segunda-feira, 10 de junho de 2024

A Bíblia do Assassino | Parte final | Capítulo 2

 


A Bíblia do Assassino 

Capítulo 2

Parte final



 Toda mudança gera tensão e também expectativa seja em qual área for da vida. Mudanças não são bem vindas, porém se fazem necessárias. Alguns mudam para pior o que é uma terrível perda de tempo. Outros mudam para algo ainda melhor e mais intenso. Quando Nato viu Joice pela primeira vez, ele nunca imaginou que, aquela moça pequena, nem tão bela assim seria a mulher que traria a alegria e a certeza de viver um bom relacionamento. Ambos estão satisfeitos um com o outro e é isso que importa.

 — Por que sinto que, às vezes, você se encontra distante? — segurou nas mãos do namorado policial.

 — Como assim?

 — Eu sei que faz pouco tempo que estamos juntos, mas, acho que é importante falarmos sobre isso.

 Nato olhou ao redor e de repente toda aquela praça de alimentação se tornou ainda maior, Regina estava por toda parte.

 — Foi traído. E querendo ou não, isso machuca bastante. Eu sempre lutei para manter minha família unida, um casamento sólido e no entanto fui trocado por outra. Incrível não acha?

 Joice assentiu.

 — E o que está achando do jantar? — Nato olhou e o prato da namorada encontrava-se vazio.

 — Eu não resisto a um bom camarão.

 — Então vamos de sobremesa, que tal uma mousse de maracujá com chocolate?

 — A dieta que se dane.

 Às vinte e duas o HB20 branco de Nato deixava o estacionamento do shopping. Logo atrás um Cruzer sedan preto também saiu.

 Renato queria esticar um pouco mais a noite e aproveitar melhor o tempo fresco de Porto Celeste com Joicinha a seu lado.

 — Amanhã é dia de trabalho. — falou Nato dando seta para a direita.

 — Quem disse isso? Pedi para trocar minha folga assim que você me convidou para sair hoje.

 — Sério? Então vai dormir até meio-dia amanhã?

 — Se Deus quiser e Ele quer.

 — Hum!

 Nato olhou mais uma vez pelo espelho interno já incomodado pela aproximação do Cruzer.

 — Que tal passarmos a noite no motel? — propôs Pinheiro.

 — Motel? — Joice não esperava por essa.

 — Motel seis estrelas é claro. — seguia observando o carro logo atrás.

 — Pelo visto você cansou de ficar só nos beijos e abraços, não é? — Joice estava vermelha.

 — Topa? — Faltavam poucos metros para a entrada que daria no tal motel.

 — Vamos.

*


 Seria algo da sua cabeça ou realmente o Cruzer preto o estava seguindo desde o shopping? Nada pode ser considerado uma coincidência para um policial, por via das dúvidas foi melhor se prevenir. Enquanto Joice toma banho, Nato Pinheiro verifica se a munição o bastante caso precise entrar em confronto com seu perseguidor. Joicinha apareceu na porta do banheiro envolvida apenas por uma toalha esperando que seu namorado já estivesse na cama e não olhando o movimento da rua através das cortinas da janela.

 — Você está estranho e não é de agora. O que está acontecendo?

 — Nada!

 — Nada? Legal. Eu vejo meu querido namorado olhando de maneira estranha pela janela, segurando uma arma e devo achar tudo normal.

 Nato olhou para a Glock em sua mão e sorriu. Que ridículo, Renato, logo hoje?

 — Tem razão. — retirou o carregador e o colocou em cima da mesinha de canto. — mãos para o alto.

 Joice apertou os olhos.

 — Faça o que estou mandando, mocinha. Tire a toalha devagar e vire-se. Passará por uma revista.

 Homens e suas fantasias, pensou Joice acatando as ordens.

 Lá fora, o Cruzer sedan preto segue parado e desligado. O seu ocupante tenta imaginar o que se passa dentro daqueles quartos com suas janelas iluminadas. O sol da justiça em breve estará clareando.

*


 Aquela terça-feira prometia. Às sete e meia, Nato alinhava o plano de ação contra milicianos que andam extorquindo de forma violenta moradores de uma comunidade na zona leste de Porto Celeste. Jorge Gama também se faz presente na sala de reuniões e gostou do que presenciou. Ao término, o chefe fez questão de elogiar os membros da equipe, homem por homem.

 — Pra cima deles rapaziada.

— Obrigado, chefe. — falou Nato recolhendo seus pertences.

 Voltando para sua mesa, seu telefone vibrou em seu bolso. Um número desconhecido.

 — Renato Pinheiro falando.

 — Ah, oi, sou eu. Troquei de número.

 Nato diminuiu os passos.

 — Regina?

 — Sim. Eu queria falar com você. Quando podemos conversar?

 A saída para a comunidade estava marcada para depois do almoço, então…

 — Me encontre daqui a cinco minutos na praça logo atrás do departamento, pode ser?

 — Perfeito. Então, até lá. — desligou.

 A terça-feira prometia muito mesmo, até um encontro inesperado com sua ex mulher ela proporcionou. Há certas coisas que não mudam nunca. Ouvir a voz de Regina depois de algum tempo sem ouvi-la produziu em Renato o mesmo sentimento de quando ela ainda era aquela menina a qual ele estava apaixonado. Muito esquisito, isso não deveria acontecer. Mas aconteceu. É algo que foge do nosso controle.

 Regina e Nato. Meses depois. O mesmo cheiro. O mesmo olhar. Tirando o cabelo mais curto, nada mudou durante todo esse tempo? Pensou o policial.

 — Gostei do cabelo.

 — Júnia encheu o saco então…

 — E ela está bem, vocês estão bem? — cruzou os braços.

 — Melhor impossível. — Regina não conseguia olhar nos olhos dele. — Quer dizer que você está namorando?

 Putz! Como ela sabe disso? 

 — Sim!

 Nesse momento passava um senhor empurrando um carrinho de guloseimas e apertando insistentemente sua buzina atrapalhando a conversa. Para a felicidade do idoso Nato comprou uma cocada de maracujá.

 — Chamei você aqui porque queria te ver e também, saber como o Arthur está lidando com tudo isso.

 — O Arthur é uma caixinha de surpresas, mas nós o criamos bem. Ele decidiu ficar comigo por questões lógicas, namorada, estudos e amigos, tudo aqui pertinho. Ele tem te ligado?

 — Duas vezes por semana.

 Silêncio.

 — Vamos nos casar. — revelou Regina.

 Ora, ora, veja só.

 — Desejo sucesso. Quando será?

 — Ainda não temos data definida, mas será em breve.

 Enquanto Regina respondia a pergunta, algo veio à mente de Pinheiro.

 — Júnia sabe que está aqui, comigo?

 Finalmente ela olhou diretamente para ele.

 — Não!

 Nada mudou então.

 — Eu já vou indo. Tenho que passar no mercado ainda. — se levantou. Nato pode reparar mais uma vez o quanto ela ainda é bonita de rosto e corpo.

 — Valeu!

 Inesperadamente Regina o abraçou. Isso fez toda diferença.

 — Você ainda vai comer essa cocada? — perguntou ruborizada.

 — É, não. Toma.

 — Ah, obrigada. Salva meu novo número. — falava enquanto andava em direção ao ponto de ônibus.

 O que aconteceu aqui? Nato caminhava sentido contrário tentando processar tudo o que havia acabado de acontecer. Perto das árvores alguém o observava com bastante atenção.

*


 Quando criança, Renato sempre teve seus pais por perto. Embora o casal Pinheiro não vivessem tão bem quantos os amigos e familiares imaginavam, na medida do possível seu pai e mãe faziam questão de que tudo estivesse em ordem. Essas coisas marcam e não foi diferente com Nato. O sonho de morrer estando casado com Regina sempre foi algo prezado por ele. Deus é testemunha do quanto ele lutou por essa realidade e quando tudo isso ruiu, foi como se o chão se abrisse e ele caísse direto para o inferno. Arthur, infelizmente não terá o mesmo que ele. Irá engrossar o triste índice de filhos de pais separados. Aquilo que tanto temia lhe sobreveio e o jeito é saber lidar com adversidade da melhor forma possível.

 — Fala filhão. O que vamos pedir para a janta? — Nato apareceu na porta do quarto enquanto Arthur estudava no computador.

 — Que tal se o senhor voltasse a cozinhar?

 Pinheiro refletiu. Ele está certo.

  — Pelo horário só consigo preparar um espaguete alho e óleo.

  — Perfeito. — deu de ombros.

 — Algum problema com a Thais?

 — Nenhum.

 A indiferença com a qual vem sendo tratado já começa a produzir em Nato irritação e quando isso acontece, o resultado não costuma ser nada amistoso.

 — Seja homem e resolva tudo o que tem para resolver logo. Não fica aí jogando indiretas.

 A digitação frenética parou. O estudante decidiu acatar ao pedido do pai.

 — Quando eu era pequeno, você e a mãe me prometeram que ficariam juntos independente das circunstâncias e no entanto… quem não está sendo homem agora?

 Uau! Embora irritado, com uma vontade enorme de arrebentar tudo e a todos em sua frente, Renato precisou engolir esse sapo e se calar. No mínimo se desculpar.

 — Peço desculpas. Eu errei. Nós erramos. Se eu pudesse voltaria no tempo e faria diferente.

 Arthur nada respondeu. A digitação havia voltado e ainda mais frenética.

*


 Refletindo um pouco mais, Tiago e Felipe não falharam na missão. Sofia Cury e Carlos Henrique Dias pagaram com a vida, esse foi o preço da loucura imposta pelo pacto que fizeram dentro daquele quartinho fedorento do avô de Rogério. Não, eles não falharam. Cumpriram com êxito o plano e agora cabe ao sol da justiça terminar o que foi proposto.

 Quase sempre penso que estou vivendo uma realidade paralela onde nada é o que parece. Tiago e Felipe passaram por isso também e agora eis que é chegada a minha hora, hora do sol justiceiro. As opções são diversas e a missão é uma só. Não posso falhar com meu avô e não falharei.


 

 

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