segunda-feira, 22 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino | Final

 


A Bíblia do Assassino 

Final


  Como ele pode deixar isso escapar? Estava bem ali diante dos seus olhos e ele não viu. Um claro exemplo de que nada, absolutamente nada pode ser ignorado por um agente de polícia. Há erros de continuidade nas imagens, mostrando claramente que o vídeo foi editado — muito mal editado por sinal — Tiago Garcia tem muito o que explicar.

   Na porta da reitoria há muito bem escrito e em letras garrafais a seguinte orientação: Bata e aguarde. Ignorando tal aviso, Pinheiro invadiu a sala de Barcelos que ficou sem reação.

      — Aonde está o Tiago?

   — Posso saber o que aconteceu? — Barcelos tinha o rosto ruborizado.

    — O que aconteceu é que, o seu monitor adulterou o vídeo.

    — O senhor tem certeza? Tiago é de extrema confiança…

  — Barcelos, podemos discutir isso depois, agora preciso encontrá-lo com urgência.

     — Está certo. Vou chamá-lo pelo rádio.

*


    A universidade se encontrava em pleno funcionamento e com uma certa movimentação de alunos. Por onde quer que se olhava haviam pessoas passando ou simplesmente sentadas nos bancos de concreto disponíveis para o público nos arredores do prédio. Tiago carregava com um certo cuidado sua mochila na mão esquerda. Na direita ele conferia se o carro que solicitou já estava a caminho. Droga, vem logo.

     O plano é o seguinte: arremessar a mochila por cima do muro que fica nos fundos. De antemão ele conferiu se não havia perigo de alguém levá-la enquanto ele dá a volta saindo por outra entrada. Não! Não há perigo de alguém levar seus pertences, pelo menos não neste horário.

     Odeio trabalhar sob pressão, isso faz com que meu estômago grite pedindo por um antiácido. 

    Tiago alcançou o muro. Olhou mais uma vez para o celular e viu que faltavam menos de dois minutos para a chegada do Uber que o levará para a rodoviária de Porto Celeste. Abriu rapidamente a mochila a fim de conferir se não havia esquecido de nada. Tudo em ordem. Ele mediu a altura do muro calculando o quanto de força teria que imprimir. Vamos nessa, Tiagão. Lançou. A bolsa bateu na ponta e voltou em seu rosto. Mais uma tentativa. Nada. Quando se preparava para o terceiro lançamento, a voz firme de Nato fez com que seus ombros caíssem.

     — Tiago Garcia. Fique onde está. — falou apontando sua arma. — Você está preso.

     Ainda não entendendo muito bem o que se desenrolava perante seus olhos, o monitor fez menção de correr em direção a outra saída mesmo ela estando há uns bons duzentos metros dali.

     — Não faça nenhuma besteira Tiago. Venha comigo.

      Logo atrás do policial estava Barcelos visivelmente apreensivo e uma dezena de alunos e funcionários assistindo todo o circo formado.

    — Eu sou o consolador. Eu cumpri minha missão e agora é hora de sair de cena.

     O que este louco está dizendo? Pensou o agente dando mais um passo.

      Do lado de fora da faculdade o carro de aplicativo buzinava feito um alucinado e enquanto isso o seu passageiro surtava a cada ordem dada por Nato.

     — Você não será o ponto final em nossa trajetória. — correu pra cima da autoridade.

     — Por favor, Tiago, facilite às coisas. — impôs mais a arma.

     Tiago desferiu de maneira desastrosa alguns socos em Pinheiro que passaram em branco. Vendo o seu não sucesso em atingir o policial com murros, ele investiu também com os pés. De nada adiantou. Pelo contrário. Percebendo que seu oponente pode entender muito bem de tecnologia, porém não saca nada de briga, Nato lhe aplicou uma rasteira tão precisa que o fez sair do chão e se “estabacar” feito uma fruta podre no solo duro.

      — Já chega! — apertou o cano da pistola contra o nariz de Tiago.

*


     TV, jornais, internet e principalmente todo o povo de Porto Celeste naquela manhã de poucas nuvens comentava sobre o ocorrido dentro da Portal do Ensino. Estampado na primeira página do maior tabloide estava Tiago Garcia deixando a universidade com as mãos algemadas para trás sendo conduzido por Renato Pinheiro até a viatura. Jorge Gama e todo o restante do pessoal do departamento de polícia não parava de tecer elogios ao colega de trabalho. Nato já não aguentava mais tantos abraços e tapas nas costas.

      — O sujeito é bem malandro e cara de pau também. Editou o vídeo e lhe deu na cara dura. — Gama segurava o jornal.

     — Acredita que eu vi e revi o mesmo vídeo diversas vezes e não percebi. Um mínimo detalhe o entregou.

   — E qual foi? — Jorge fechou o periódico.

      Pinheiro abriu o vídeo em seu telefone e o analisou juntamente com o chefe. A priori Jorge nada percebeu.

      — Presta bastante atenção na lata de lixo lá no final. Veja. No minuto 2:34 ela está lá e no 2:36 ela some como num passe de mágica.

      Gama xingou alto.

      — Vai interrogá-lo ainda hoje?

      — Agora mesmo.

*


    O que esperar de um assassino preso há um pouco mais de doze horas, sentado dentro de uma sala com uma iluminação baixa e refrigerada em seu nível máximo? Protestos, agitação, gritaria e pedidos de ligação para algum advogado. No caso de Tiago Garcia, a situação é justamente ao contrário. Ao entrar na sala de interrogatório, Nato Pinheiro contemplou um sujeito com a expressão mais serena do que a de um monge budista e a tranquilidade de alguém diante de um mar sem ondas. Tiago tinha as mãos algemadas e as algemas presas na mesa de tampo de aço inox. Ele levantou seu olhar para o investigador e sorriu.

    — Você me venceu. Merece todo o meu respeito.

    — Não foi tão difícil assim. — puxou sua cadeira.

    — É verdade. Como não vi aquele erro na hora da edição. Acredita que passei cerca de duas horas fazendo aquela porcaria de vídeo?

    — Não brinca? — entrelaçou os dedos.

    Tiago anuiu.

    — Vamos em frente. Quero saber porque matou Sofia Cury?

    — Sofia foi a escolhida. Simples. — falou sem esboçar qualquer sentimento.

    — Escolhida? Você pertence a algum tipo de seita?

     — Seita? Não! Esse tipo de coisa é conversa pra boi dormir. Eu sou livre.

     — A pomba desenhada na testa dela tem alguma coisa a ver com esse negócio?

     — Que negócio? — perguntou com ar de riso.

    — Opa! Quem faz as perguntas aqui sou eu. — Nato segue com os dedos entrelaçados. — Você a espancou até a morte porque?

  — Como eu falei, Sofia Cury foi a escolhida. Foi sacrificada e recebeu o seu selo por isso.

  — No caso, o tal selo é a pomba desenhada?

     — Exatamente! — fechou os olhos.

    — Você a escolheu aleatoriamente?

   — Nem tanto. Digamos que eu já nutria algum sentimento por ela. Quando a vi de mãos dadas com o namorado meu coração se encheu de furor então uni o útil ao agradável.

    Nada faz sentido. Esse cara surtou de vez. Pensou olhando nos olhos de Tiago.

   — Tudo bem. Então não há a possibilidade de Sofia Cury ter sido vítima de uma seita ou algo desta natureza?

   — Lhe asseguro que não.

   A paciência de Nato já havia se esgotado.

  — Diga o que foi aquilo então. — vociferou. — quando eu te prendi você mencionou nós. Tem mais alguém envolvido?

     Nesse momento o semblante do rapaz se tornou soturno e a partir daí ele não falou mais nada acendendo a fúria do agente.

     — Uma moça jovem, inocente morreu, teve a vida interrompida pelo capricho de um maluco. Você será condenado e espero que sofra na cadeira, seu merda. — levantou-se.

    O capricho de um maluco! Gostei. Como não pensei nisso antes? Condenação e sofrimento são coisas que somente o nosso corpo mortal pode sofrer. Eu sou o consolador e fui retirado do pódio. Talvez eu não tenha feito as coisas como deveriam ser. Sigamos então.

*


   Revolta. Tristeza. Consternação. Todos estes sentimentos orbitavam entre os muros do cemitério, deixando uma atmosfera que já é carregada ainda mais insuportável. Nato não queria estar lá, mas era preciso. Assim que pôs os pés naquele lugar, ele foi rodeado por dezenas de repórteres lhe fazendo perguntas sobre a resolução do caso Sofia Cury. Enquanto dava atenção aos profissionais de imprensa Pinheiro pode notar a saída de Lucas Ramos abraçado ao pai e a mãe de sua finada namorada de dentro da capela onde o corpo era velado.

  — Com licença. — passou pelos jornalistas.

    — Detetive Pinheiro. — Lucas tinha os olhos vermelhos. — que bom que o senhor veio.

     Após prestar suas condolências aos pais de Sofia, Nato recebeu os agradecimentos do jovem namorado enlutado.

    — O senhor realmente pegou o culpado. A justiça foi feita. Obrigado. — estendeu-lhe a mão.

    — Não precisa me agradecer.

    Sofia Cury foi sepultada sob uma calorosa salva de palmas, alaridos e gritos de protestos. A emoção tomou conta de todos e isto inclui o agente da civil acompanhando toda situação um pouco mais afastado.

*


   — O que tem pra mim, Fagundes? — Nato puxou uma cadeira.

  — Sua esposa anda me dando muito trabalho, hein. — Arnaldo organizava algumas fotos sobre a mesa.

   — Sério? Ela é tão escorregadia assim?

  — Demais. É preciso fazer um trabalho de garimpeiro. Vou cobrar a mais. — brincou.

   — Putz! Aí você me quebra.

   — Relaxa. Como eu falei, dona Regina tem feito as coisas muito bem feito, ou…

  — Ou ela não tem outro. — Nato se inclinou.

   — Quem é esta? — pegou uma das fotos.

   Pinheiro segurou a foto e viu uma negra linda de sorriso largo e não só isso, ela também era gostosa.

    — Esta é a Júnia. — devolveu a foto.

  — Júnia Lemos, acertei? — Fagundes devolveu a foto para dentro de sua agenda. — vou acompanhá-la mais de perto.

   Renato ficou sem chão.

*


   — Tiago Garcia, visita pra você. — informou em alto e bom som o carcereiro.

     Tiago foi levado para uma sala que fica no final do corredor onde alguém o aguarda. Ao ver tal pessoa o seu semblante mudou da água para o vinho.

    — Ah! Se não é o meu Salvador.

Fim da parte 1

terça-feira, 16 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino Capítulo 3

 


A Bíblia do Assassino 

Capítulo 3


   Todo o ambiente está impregnado pelo aroma do creme corporal usado por Regina desde quando se casou com Renato. É praticamente um ritual após o banho ela se lambuzar dos pés a cabeça do tal produto sentada na ponta da cama. Vê-lá se produzindo antes de ocupar o seu espaço ao lado dele só faz com que Nato se sinta ainda pior. Ele sabe que esta será mais uma noite onde seu desejo de fazer amor será vetado. Mas não custa nada tentar. Ao apagar a luz e se deitar Regina foi abordada pelo policial que finge segurar uma arma.

    — Licença senhora, inspeção de rotina.

  — Ah, poxa senhor policial, pode ser outra hora, estou com pressa.

  — Negativo, senhora, isso precisa ser feito agora. — lhe apalpou os seios.

    Regina se afastava a cada investida do marido e quando perceberam ela se encontrava na ponta da cama, pendurada quase.

    — Qual o seu problema, Rê? — Nato deu por encerrada a brincadeira.

    — Nenhum! — ajeitou os travesseiros.

    — Nenhum? Você acha normal um casal casado não ter relações a quase um mês?

   — Não vejo problema algum nisso. O importante é o amor que sentimos um pelo outro e também, essa época de pegação já passou. — acariciou o rosto do esposo.

    — Quer dizer que, eu, um cara de 46 anos, que não bebe e nem fuma, viril, com saúde, casado com uma mulher bonita e gostosa não precisa mais transar com ela, que essa época já acabou. É isso?

     — Eu não quis dizer isso. Eu só estou tentando dizer que, sexo para nós já não é prioridade. Há outras coisas a serem resolvidas. — puxou o edredom.

    — Tipo? — Nato deu de ombros.

    — Quer mesmo que eu diga?

    A vontade louca de coabitar já havia se dissipado e tudo o que Pinheiro queria naquela hora era desaparecer ou dormir e nunca mais acordar. Ou pelo menos despertar quando finalmente sua mulher estivesse disposta a lhe dar uma noite de amor. Nenhuma das coisas que pensou aconteceu. Minutos depois lá estava ele debaixo de um chuveiro frio fazendo com que a água leve embora toda fúria sentida. Regina segue dormindo e roncando feito uma geladeira antiga.

*


   Às nove horas e quarenta sete minutos daquela manhã nublada, porém abafada de quarta-feira, Jorge Gama dava por encerrada a longuíssima reunião de alinhamento entre os agentes responsáveis por investigar a confecção de passaportes falsos no centro de Porto Celeste. Com muita placidez, sua marca registrada, o chefe de polícia engolia o resto do café frio do copo descartável quando Nato tocou duas vezes no vidro da porta.

    — Bom dia, chefe. Ocupado?

  — Um pouco, mas vá em frente. — juntou alguns papéis.

    — Vou estar voltando a Portal do Ensino agora pela manhã…

  — Já colheu os depoimentos dos presentes do domingo?

    — Ainda não. Eu gostaria de poder voltar lá e conferir com mais minuciosidade o local do crime.

      Gama terminou o que estava fazendo e sentou-se na ponta da mesa.

     — Acha que deixou algo para trás? — cruzou os braços.

      — Tenho essa sensação.

     — Ótimo! E quanto ao desenho na testa da vítima, o que descobriu?

     — Nada ainda.

     Jorge voltou para trás da mesa. Seu desapontamento era bem evidente neste momento.

     — Por isso que eu preciso voltar lá e averiguar mais de perto.

      — Positivo! Tem a minha autorização.

*


    “E o Espírito do Senhor pairava sobre a face das águas”. Todo sangue derramado clama por vingança? Estaria eu condenado a viver para sempre sorvendo o sangue inocente daquela moça? Acho que não. O que me levou a cometer tal atrocidade foi mais forte e aqui estou eu.

*


   O que estaria querendo dizer o assassino desenhando uma pomba na testa de Sofia Cury? Que mensagem ele quer passar? Porto Celeste já foi palco dos crimes mais bárbaros que possam existir, desde linchamentos há execuções sumárias, mas nada dessa natureza.

   — Pomba simboliza paz, pelo que sei. — disse o reitor andando lado a lado com Nato dentro da quadra.

   — Paz? Me perdoe, mas, quem comete esse tipo de crime não quer saber de paz nem aqui e nem na China. — retrucou Pinheiro.

     Eles avançaram para o corredor que dá acesso ao quartinho do material de limpeza. Algo fez o detetive diminuir a marcha.

      — O assassino fez o mesmo caminho que estamos fazendo. — olhou para o alto. — Há uma câmera aqui e outra ali. Certo?

     — Sim! E há outra mais adiante. — completou Barcelos.

     — Impossível. Eu vi e revi todos os ângulos e não há registro das imagens do ângulo de lá. — acelerou os passos.

     A dupla alcançou o ponto exato do onde deveria existir uma câmera apontada para o pequeno corredor e para a surpresa do reitor da universidade, menos para Nato, ela não estava lá.

    — Foi o que pensei. Ele retirou a câmera que ficava aqui, ela lhe entregaria.

      — Deus! — Barcelos fechou os olhos.

   — Lamento informar, mas tenho noventa e cinco por cento de certeza que o assassino desenhista conhece bem todo esse lugar.

     — Um aluno, funcionário? — Barcelos estava em choque.

    — Não posso confirmar isto ainda. Preciso rever mais uma vez as imagens. Vamos lá.

*


   Arthur fazia das tripas coração para tentar se concentrar na tarefa de casa. Português nunca foi o seu forte, e a conversa alta e chata de sua mãe ao celular na sala não o permitia absorver a matéria. Ele abandonou a caneta e o caderno e andou pisando firme até lá.

     — Mãe, pode falar mais baixo? Estou tentando estudar.

    Nem um pouco confortável por ter sido chamada atenção pelo próprio filho, Regina se desculpou com o mesmo e se dirigiu para o seu quarto fechando a porta.

  — Como eu estava falando, tem problemas que nós mesmos procuramos.

      — Você e eu somos prova viva disso, não é?

  — Ah, sei lá. Às coisas foram acontecendo. — cruzou e descruzou as pernas.

     — E como estão as coisas com o Nato?

  — Ontem tivemos um princípio de discussão, mas consegui contornar.

   — Isso já não foi longe demais não? Cuidado, quando um homem não tem em casa ele vai buscar na rua.

     — Está tudo sob controle. — ficou de pé. — Tenho que desligar. Vou ver se o Arthur precisa de uma ajudinha no dever de casa. Beijos.

*


   Alguém havia exagerado ao ajustar a temperatura do condicionamento de ar da sala de monitoramento visto que, era insalubre a permanência ali dentro sem o uso de um agasalho. A rinite de Pinheiro só agradeceu. Neste ambiente gélido também estavam Barcelos com sua típica postura de um diretor de escola e o monitor responsável pelo monitoramento.

    — Além de vocês, quem mais tem acesso a esta sala?

      — Somente a direção e eu, senhor. — falou o monitor.

      — Mais ninguém, você tem certeza? — Nato perguntava ao mesmo tempo que observava as imagens.

      — Tiago veio trabalhar na Portal do Ensino por indicação de outras importantes instituições. Além de um baita inspetor ele também domina essa parte de tecnologia, não é? — apertou o ombro do funcionário.

      — Se o senhor está dizendo… — ruborizou.

     De maneira inesperada o agente pausou o vídeo e pediu para que Tiago ocupasse uma das cadeiras. Devidamente uniformizado, com o crachá pendurado no pescoço exibindo seu nome completo e foto sem sorriso, o rapaz de aparência comum, cabelos crescidos, olhos negros amendoados ficou frente a frente com o policial.

      — Veja bem, Tiago… — olhou para o crachá. — Tiago Garcia. É o meu dever arrancar o máximo de informações das pessoas que estiveram aqui no domingo da morte de Sofia Cury então…

     — Pode perguntar o que quiser, doutor.

    — Além do namorado, com quem mais ela mantinha contato aqui na faculdade?

    — Eu a via muito com as outras meninas de outros cursos na hora do intervalo.

    — Você alguma vez já conversou com ela?

   Barcelos entrou na conversa respondendo pelo funcionário.

  — Não é permitido pela instituição qualquer tipo de aproximação dos nossos colaboradores para com os alunos. Tiago sabe muito bem disso.

   — Quando o expediente terminou no domingo, qual foi o procedimento?

   — Padrão! — seguia sentado sem se mover quase. — verifiquei se haviam esquecido algo nas dependências, tranquei os portões. Ativei os alarmes e sai.

    Tudo o que Tiago estava dizendo batia com o que Nato havia visto nas imagens. Mas ainda assim algo não permitia com que o policial se desse por satisfeito. Por hora o funcionário foi liberado. Barcelos aproveitou o ensejo para seguir com seu trabalho em sua sala deixando o agente sozinho. Muito contra a sua vontade, mas entendendo que se fazia necessário rever os vídeos, Nato relaxou na cadeira e acionou seu radar de polícia o fazendo trabalhar em sua maior potência. Minutos depois ele deixava a sala dos monitores correndo para dar voz de prisão a Tiago.




  

segunda-feira, 8 de abril de 2024

A Bíblia do Assassino | Capítulo 2

 


A Bíblia do Assassino

Capítulo 2


    Tudo aconteceu exatamente como o chefe de polícia Jorge Gama havia previsto. Porto Celeste se transformou em uma verdadeira atração para os principais jornais do país. Nas mídias sociais não se fala em outra coisa que não seja o assassinato de Sofia Cury dentro da maior e melhor universidade local. Prova disso foi a dificuldade que as equipes policiais e periciais tiveram para deixar o lugar devido ao grande volume de pessoas ao redor da instituição. Nato Pinheiro ao ser reconhecido por jornalistas foi imediatamente abordado por pelo menos meia dúzia deles querendo uma declaração.

        — Alguma pista detetive?

        — Nada! As investigações ainda estão se iniciando.

        — O senhor suspeita que o crime tenha sido motivado por trote…

        — Quanto a isso não sabemos, mas não podemos descartar qualquer hipótese. Ainda é cedo. Vamos aguardar o resultado dos exames periciais.

        Pinheiro respondeu mais duas perguntas antes de conseguir deixar a faculdade. Sua intenção era passar na sala do reitor e tentar conseguir o maior número de informações possível. Informação nunca é demais nesses casos. Dentro do carro, antes de ligar o motor, ele deu uma rápida olhada nas fotos e as ampliou.

         — Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto. — falou com relação a foto da pomba.

*

       Arthur Silva Pinheiro, filho único do casal Renato e Regina. Um bonito rapaz de dezesseis anos que é uma mescla dos pais em questões físicas. Se bem que, muitos dizem que há uma boa parcela de Regina na aparência do jovem, coisa que certamente Nato desaprova. Mas o que importa de verdade é que Arthur tem crescido e ganhado bagagem sob a supervisão dos pais que o amam e desejam que o seu futuro seja bem melhor que o presente deles.

        — Rolou aquela bolinha hoje depois da aula, filhão. — Pinheiro descascava as batatas.

          — Claro que rolou. Botei logo três pra dentro. Fui vice artilheiro da partida.

          — E o teste de física, como foi? — Regina amassava os dentes de alho.

            — Uma porcaria, mas eu acho que fiquei na média.

            — O que já conversamos sobre o ficar na média? — continuou Regina. — Qualquer um pode ficar na média. Só os melhores a ultrapassa. O que acha de estudar um pouco mais?

         Nato jogou as batatas na panela com água e buscou pelo sal dentro do armário.

           — Não vou tirar a razão de sua mãe. Meu velho pai dizia o mesmo para mim. Depois do almoço vamos dar uma estudada juntos. Certo?

        Como fora combinado, Renato se recolheu juntamente com Arthur para o quarto enquanto que Regina esticava as pernas no sofá mexendo no celular. Nato não é nenhum expert em física, mas o pouco que sabe ele auxilia o filho.

          — Pai, posso fazer uma pergunta?

          — Tem haver com o que estamos estudando?

          — Não, mas… — coçou a nuca.

          — Vai logo, pergunte o que quiser.

          — Já pensou em se divorciar?

         De onde esse cara tirou essa ideia?

          — Se eu lhe disser que nunca vou estar mentindo. Digamos que foi algo bem remoto. Por que a pergunta?

            — Sei lá, estou sentindo vocês um pouco distante um do outro.

          Os filhos sentem quando algo não vai bem entre seus pais.

             — Casais passam por fases, meu filho e no momento, eu e sua mãe estamos tentando ajustar nossos ponteiros. É só isso. Não se preocupe.

        O telefone de Pinheiro tocou. Era o perito.

           — O sêmen encontrado no corpo pertence a Lucas Ramos.

           — Lucas Ramos? Quem seria esse?

           — Este é um trabalho para o fantástico Nato Pinheiro. — brincou. — e outra coisa. Já pode descartar a possibilidade de estupro. A menina era virgem.

           — Tá de sacanagem? — deixou a escrivaninha. — e a causa da morte?

          — Ela recebeu duros golpes no rosto e cabeça, porém o que a matou foi talvez um soco na têmpora esquerda.

         — Lucas Ramos! Pode deixar vou fazer uma visita a ele.

           — Boa sorte!

        Arthur já havia terminado e acertado a todas as questões passadas por Nato quando o mesmo o informou que sairia por alguns minutos. Na sala Regina roncava feito uma serra elétrica segurando o telefone junto ao peito. Mais tarde eu converso com ela.

*

     Com o clima um pouco mais ameno ao redor da universidade, Pinheiro pode estacionar seu veículo do outro lado da calçada sem ser incomodado por jornalistas. Lucas Ramos. Aproveitando que o trânsito havia dado uma trégua ele atravessou os dois sentidos da pista e pronto, lá estava Pinheiro de frente para a gloriosa fachada da Portal do Ensino.

       O reitor da universidade, um sujeito de meia idade, alto de cabelos e cavanhaque brancos o recebeu em sua sala que fica no primeiro andar. Nato estava impressionado com a educação e a forma de se vestir do gestor.

       — Preciso das imagens das câmeras.

       — Perfeito. Vou pedir a um dos monitores que o leve até a central de monitoramento.

       — O senhor sabe me informar quem seria Lucas Ramos?

        Barcelos pensou por um instante e logo se recordou de quem seria o nome.

        — Lucas Ramos é o namorado da Sofia Cury.

          — Certeza?

          — Nenhuma! Mas me lembro de vê-lo com ela por aí. Por que?

          — Nada. Eu só tenho que conversar com quem era próximo dela. Esse é o meu trabalho. Fazer perguntas.

        Nato foi levado à sala de monitoramento. Uma bela sala diga-se de passagem. A tecnologia é algo que, nas mãos certas ela é capaz de deixar o mundo de ponta cabeça. Toda essa habilidade foi demonstrada pelo responsável pelas máquinas do sistema de vigilância. Em poucos minutos lá estava Nato concentrado nas perfeitas imagens do dia e horário do assassinato.

        Sofia atravessou correndo a quadra em direção às arquibancadas justamente onde fica o quartinho. Parecia apertada para ir ao banheiro, mas algo a fez mudar a rota. Alguém a chamou?

          — O que ela fazia aqui no domingo?

          — O Barcelos permite que os alunos venham à faculdade e usem as dependências para a prática de esportes, biblioteca e encontros aos finais de semana, tudo isso com bastante antecedência é claro.

         — Você estava escalado nesse dia?

         — Sim!

        Pinheiro deu um tempo na conversa com o monitor para prestar atenção no vídeo. Sofia parece que foi atraída a seguir até o lugar onde ela seria morta.

        — Uma pena que não há câmera no corredor do quartinho. — falou o monitor logo atrás do detetive.

          — Pois é. Pelo visto o criminoso já estava dentro da universidade e mesmo que não haja câmera no corredor, uma hora ele vai aparecer deixando as dependências. Vou seguir acompanhando.

        Sofia Cury desapareceu do ângulo de visão da câmera que fica no final da arquibancada e não voltou mais. Nato Pinheiro passou cerca de quarenta minutos sentado, com os olhos fixos na tela aguardando o surgimento do assassino e ele não apareceu.

        — Como assim? — coçou o queixo.

        — Se o senhor quiser eu posso continuar dando uma olhada…

        — Lhe agradeço. — se levantou. — Tenho que saber com exatidão quem esteve aqui nesse último final de semana. Quero falar com todos. Como consigo isso?

         — Vá até a portaria e peça a folha de assinaturas.

         — Pode fazer isso pra mim?

         — Claro. Vou falar com o Barcelos.

        Antes de embarcar, Pinheiro deu outra olhada no papel xerocado cedido pelo reitor. Haviam poucos nomes na lista. O de Lucas Ramos não constava. Um álibi.


*

    A casa de Lucas Ramos mais parece uma fortaleza com seus muros de quase cinco metros de altura e ainda contando com o auxílio das cercas elétricas bem no alto. Claro que, alguém mal intencionado olharia para tudo aquilo já bolando um plano de como invadir o lugar e roubar todos os pertences. Somente uma família abastada com medo de tudo e de todos faria tal construção. Pinheiro desembarcou não tão rápido. Sua mente no momento se encontrava em outro lugar uma vez que Fagundes o enviou uma mensagem enquanto ele se dirigia à residência do namorado de Sofia. Ao se aproximar do portão e antes de acionar o interfone ele leu o conteúdo da mensagem.

     “Quer dizer que, quando você saiu de casa ela estava dormindo no sofá? Dê uma olhada nesta foto”

        Sim! Infelizmente era Regina entrando em um carro de aplicativo em frente a casa do casal. Arnaldo Fagundes ainda estava online.

        “Ela deixou o bairro e no momento o carro segue pela avenida Patriota”

        Bastante desapontado, Nato digitou.

        Às vezes é melhor não sabermos das coisas. Mas, valeu. Qualquer coisa pode me ligar.

        Trêmulo o investigador apertou o interfone. Aguardou alguns segundos ainda digerindo tudo o que se passava em sua vida no momento. Uma voz metalizada feminina soou.

        — Sou o investigador Renato Pinheiro, o Lucas se encontra?

       — Polícia? O que quer com o meu filho?

        — Eu só quero fazer umas perguntas, senhora.

         — Aí, meu Deus.

       Nato teve que rir. Mães!

       O portão foi destravado e o próprio Lucas surgiu de camisa regata de seu clube de coração, bermuda e descalço. Um jovem boa pinta de cabelos e barba bem feitos.

        — Lucas Ramos, imagino.

        — Sim. Eu já previa esta visita. — Lucas visivelmente abalado cruzou os braços. — é sobre a Sofia, não é?

       Pinheiro assentiu.

       — Vamos entrando.

      Verdade seja dita: Lucas Ramos é um tremendo de um playboy. Um Mauricinho filho de um médico cirurgião de sucesso e de uma empresária no ramo de vestuário. Ao entrar na casa, Nato Pinheiro teve a impressão de estar adentrando em um mundo paralelo onde nada de mal acontece. A ilha da fantasia.

      — Quer um suco? — Lucas voltou a cruzar os braços.

        — Não precisa se preocupar. Não vou demorar.

       Da porta da cozinha para sala surgiu uma mulher aparentemente chegando aos sessenta anos. Bem vestida, imponente e como não poderia ser diferente, esnobe por natureza.

       — Eu te avisei para não se envolver com aquela garota, não é, Lucas?

         — Mãe, por favor. Este é o investigador Pinheiro. Ele só veio me fazer perguntas.

         — Eu vi na lista de presentes no último final de semana lá na faculdade e não consta o seu nome. Aonde estava?

         — Eu até a Levei na universidade. Sofia queria pegar um livro na biblioteca e como estávamos brigados então…

          — Você voltou para casa?

          — Sim, ele voltou para casa. Recebemos a visita da minha irmã e ele passou o restante do dia conosco. — A mamãe também cruzou os braços. Mau de família, pensou Nato.

        — Tem alguma ideia de quem possa ter feito isso? A Sofia tinha algum desafeto?

      — Olha, detetive. Diferente do que minha mãe achava, Sofia era uma menina de ouro. Longe dela querer dar o famoso golpe do baú. — falou olhando para a mãe. — Eu estava curtindo ficar com ela.

      Era a hora de encerrar aquela conversa. Lucas acompanhou o policial até o portão. O clima não era dos melhores, mas como os dois estavam sozinhos, Nato não perdeu a oportunidade.

      — Sofia era virgem e havia sêmen teu nas roupas dela.

       Lucas não esperava por essa, motivo de seu desconforto.

       — Lembra quando falei que estávamos meio brigados? Então. Esse foi o motivo. Fizemos uma brincadeira dentro do carro antes de seguirmos para a faculdade e… eu a sujei. Foi isso. — Abaixou a cabeça.

      — Entendo. Obrigado pela cooperação, Lucas.

      Nato havia dado dois passos em direção ao carro quando Lucas disparou.

      — Promete pegar quem fez isso com ela? — Agora ele estava chorando de verdade.

        — Prometo!

*


    Camisa de mangas compridas, mas dobradas na altura dos cotovelos branca com finas listras azuis. Calça jeans e sapatos pretos engraxados no capricho. Desde quando deu os primeiros passos na carreira como detetive particular, Arnaldo Fagundes sempre gostou de estar bem apresentável. Tirando a calvície, coisa que ele odeio, até que Fagundes não é de se jogar fora, mesmo perto dos sessenta anos ele ainda arranca suspiros das mulheres por onde passa. Enquanto aguarda a saída de Regina de dentro de um barzinho mequetrefe, ele anota o contato de uma nova cliente em busca de respostas sobre a fidelidade de seu namorado. Traição é uma doença contagiosa, pensou vendo a saída da esposa de Pinheiro do estabelecimento. O que ela veio fazer aqui?

    Regina deixou o bar sozinha, parecia feliz, satisfeita, caminhando para o ponto de ônibus. Renato é um cara de sorte. Fagundes aproveitou para registrar o momento batendo algumas fotos e as enviando imediatamente para quem era de direito.

    Ela deixou o bar sozinha.

    Renato está digitando.

    Tem certeza?

    Absoluta! E outra coisa. Ela vai voltar de ônibus.

    Isso não faz sentido. Ela deve passar em outro lugar. Observe em qual linha ela vai embarcar.

     Arnaldo teve uma ideia.

     Ligue para ela. Pergunte se ela está em casa.

     Regina estava parada junto de outras pessoas quando seu celular tocou. Fagundes só observava. Ela falou durante alguns segundos e depois guardou o telefone na bolsa.

     Perguntei se ela estava em casa e ela disse que sim, mas que passaria na casa da mãe daqui a pouco.

      Ela acabou de embarcar no coletivo linha 780.

     Renato está digitando.

     Quando a isso ela não mentiu.

     Vamos ver no que vai dar.

*


    Fones enterrados nos ouvidos. Olhos fechados com o vento fresco, quase frio lhe esbofeteando o rosto. Ele caminha sem pressa para sua residência. Enquanto a música instrumental ressoa como uma canção de ninar ele recordou-se de Sofia, o que ela estaria fazendo agora do outro lado da vida? Fiz um bem tremendo ao além enviando para ele a suculência natural de uma morena. O jeito pode não ter sido o mais adequado, porém o que importa de verdade é a intenção. Sempre foi a intenção o mais importante e assim há de ser.