anuiu.

    — Vamos em frente. Quero saber porque matou Sofia Cury?

    — Sofia foi a escolhida. Simples. — falou sem esboçar qualquer sentimento.

    — Escolhida? Você pertence a algum tipo de seita?

     — Seita? Não! Esse tipo de coisa é conversa pra boi dormir. Eu sou livre.

     — A pomba desenhada na testa dela tem alguma coisa a ver com esse negócio?

     — Que negócio? — perguntou com ar de riso.

    — Opa! Quem faz as perguntas aqui sou eu. — Nato segue com os dedos entrelaçados. — Você a espancou até a morte porque?

  — Como eu falei, Sofia Cury foi a escolhida. Foi sacrificada e recebeu o seu selo por isso.

  — No caso, o tal selo é a pomba desenhada?

     — Exatamente! — fechou os olhos.

    — Você a escolheu aleatoriamente?

   — Nem tanto. Digamos que eu já nutria algum sentimento por ela. Quando a vi de mãos dadas com o namorado meu coração se encheu de furor então uni o útil ao agradável.

    Nada faz sentido. Esse cara surtou de vez. Pensou olhando nos olhos de Tiago.

   — Tudo bem. Então não há a possibilidade de Sofia Cury ter sido vítima de uma seita ou algo desta natureza?

   — Lhe asseguro que não.

   A paciência de Nato já havia se esgotado.

  — Diga o que foi aquilo então. — vociferou. — quando eu te prendi você mencionou nós. Tem mais alguém envolvido?

     Nesse momento o semblante do rapaz se tornou soturno e a partir daí ele não falou mais nada acendendo a fúria do agente.

     — Uma moça jovem, inocente morreu, teve a vida interrompida pelo capricho de um maluco. Você será condenado e espero que sofra na cadeira, seu merda. — levantou-se.

    O capricho de um maluco! Gostei. Como não pensei nisso antes? Condenação e sofrimento são coisas que somente o nosso corpo mortal pode sofrer. Eu sou o consolador e fui retirado do pódio. Talvez eu não tenha feito as coisas como deveriam ser. Sigamos então.

*


   Revolta. Tristeza. Consternação. Todos estes sentimentos orbitavam entre os muros do cemitério, deixando uma atmosfera que já é carregada ainda mais insuportável. Nato não queria estar lá, mas era preciso. Assim que pôs os pés naquele lugar, ele foi rodeado por dezenas de repórteres lhe fazendo perguntas sobre a resolução do caso Sofia Cury. Enquanto dava atenção aos profissionais de imprensa Pinheiro pode notar a saída de Lucas Ramos abraçado ao pai e a mãe de sua finada namorada de dentro da capela onde o corpo era velado.

  — Com licença. — passou pelos jornalistas.

    — Detetive Pinheiro. — Lucas tinha os olhos vermelhos. — que bom que o senhor veio.

     Após prestar suas condolências aos pais de Sofia, Nato recebeu os agradecimentos do jovem namorado enlutado.

    — O senhor realmente pegou o culpado. A justiça foi feita. Obrigado. — estendeu-lhe a mão.

    — Não precisa me agradecer.

    Sofia Cury foi sepultada sob uma calorosa salva de palmas, alaridos e gritos de protestos. A emoção tomou conta de todos e isto inclui o agente da civil acompanhando toda situação um pouco mais afastado.

*


   — O que tem pra mim, Fagundes? — Nato puxou uma cadeira.

  — Sua esposa anda me dando muito trabalho, hein. — Arnaldo organizava algumas fotos sobre a mesa.

   — Sério? Ela é tão escorregadia assim?

  — Demais. É preciso fazer um trabalho de garimpeiro. Vou cobrar a mais. — brincou.

   — Putz! Aí você me quebra.

   — Relaxa. Como eu falei, dona Regina tem feito as coisas muito bem feito, ou…

  — Ou ela não tem outro. — Nato se inclinou.

   — Quem é esta? — pegou uma das fotos.

   Pinheiro segurou a foto e viu uma negra linda de sorriso largo e não só isso, ela também era gostosa.

    — Esta é a Júnia. — devolveu a foto.

  — Júnia Lemos, acertei? — Fagundes devolveu a foto para dentro de sua agenda. — vou acompanhá-la mais de perto.

   Renato ficou sem chão.

*


   — Tiago Garcia, visita pra você. — informou em alto e bom som o carcereiro.

     Tiago foi levado para uma sala que fica no final do corredor onde alguém o aguarda. Ao ver tal pessoa o seu semblante mudou da água para o vinho.

    — Ah! Se não é o meu Salvador.

Fim da parte 1

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