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Tudo aconteceu numa tarde de inverno não tão rigoroso após uma maravilhosa programação da juventude onde as dependências daquela singela igreja Batista foi invadida por diversos jovens de outras denominações. Acreditava-se piamente por parte da liderança num enorme fiasco devido ao dia e às condições climáticas. Deus mais uma vez os surpreendeu permitindo que cerca de sessenta moças e rapazes ocupassem os bancos da congregação.
André e Sulamita voltavam da atividade exaustos, porém transbordantes de alegria e satisfação. De mãos dadas eles caminhavam rumo a casa de Sula que ficava há três quarteirões da igreja. A conversa entre os dois era sobre trabalho e planos para o futuro. O sonho de André era se formar em economia, algo muito distante da profissão que ele exerce hoje. Já Sula, mesmo naquela época, desejava ser uma profissional no ramo da administração. Faltando alguns passos para chegarem ao portão, André mudou repentinamente de assunto deixando sua noiva sem saber o que falar.
— Que tal marcarmos a data do nosso casamento?
As mãos de Sulamita começaram a suar.
— Você só pode estar de brincadeira comigo?
— E porque eu estaria brincando com você? Já somos noivos, o que nos impede?
— Ah, sei lá. Não tivemos uma festa de noivado, nem aliança nós temos.
— Olha, eu vou entender se você não quiser e…
— É claro que eu quero. — ela o abraçou e o beijou. — Podemos marcar para Maio do ano que vem. Maio é o mês das noivas. Aí, vai ser tão lindo.
— Por mim está ótimo. Eu também gosto do mês de Maio. Que tal dia quatorze?
Sula fingiu estar pensativa.
— Amei a data, mas, porque exatamente quatorze? O que representa esta data pra você?
— Meus tataravós chegaram a esta cidade no dia quatorze de maio de 1925, então, é uma forma de homenageá-los.
— Aí, que lindo. Legal. Gostei. Ano que vem estaremos casados…
— E felizes. — completou André recebendo beijos de sua amada.
*
Hoje em dia André Simões segue recebendo beijos e abraços bem quentes quase que diariamente, porém não é Sulamita quem se encontra do outro lado e sim uma advogada linda e imponente. Realmente Fabiana Moraes chegou para fazer dos dias do maquinista uma verdadeira festa.
— Diz pra mim, você pretende ser operador de metrô a vida toda? — Fabiana escolhia um filme no serviço de streaming sentada em seu sofá.
— Não sei. Já faço isso há tanto tempo que não parei para pensar.
— Vou ser sincera. Quando fui para o ensino médio eu já sabia o que queria. Uma advogada muito bem sucedida com escritório próprio e aqui estou eu. Porém não posso e nem devo parar por aqui. — Disse analisando um filme policial estrelado por Liam Neeson.
— Que bom. E o que mais quer ser?
— Juíza federal.
André apertou os lábios.
— Penso eu que, o sol nasceu para todos, mas nem todos têm a disposição ou condição de usufruir de seus benefícios, entende? Eu quero mais, muito mais e Ana Carolina seguirá os mesmos passos que a mãe dela.
— Claro… — André não sabia o que responder.
— E já vou logo dizendo: quem quiser me acompanhar nesta trajetória terá que alçar vôos bem maiores. Captou a mensagem?
— Sim, sim.
— Que bom! Agora que tal você ir até a cozinha e preparar aquela pipoca maravilhosa?
O recado foi dado. Estaria André disposto a seguir em frente ao lado de sua mais nova namorada advogada? Isso só o tempo irá dizer.
*
Logo após um longo período de aula brigando com o sono e principalmente com a fome, Miguel e Sula fizeram uma pausa no caminho de volta para casa. O lugar escolhido é uma lanchonete bastante conhecida, muito parecida com a do “M” porém com as iniciais B e K. Sulamita adorou a ideia. Após fazerem os pedidos, o casal universitário conversava sobre diversos assuntos: estudos, igreja, política, relacionamentos passados até que Miguel criou coragem para perguntar sobre o futuro deles.
— Não acha que é muito cedo para esse tipo de conversa? Afinal de contas, ainda estamos nos conhecendo. — Ajeitou os cabelos atrás das orelhas.
— Sim, claro, mas, você mesma sabe que crente não pode dar sopa para o azar e nós não somos mais adolescentes. Eu venho de um relacionamento e você também, então…
— Quanto a isso você pode ficar sossegado. Sei muito bem como conduzir as coisas. — riu.
— Ótimo! E outra coisa. Quero muito conhecer minha sogra. — esfregou as mãos.
— Sua sogra?
— Sim, minha sogra. Quando vou conhecê-la?
— Não acha que estamos indo rápidos demais não? Estamos juntos há um pouco mais de duas semanas.
Miguel olhou para a tela de led acima do balcão e viu que faltava pouco para o número da senha aparecer.
— Talvez. — fez uma pausa. — Você está certa. Temos que ser cautelosos. Nada de apressarmos as coisas. — eles deram as mãos.
Se Sula estava feliz? Sim, claro que estava e muito. Miguel chegou em sua vida na hora certa, no momento em que ela mais se sentia frágil e desamparada humanamente falando. Teria Deus ouvido o seu clamor?
*
Todos sabem que mãe é um ser quase que sobrenatural. Mãe é aquela pessoa que se antecede aos possíveis problemas. É aquela que segura a sua mão dias antes de sua ruína. Sim, toda mãe sabe das coisas e como sábias que são, elas tentam nos alertar quanto ao perigo. Há alguns dias Miguel havia pedido a Sula para conhecer a tão famigerada dona Nair. Eis que é chegado o tão esperado dia. Para esse encontro, o pequeno empresário fez questão de levar uma caixa de bombons de uma famosa marca de chocolate, além é claro de sua simpatia de sempre.
— A Sula teve a quem puxar. Realmente vocês são bem parecidas.
— Você acha? Dizem que eu sou mais bonita.
Todos riram.
— E então, senhor Miguel Ramos, quais as suas pretensões com a minha única filha?
— Mãe? — Sula arregalou os olhos.
— Qual o problema? Você pode muito bem ser uma mulher adulta, mas ainda assim é minha filha e aí de quem lhe fizer mal. — olhou diretamente para Miguel.
— Veja bem, dona Nair, sou um homem da igreja e…
— Isso não quer dizer absolutamente nada. Meu finado marido também era da igreja e não valia o prato que comia. As pessoas precisam ser de Jesus.
Miguel engoliu seco e respirou fundo.
— A senhora está certíssima. Jesus é melhor que a igreja. Recapitulando. Sou um homem nascido e criado no evangelho, respeitador e cumpridor das minhas obrigações. Quero muito constituir uma família com Sula debaixo de sua benção, é lógico.
Nair trocou olhares com a filha que a essa altura estava ruborizada.
— Você é bom no discurso, senhor Miguel. Vocês têm a minha benção, porém, melhor que a minha bênção é a benção do Senhor. E agora passe pra cá esse chocolate.
— Aí, mãe. — escondeu o rosto com as mãos.
Foi uma noite agradável. Os três foram para mesa se deliciar com a famosa torta de frango preparada por Nair. Após o jantar, a idosa preferiu se recolher deixando os pombinhos a sós.
— Sua mãe é uma “figuraça”.
— Pois é, você não queria conhecer a sua sogra? Toma-lhe.
Depois de muitos abraços, beijos e declarações, Miguel decidiu partir faltando poucos minutos para um novo dia. Após se despedir do namorado no portão, Sula é surpreendida com sua mãe parada na varanda.
— Precisamos conversar sobre esse rapaz.
Perfeitinho demais esse Miguel!
ResponderExcluirDona Nair não dá mole não. Direta!
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