domingo, 15 de junho de 2025

Alguém De Deus | Capítulo 2

 


2


    Ela sabe que mais uma vez chegará atrasada no trabalho e que de novo será chamada atenção por sua gerente, mas a verdade é que Sulamita está dando a mínima para isso. De forma lenta e cuidadosa ela passa a manteiga no pão com mil coisas se passando em sua mente. Uma delas é sem dúvida alguma André, seu ex marido. Se bem que ela já fez de tudo para tentar tirá-lo da cabeça, mas volta e meia aquele sujeito mediano, meio calvo, com cara de intelectual surge como um furacão a desconcentrando. Tudo isso soa muito estranho para ela uma vez que ele já não faz mais parte de sua vida há pelo menos um ano. Sulamita Santos, este é o seu nome desde então. Aliás, este era o seu nome antes de se casar com André. O Simões ficou para trás, assim como o seu casamento e na época em que eles se separaram ela sentiu como se tirassem uma tonelada e meia de suas costas. Voltar a usar o sobrenome do pai foi como renascer.

      Desde quando houve a ruptura na relação, Sula tentou viver a vida o melhor que pode. Ela até cogitou a possibilidade de ingressar na faculdade e realizar um sonho antigo de se formar em administração, mas até o momento ela ainda não teve as condições necessárias para isso(a grana anda um pouco curta) porém ela sabe que no tempo certo Deus há de lhe abrir as portas. Novos tempos. Vida nova e para que esse novo ciclo começasse bem, nada melhor que uma mudança no visual. As longas madeixas negras deram lugar ao curto, na altura dos ombros e até mesmo uma leve emagrecida veio a calhar. Sulamita Santos está ainda mais linda do que antes.

        Diferente dos outros dias, o atraso foi somente de minutos, isso porque o trânsito ajudou bastante. Quando ela pôs os pés na drogaria onde trabalha há sete anos, sua colega de profissão já a aguardava com seu bom humor de sempre.

        — As vezes sinto uma pontinha de inveja de você, Gabi.

          — Há, sério? Inveja de mim, baixinha, gordinha e pobre ainda por cima. — falou separando as caixinhas de vitamina C.

        — É sério. Você está sempre de bom humor. Sempre disposta, sempre…

       — Eu apenas coloco em prática tudo aquilo que o Senhor nos ensinou. Já se esqueceu?

         — É verdade. Precisamos ser luz. Confesso que ando meio desligada quanto a isso. Prometo melhorar. O que temos para hoje? — pôs sua bolsa embaixo do balcão.

         — Hoje o dia está cheio. Nossa querida gerente quer que batemos a meta das vendas dessas vitaminas aqui.

         — Vamos nessa então.


*


      Na estação do metrô onde cerca de um milhão de pessoas circulam diariamente se acotovelando na tentativa de encontrar um lugar vago dentro da composição, Fabiana Moraes, advogada trabalhista se vê às voltas entre responder as mensagens enviadas dos clientes via whatsapp e prestar atenção para não ser derrubada na linha férrea. Normalmente ela costuma se deslocar até o trabalho de carro próprio ou de Uber, porém, especialmente hoje ela precisa ir até o fórum buscar alguns documentos e dar entrada noutros. Fabiana é uma mulher absurdamente bonita, nem tão alta e nem tão magra. Pele branca bem cuidada e um rosto fino marcante. É praticamente impossível passar por ela e não nota-la.

      Devido a pressa, Fabiana saiu de casa sem fazer o desjejum. Ela só teve tempo de deixar Ana Carolina na creche e seguir para o trabalho. Às oito e meia da manhã sua glicose já havia dado sinais de que precisava se alimentar. Foi quando o cheiro inconfundível do pão de queijo a capturou.

        — Por favor. Vou querer a promoção do pão de queijo, por gentileza.

      Mesmo estando de pé encostada no balcão do quiosque, a advogada pode esquecer por alguns minutos o turbilhão de coisas a serem feitas naquele dia para degustar tranquilamente daquelas delícias feitas de farinha, queijo e ovo. De repente seus olhos se cruzaram com os de um dos funcionários do metrô. Um sujeito com pinta de nerd. Bonito, mas nerd. André Simões fez o mesmo pedido que o dela, porém dispensou o copo de guaraná natural dando preferência ao café puro. Muito interessado na mulher branca de terninho cinza claro e pasta, o ferroviário observou o anel em seu dedo. Advogada. Um ótimo motivo para puxar assunto. Eles ainda trocaram alguns olhares até que André criou coragem para abordá-la.

        — Com licença. Posso tirar uma dúvida?

          — Sim? — Fabiana arqueou uma das sobrancelhas bem feitas.

         — Será que eu consigo me aposentar antes dos vinte cinco anos de contribuição como técnico em transporte metroviário?

         — E o que o faz pensar que sei essa questão? — encolheu os ombros.

        André apontou para o anel em seu dedo.

         — Ah, sim. Sei… é, você é bastante observador, hein?

       André abriu o sorriso.

        — Não creio que alguém tão jovem e saudável já queira se aposentar.

          — Não vejo mal algum programar o futuro.

       Após essa breve introdução o papo seguiu e para a surpresa de ambos ele fluiu de forma tranquila, saudável e houve até mesmo alguns pedidos extras de pão de queijo com café. A advogada não sabia como explicar, mas havia algo naquele cara que a atraía demais e quando algo é inexplicável, o melhor a ser feito é explorá-lo até o encontro de sua resolução.


*


     Os dias, as semanas e os meses passaram rápidos demais para o exigente gosto de Sulamita, mas exclusivamente hoje isso até que foi bom. Graças a santa intervenção de Deus, ela deu o ponto pé inicial na faculdade onde pretende passar cinco anos estudando administração. Ao pisar em sala de aula e vê-la repleta de pessoas correndo atrás do mesmo sonho a que ela aspira, foi como entrar numa corrida de cavalos. Literalmente o ramo é bem disputado.

        — Boa noite. Tem alguém sentado aqui?

         — Sim! Você. — respondeu um sujeito moreno de sorriso simpático.

         — Ah, sim. Legal.

         — Prazer, sou Miguel. — esticou o braço.

         — Sulamita.

        Miguel tinha um aperto de mão forte. Ele cheirava a loção pós barba, coisa que a agradou logo de cara. Um homem para ela, não tem a necessidade de ser tão bonito, mas cheiroso… esse sim é um quesito muito importante.

       A aula até que estava interessante, entretanto, a única coisa que não se encontrava de acordo com a conjuntura era o sono. Sula trabalhou o dia inteiro, andou de um lado para outro dentro daquela drogaria e ter que encarar mais quatro horas de aulas teóricas é bastante complicado para quem está acordado desde às seis da manhã. Quando o relógio por fim marcou vinte uma e trinta e o professor deu por encerrada a sua fala, ela rendeu glória ao Criador.

         — Após mil bocejos… — brincou Miguel pegando a mochila.

        — Nossa, eu estou morrendo de sono. — Se espreguiçou.

         — Eu também. Bom, então, até amanhã? — lhe estendeu a mão.

         — Se Deus quiser.

      Na saída do prédio, descendo as escadas, Sula pode ver Miguel colocando o capacete já montado em sua motocicleta, não seria nada mal uma carona, pensou enquanto o assistia deixando as dependências da universidade. Miguel.


*


    A amizade entre Sula e Gabi transcede aquele longo balcão da drogaria onde trabalham. Assim que foi contratada e iniciou suas jornadas diárias entre caixas e mais caixas de medicamentos, vitaminas, produtos para curativos entre outras coisas disponíveis que compõe uma farmácia, Sula soube que aquela moça de voz aguda porém macia seria sua amiga fiel. Além de boa profissional, boa filha e futura boa esposa, Gabriela é sim uma boa serva do Senhor. Gabi é o que podemos chamar de amiga confidente onde você pode tranquilamente despejar sobre ela suas queixas e segredos sem medo, sabendo que eles jamais virão à tona.

        — Miguel? Afinal de contas, você entrou para a universidade para estudar ou para arrumar namorado? — Gabi fazia a recontagem das cartelas de Dipirona.

        — Claro que foi para estudar, não é sua cabeçuda. — pegou uma caixa com frascos de xarope. — mas foi inevitável, o cara é realmente muito atraente…

        — Se eu fosse você focaria nos estudos.

        — É fácil falar para alguém que o prato dela virá quando se está de barriga cheia, não é, dona Gabi.

        — Meu Deus, quanto drama. Eu só estou falando que o momento em que você está vivendo é oportuno. Aproveite para dar uma guinada na vida. Penso eu que, um namorado agora só irá lhe atrapalhar.

        Ela parece minha mãe falando.

       — E quem disse que eu quero me relacionar com alguém agora? Eu só comentei sobre o meu colega de classe…

         — Pra cima de mim, Sula? Conheço bem uma mulher apaixonada.

       Sula abriu os braços e a boca.

        — Vá por mim. Volte a ser o que era antes. Uma mulher forte, uma mulher de oração. No tempo certo Deus vai te abençoar com um varão vindo da parte Dele.

      Pois é! Mais uma vez Gabi estava coberta de razão. Muitas vezes queremos agir por conta própria utilizando nossos falhos recursos deixando Deus de lado. Sula, assim como muitos, sabe bem o que deve ser feito, mas não o faz, optando por guerrear sozinho. O final é sempre trágico.

   


Um comentário:

  1. Pelo amor de Deus, pode começar a produzir o terceiro capítulo!!!

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