segunda-feira, 3 de junho de 2024

A Bíblia do Assassino | Parte final | Capítulo 1

 


A Bíblia do Assassino 

Parte final

Capítulo 1


Alguns meses antes 



Cinco horas de estrada. Cinco horas de curtição com direito a música eletrônica no último volume. Todos se divertiam, menos Felipe Corrêa que estava ao volante com sua cara de preocupação de sempre.

  — Que tal se você melhorasse essa sua cara, hein, Felipe? — despejou Rogério.

  — Estou cansado. Dirigir cinco horas sem substituição não é nada fácil. O carro é seu, Rogério. Você quem deveria dirigir não eu.

  — Meu brother. Você terá as melhores férias do mundo, tudo patrocinado por mim e ainda quer que eu dirija? Ouviu essa Tiago.

  — Tem razão, Rogério.

  De acordo com o GPS eles haviam chegado ao lugar onde passariam os quinze dias de diversão garantida por Rogério. Um sítio localizado na divisa de Porto Celeste com o estado de Minas Gerais. Um lugar simplesmente maravilhoso onde o verde e o marrom são cores predominantes.

  — Uau! — Tiago estava boquiaberto. — Seus avós viviam aqui?

  — Pois é, maninho. Aqui encontram-se as raízes dos Galvão.

  — Parece o céu. — expressou Felipe.

  — Como assim, você já esteve lá por um acaso? — zombou Tiago.

 — Imaginem só durante quinze dias acordando e contemplando essa pintura. Massa demais. Vamos lá.

  Depois de instalados é chegada a hora da exploração do lugar. Conduzidos pelo caseiro que vem a ser um primo de segundo grau de Rogério, o trio foi conhecer onde seu avô fabricava a melhor cachaça da região.

  — Galera. O velho Geraldo Galvão além de fabricar ele também gostava de encher a caveira, não é verdade primo?

  — É verdade. Seu Geraldo não era fácil. Vivia caído no meio das plantações por aí.

  O dia estava quase chegando ao seu final quando eles chegaram a um lugar onde o caseiro os alertou que não entrassem lá de forma alguma. Uma pequena construção feita de alvenaria sem embolso por fora.

  — Aqui era o escritório do seu Geraldo. Ninguém além dele podia entrar. É um lugar amaldiçoado.

  — Amaldiçoado? — falou Felipe.

  — Eu gosto de coisas amaldiçoadas. — brincou Rogério.

  — É melhor não brincarmos com isso. — fez o sinal da cruz. — Vamos sair logo daqui.

*


 Rogério, Tiago e Felipe comiam o cozido feito por tia Francisca na grande mesa da cozinha. A idosa lavava as louças e contava casos de deixar qualquer couro cabeludo arrepiado, o mais assustado do trio era Felipe que resmungava o tempo inteiro.

  — Por isso peço que não inventem de entrar naquele quartinho lá em cima, estão me ouvindo?

  — Mas, tia. O que pode haver lá dentro? — questionou Rogério.

 — Não sei e nem quero saber. Boa noite.

 O que uma construção tão inofensiva como aquela que fica no alto do sítio poderia oferecer de risco para quem por curiosidade possa adentrar em suas dependências? Nada, pensou Rogério antes de se preparar para se deitar. Tudo o que é oculto fascina e é claro que o herdeiro legítimo da família Galvão não conseguirá dormir tranquilo sem antes descobrir o que seu avô tem escondido dentro daquele quartinho horroroso.

 — Brother, não acho uma boa ideia. — disse Tiago já deitado. — E você, Felipão?

 — Eu muito menos. — Felipe encontrava-se folheando uma enciclopédia.

 — Tudo isso é coisa de velho caduco. Imaginem só, depois de tantos anos, três rapazes descobrem que o velho Geraldo Galvão guardava uma coleção limitada da Playboy dos anos oitenta dentro de um quartinho fedendo a rato? Seria hilário. Vamos lá?

*


 Rogério Galvão pode não ser um bom aluno na faculdade, ou até mesmo ter uma certa dificuldade de se relacionar com as pessoas, mas se há algo que ele dá de dez em outros é o seu poder de venda, de convencimento. Ele conseguiu arrastar Felipe Corrêa sítio acima, tarde da noite para ajudá-lo a explorar um lugar que, segundo seus próprios moradores é macabro.

 — Chegamos. Vamos logo com isso. — falou Felipe segurando o celular com a lanterna ativada.

 — Pode deixar que eu abro. — Rogério sacou do bolso um garfo. — ilumina aqui.

 Não havia cadeado ou correntes, somente uma velha e enferrujada fechadura. Foi fácil abri-la. Às dobradiças soaram longamente, fazendo o trio arrepiar dos pés a cabeça.

 — Entrem. — disse Rogério meio que receoso.

 Para uma melhor locomoção no interior do quarto, ambos acionaram as lanternas dos smartphones e sim, havia energia elétrica, mas para não chamarem atenção decidiram manter somente os telefones. Uma mesa com duas cadeiras. Uma cama com colchão de espuma rasgada fedendo a urina de rato. Um pequeno armário com meia dúzia de garrafas vazias de cachaça barata em cima. Um saco de lixo preto com algumas peças de roupa. Uma pia imunda e só. O que meu avô fazia aqui? Pensou Rogério tentando abrir as portas do armário.

 — Pronto, já vimos o tem aqui dentro, agora vamos. — colocou Felipe.

 — Não antes de abrir esse armário. Alguma coisa me diz que tem algo valioso aqui dentro. — sacou mais uma vez o garfo.

 — Seja rápido então. — Tiago também estava inquieto. — As vibrações desse lugar não são boas.

 — Também acho. — endossou Felipe.

 — Vocês parecem duas bichas falando. Pronto consegui.

 Não havia o que Rogério esperava. Na verdade, à primeira vista o armário se encontrava vazio. Questionando bastante pelo fato de seu avô ter um armário vazio trancado, Rogério foi alertado por Tiago quanto à existência de um volume na parte de baixo no primeiro compartimento.

 — Parece um livro ou caderno enrolado num pano de prato surrado.

 — Deve ser macumba. Deixa isso quieto aí, Rogério. — falou Felipe.

 — Cara, chegamos até aqui, eu não vou conseguir dormir sem saber o que tem aqui dentro. — desfez os nós do pano revelando uma velha agenda de capa marrom. — Meu Deus. — Na primeira página o que havia escrito em letras garrafais de uma caligrafia perfeita deixou o neto de Geraldo Galvão com a garganta seca.

 — O que foi, Rogério, o que tem aí? — Tiago engoliu seco várias vezes.

 Rogério lhe entregou a agenda.

 — A Bíblia do Assassino? Que coisa de doido é essa? — Tiago a passou para Felipe.

 — Coisa boa não deve ser. — a devolveu a Rogério.

 — Claro que eu vou ler. Frase por frase, palavra por palavra e letra por letra.

*


 Horas depois, os três estavam chocados com o que leram. O conteúdo da agenda era sim bastante forte, aterrorizante e revelador.

 — Senhor Geraldo Galvão, um assassino. — resmungou Felipe. — Será que mais alguém sabe disso?

 — Sei lá. — Rogério seguia lendo. — E escutem só o que ele escreveu aqui no final. “ Quem tiver contato com essa bíblia será possuído pelo espírito assassino preso dentro dela”. Cruz credo.

 — Seu avô não sabia brincar mesmo. — brincou Tiago.

 — Isso aqui não é brincadeira. Pelo visto meu avô levava a sério tudo isso aqui, tanto que ele matou três pessoas. Caramba.

 — E esses desenhos aqui. Uma pomba, uma cruz e um sol. — Felipe tremia.

 — Você não entendeu nada mesmo não é? Em cada pessoa morta por ele, foi feito na testa um desenho.

 — E o que significa? — Agora foi a vez de Tiago questionar.

 — Putz! A santa trindade do assassino. Ele deixou bem claro na página quarenta.

 Felipe estalou as falanges.

 — Saquei. Igual a bíblia cristã mesmo. Acertei?

 — Viu? Não foi tão difícil pensar. O Espírito Santo é representado por uma pomba. Cristo, por uma cruz e Deus pai um sol. Que loucura.

 — E agora estamos amaldiçoados. — Tiago riu. — De onde seu Geraldo tirou isso?

 — Sei lá. Minha mãe falava que ele gostava de ocultismo. Ele deve ter mexido com o que não devia e acabou fazendo merda.

 — Igual a gente. — reclamou Felipe.

 Contra a vontade dos amigos Rogério levou a tal agenda com ele para dentro da casa do sítio. Não foi uma noite comum. Ambos tiveram pesadelos, sentiram como se algo ou alguém os prendessem na cama e isso por diversas vezes. Eles choraram juntos e riram juntos e pela manhã arrumaram suas coisas e se foram. Dentro do carro, depois de um bom tempo em silêncio, de maneira inconsciente Rogério se referiu a Tiago como pomba e o mesmo não se importou com isso.

 — E você, Cruz, está com a gente ou vai pular fora? — pôs a mão no ombro de Felipe que dirigia.

 — E se eu não fizer, o que pode acontecer comigo? Me responda, sol da justiça.

 Rogério tinha no rosto um sorriso estranho e por dentro uma ansiedade sem precedente, era algo que o queimava.

 — Não adianta tentar fugir. Isso só vai parar quando você consumar o pacto. — não parava de mexer as mãos. — Tiago, a pomba, será o primeiro. Já tem alguém em vista?

 — Brother, pior que já. Isso é incrível, ela me veio à cabeça assim que acordei.

 — Ótimo! — Rogério bateu no painel. — Esse negócio de maldição existe mesmo, eu posso sentir e vocês?

 Tiago e Felipe disseram que sim simultaneamente.

 — Eu sou o sol da justiça. Esse sol precisa raiar e ele há de raiar. Pisa fundo, cruz.






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