domingo, 8 de junho de 2025

Alguém De Deus | Capítulo 1

 


ALGUÉM DE DEUS 


1


    Há pessoas, por mais incrível que possa parecer, que acreditam piamente que, pelo fato delas se deslocarem ao templo para cultuar, Deus irá sanar de uma vez por todas os seus problemas e adversidades. Isso pode até acontecer porque Deus é soberano, mas na maioria das vezes, voltamos para os nossos lares ainda remoendo as dificuldades. Culto é para cultuar. O Senhor age e sempre agiu em nosso dia a dia, no cotidiano. André e Sulamita, infelizmente não vem atravessando uma boa fase dentro do casamento e isso não é de agora. Eles estão juntos há três anos e há três anos o relacionamento vem sendo um verdadeiro campo de guerra. Ninguém se entende. Ir às celebrações para o casal se tornou algo bastante complicado. Já houve época em que o silêncio entre eles antes e durante o culto era a única forma deles permanecerem lado a lado(acredite se quiser). Sulamita, assim como muitos, acreditava que o convívio com os irmãos, os louvores e até mesmo a palavra pudesse de alguma forma gerar um bem estar entre eles. Ledo engano. André, por sua vez, acha que, indo à igreja mesmo depois de uma discussão, pode ocasionar momentaneamente uma pausa na crise. André não acredita em fórmulas mágicas.

       — Você deveria abrir logo o jogo comigo. — disse Sulamita sem olhar para o marido que dirigia.

        — Quer mesmo recomeçar aquela conversa? — reduziu a velocidade. — não vai nem mesmo esperar chegarmos em casa?

        — Sabe o que eu acho engraçado? Você sempre acha que para tudo tem hora e local.

          — E não é? — parou no semáforo.

         — Pensa bem. Nós não estamos discutindo futebol ou política. É o futuro do nosso casamento que está em jogo aqui. E para isso não há hora e nem lugar.

        — Está bem. Você está certa. Sempre esteve…

         O sinal abriu e se não fosse a buzina de outro veículo logo atrás, André seguiria com seu carro parado em cima da faixa de pedestres.

         — As vezes penso que você está pouco se lixando para a gente, sabia? — falou Sulamita de forma soturna. — Acho que estou lutando sozinha.

         — Pronto! Agora você tem o poder de saber o que eu sinto? Caramba! — deu seta para o lado direito e entrou.

        — Está vendo? Você não está levando a sério e isso me irrita. Quando você vai amadurecer?

        — E quando você vai deixar de ser uma chata?

       A partir desse porto o diálogo foi suspenso e novamente o clima pesado se instaurou. Ao chegarem em casa cada um foi procurar o que fazer numa tentativa inútil de ficarem distante um do outro. O culto da noite foi maravilhoso. Deus falou poderosamente, porém não tocou no assunto casamento. Estaria Ele alheio a nossa situação, pensaram ambos.


*


     O casal Simões são membros de uma congregação modesta, de pouca expressão, e de uma liderança até que razoável há alguns longos anos. André ama sua igreja, ama o seu pastor, e o tem como um verdadeiro homem de Deus, mas há outro que ele considera  como um segundo pai na terra. Pastor Clodoaldo. Jovem ainda, mas de uma sabedoria gigantesca. Clodoaldo é alto e boa pinta, sempre que as coisas estão ruins é para ele que André liga marcando um gabinete.

        — Como assim, quer deixar o casamento? — Clodoaldo entrelaçou os dedos.

        — Pois é. Eu não estou feliz e nem a Sula.

       O escritório de Clodoaldo é pequeno, porém depois que se entra e ocupa uma das poltronas ele se agiganta.

        — Ontem, por exemplo, discutimos dentro do carro voltando para casa depois do culto vespertino. Ou seja, tudo aquilo que foi absorvido durante a celebração foi por água abaixo.

        — Se é que algo foi absorvido. Quais foram os louvores e o tema da mensagem?

      André abaixou os olhos.

       — Posso te fazer uma pergunta? — Clodoaldo descruzou as pernas.

      — Claro que pode. — encolheu os ombros.

        — Você a ama?

        — Se você me fizesse essa pergunta há três anos atrás, eu lhe diria que sim. Hoje já não tenho tanta certeza. Estou confuso.

        — Tem orado neste sentido? — Se recostou.

       — Na verdade, faz tempo que eu não oro nem por mim. Essa crise tem me deixado pra baixo, pastor.

       Clodoaldo levantou-se exibindo uma boa forma e os seus bem medidos um metro e noventa de altura.

        — Deus nunca esteve alheio quanto às nossas lutas. Tudo o que o Senhor quer é que nos rendemos a Ele. Quer que o convidamos para que de fato Ele venha fazer parte da nossa vida. A partir do momento em que não falamos mais com Ele em oração, a vida fica ainda mais difícil. Ficamos perdidos. Recomendo que você retorne com as orações e fale para Ele tudo o que tem vivido e sentido.

         — Sério? Devo falar que estou querendo me separar?

        — Principalmente.

     Clodoaldo só pode estar de brincadeira com a minha cara.


*


      Os pais de André infelizmente já se foram desta terra. Sua mãe faleceu quando o mesmo deixava o ensino fundamental e seu pai um ano antes dele se casar. Sulamita ainda possui sua mãezinha apesar de bastante idosa que a criou debaixo de muita dificuldade. Ela se lembra das vezes em que as duas, para ter o que comer a noite era preciso vender flores durante o dia, mas nem sempre as vendas supriam as necessidades. Graças a Deus, dona Nair Santos conseguiu se empregar em uma clínica médica exercendo o cargo de auxiliar de serviços gerais, hoje conhecido como conservação. Se para André, Clodoaldo é o seu esteio, Nair para a filha é terra firme. Se as coisas vão mal é para os braços dela que a atendente de farmácia corre.

        — Eu te conheço, Sula. O que anda acontecendo entre você e seu querido marido? — Disse Nair acariciando as longas madeixas negras da filha.

        — Muitas coisas. Não sei se a senhora está disposta a ouvir. — respondeu sentada entre as pernas da mãe.

        — Bom! Eu não pretendo sair de casa hoje e sou uma mulher aposentada, então… tempo eu tenho sobrando.

       Após inspirar e expirar, a esposa do ferroviário deixou sua mãe à pá de toda a situação. Nair ouviu tudo com a paciência de um monge budista.

         — Nossa! Não sabia que era tão sério assim. O que vocês pretendem fazer?

         — Na boa? Eu não sei. André infelizmente não é aberto a discussões sobre relacionamento, ele sempre arruma uma desculpa ou se esquiva. — parou de mexer nas unhas. — O que a senhora faria no meu lugar?

        — Vocês são pessoas adultas e adultos resolvem as coisas. Peça orientação ao Senhor, Ele não deixa ninguém sem resposta. É o que eu faria se estivesse em seu lugar.

       Não foi o que Sula gostaria de ter ouvido, mas pelo menos serviu para que ela se lembrasse do Deus vivo o qual ela serve desde a adolescência.


*


     Nada é mais desconfortável para um casal em crise do que a hora de irem para cama repousar depois de um longo dia. Um pouco mais cansado que Sulamita, André se permitiu deitar antes dela e enquanto a aguardava voltar do banho ele aproveitou para pôr sua leitura bíblica em dia usando o celular. Na verdade, tudo o que ele mais queria naquele momento era poder invadir aquele banheiro e ser feliz. Sula estava demorando mais que o habitual e isso reacendeu sua esperança de ter uma boa noite de amor. Normalmente, quando as coisas entre eles ainda era de paz e amor, essa demora no banho por parte de Sula era o indicativo que a mesma estava afim de uma bela noitada. Quando ele ainda sonhava em coquista-la e possivelmente ter algo sério com a morena clara de rosto redondo e longos cabelos negros feito uma noite sem lua, André por vezes se viu pensando em o quanto ele seria grato a Deus por ter aquela beldade como esposa.

       Sula deixou o banheiro já vestida com uma roupa de dormir a qual neutralizou totalmente toda a sua sensualidade. Moletom e uma blusa azul bebê do congresso de mulheres do ano retrasado.

        — Boa noite. — deitou-se.

        — Como assim, boa noite? Pelo que eu saiba ainda somos casados. — deixou o celular de lado.

        — E o que você quer dizer com isso? — Sula puxou um pouco mais o edredom para ela.

        — Nem um beijinho vai rolar?

         — Não! — encolheu-se.

         — Como não? Pelas minhas contas já passamos da trigésima noite no zero a zero…

         — Meu Deus, André, como vocês homens são insensíveis. O clima entre nós vai de mal a pior e a única coisa que passa pela sua cabeça é sexo?

        — Não. Claro que não. Há outras coisas passando também.

         — Tipo?

       Era a chance do operador de metrô pôr para fora tudo o que vem sendo represado em seu coração.

         — Se for para viver assim eu prefiro cair fora, entendeu?

        Sula engoliu seco.

         — Tem razão, eu acho que eu mereço ter alguém de Deus em minha vida e pelo visto você não é a pessoa mais indicada. — Sula aproveitou para esvaziar seu coração também.

         — Sim! Eu também penso da mesma forma. — bocejou. — pra mim já deu. Boa noite!

       Não houve resposta por parte de Sulamita.



4 comentários:

  1. Leitura em andamento! Vamos seguir em frente!;próximos capítulos

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  2. Relacionamento são difíceis, mas as maiores crises costumam vir depois de uns sete ou oito anos. No início são pequenas crises. Os três anos era pra estarem de namoro. E olha que ainda nem chegaram os filhos.

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  3. Aguardando o desenrolar desta história! André e Sula refletem a realidade de muitos casais cristãos...

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  4. Bom, com uma experiência de 42 anos casada, temo dizer que se o olho no olho, o toque, os sorrisos no canto dos lábios não acontecem, algo já começou a desabar. Mas...vamos esperar o tempo passar!

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