terça-feira, 18 de junho de 2024

A Bíblia do Assassino | Parte final | Capítulo 3

 


A Bíblia do Assassino 

Capítulo 3 

Parte final 


 No fundo, no fundo, o sonho de Joyce era se formar em enfermagem. Desde criança ela já demonstrava habilidade e vocação para a profissão. Talvez porque sua avó materna tenha sido uma enfermeira de mão cheia que cuidava de seus pacientes como se fossem membros da família. Joicinha acompanhou de perto situações onde ela pode prestar os primeiros socorros a pessoas acidentadas ou sofrendo de mau súbito até a chegada da equipe médica. Foi um divisor de águas na vida da pequena Joyce.

 Infelizmente ela não pode concretizar seu sonho. A vida lhe pregou algumas peças e ela precisou se agarrar na primeira oportunidade que lhe apareceu. Secretariado. Pode não ser a profissão dos sonhos, mas não chega a ser um peso em sua vida. Tudo que vem à mão ela faz com amor e dedicação e isso já lhe rendera algumas vezes o título de funcionário do mês e até do ano. 

 Pela câmera ela viu quem tocava o interfone.

 — Pois não?

Oi, eu gostaria de saber mais informações sobre os apartamentos.

 — Só um momento. — destravou o portão.

 Na portaria da recepção surgiu um rapaz mediano. Branco, olhos grandes e claros. Cabelos bem cortados e sem barba. Rogério Galvão estava vestido com uma calça jeans preta, sapatos também pretos e camisa branca básica por dentro da calça. Joyce não sabia para onde olhar.

 — Oi. Me chamo Rogério Galvão. Vi que há um apartamento para alugar.

 — Sim, sim. — deixou o balcão.

 — Só me tira uma dúvida. Foi aqui que aconteceu aquela tragédia com Carlos Henrique Dias?

 — Exatamente. Espero que isso não seja um empecilho.

 — De forma alguma.

 — Então, senhor Rogério. Vai querer dar uma olhada no apartamento?

 — Hoje eu estou um pouco apertado com o horário, mas eu vi no Instagram as fotos. São bem grandes os apartamentos. Qual o seu nome mesmo?

 — Joyce.

 — Ótimo. Joyce. Gostei. Bom, eu já vou indo.

 — Tem certeza, não vai querer dar uma olhada no apartamento? — arqueou uma das sobrancelhas.

 — Absoluta. — andou em direção a saída.

 Cada uma que me aparece. Pensou voltando para trás do balcão.

*


 Nato certificava se o mise en place se encontrava do jeito que ele pediu e para sua decepção faltava o cheiro-verde picado. Joyce olhou para ele já aguardando o puxão de orelha.

 — Terei que demiti-la da função ajudante de cozinha.

 — Sério?

 Joicinha se aproximou e o acariciou nas partes íntimas.

 — Mesmo depois desse pedido de desculpas?

 — Prometo pensar no seu caso. — pegou a frigideira. — E como foi o seu dia?

 — Foi tranquilo. Tirando um sujeito estranho que apareceu por lá.

 Renato pegou os ovos e a margarina na geladeira.

 — Sujeito estranho? Como assim?

— É! Ele se mostrou interessado em alugar um dos apartamentos e simplesmente não quis conhecer.

 Mussarela, presunto, cebola e tomate. Tudo foi jogado junto com os quatro ovos dentro da frigideira.

 — Viu se estava de carro? Gravou a fisionomia dele?

 — Era lindo de morrer.

 Nato girou nos calcanhares.

 — Mais do que eu?

 — Lógico que não.

 Brincadeiras a parte, Nato acionou seu lado policial depois do comentário e inexplicavelmente o Cruzer preto lhe veio à mente.

 — Se ele estiver realmente interessado em alugar o apartamento, ainda esta semana ele voltará. — pegou a colher de pau.

 — E se ele não voltar? — pegou os pratos dentro do armário.

 — Omelete pronto. — desconversou.

*


 Desde quando Regina deixou o seu lar para recomeçar ao lado de Júnia, Arthur vem revezando entre passar dias e noites com Thais e ficar com seu pai. O clima não anda legal e por isso, de algum tempo pra cá o adolescente vem pensando seriamente em ficar de vez morando com sua namorada. Até mesmo o aluguel de uma quitinete já é assunto em pauta. Como não poderia ser diferente, Thais Gusmão se nega, é claro.

 — Fora de cogitação. — mordeu o hambúrguer.

 — Posso saber por que?

 — Nós só temos dezesseis anos, Arthur. Você nem trabalha, vamos viver do que?

 — Eu posso trabalhar durante o dia e estudar à noite. — pegou uma batata frita.

 — Meu pai surtaria e minha mãe nem se fala. Esquece. Por que você não tenta se acertar com seu pai ao invés de fugir?

 — Meu pai é um cara legal, mas é ausente e agora com essa namorada nova ele mal para em casa.

 — Vá morar com sua mãe então. — abriu outro sachê de maionese.

 — Não daria certo também. Não por mim, mas por Júnia. Não seria legal.

 Rogério atravessou a lanchonete em direção ao balcão olhando para a enorme tabela com as imagens e os valores dos sanduíches fixada logo atrás. Enquanto era atendido, Arthur e Thais seguiam em sua mira. Que dúvida cruel. Ele ou a namoradinha? A esposa ou a namoradinha do papai? Quem receberá o sol da justiça?

*


 Em um novo relacionamento requer atenção e dedicação em todos os sentidos. Para Regina e Júnia, recomeçar é algo praticamente inédito na vida de cada uma delas. Para se ter uma ideia, a ex de Nato Pinheiro nunca foi muito simpática aos exercícios físicos, principalmente os realizados ao ar livre antes das oito da manhã. Hoje em dia Regina não consegue se ver sem pelo menos dar suas dez voltinhas ao redor da praça. Calça legging preta, camisa verde marca texto, boné branco e tênis rosa. Segundo sua namorada, ela mais parece um carro alegórico.

 Faltando duas voltas para encerrar a atividade, Regina foi abordada por Rogério Galvão lhe pedindo informação de dentro do seu Cruzer.

 — Por gentileza. Me desculpe se estou atrapalhando sua caminhada, mas eu estou perdido. Qual o nome dessa praça?

 — Praça Ministro Paulo Guedes.

 — Ah, sim. Obrigado. Só mais uma coisa. — Abriu o portão-luvas. — Entre no carro sem fazer alarde. — apontou uma pistola Glock prata.

 — Mas… — fez menção de correr.

 — Se você correr, serei obrigado a atirar em suas costas e é bem provável que você fique com sequelas irreparáveis. Entre.

 Já dentro do carro Regina foi obrigada a desligar o celular e entregá-lo a Rogério.

 — Muito bem, começamos bem…

 — Olha, eu não tenho mais nada a ver com o Renato. Nós estamos separados, se acerta com ele e me deixa em paz… — tremia as mãos.

 — Eu não sabia que estavam separados. Vou querer saber dessa história quando chegarmos lá. — saiu com o carro.

 — Lá aonde, pelo amor de Deus?

 — Surpresa! — deixou a praça. — se eu fosse você, não tentaria gritar ou abrir a porta e pular. Não se preocupe, vai dar tudo certo no final. Relaxa.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário