Em seu braço já não há espaço para perfurações e mesmo assim Alberto crava a agulha na ferida inflamada. A careta denuncia a dor aguda que sente ao ser furado mais uma vez naquela noite fria e chuvosa. Molhado e sujo, o jovem universitário deixa a droga penetrar em sua veia. Seus olhos estão vidrados e úmidos sem vida alguma. Os carros passam na avenida jorrando água sobre seu corpo magro e pálido. Sem forças para se levantar Alberto permanece deitado na sarjeta.
Finalmente a droga faz efeito e ele sente isso. Mais uma vez ele se esforça para se levantar e consegue. Ensopado pela chuva que cai, Alberto caminha se arrastando como um morto vivo pelo acostamento perigoso. Ele olha para o alto como se fosse clamar ao Deus do céu que envie alguém que lhe tire dessa situação vergonhosa. Antes que ele pudesse falar algo, um farol o ilumina e ele pensa em se tratar da luz divina. Alberto estava errado, um carro luxuoso para no acostamento e um sujeito desce sem se importar com a chuva torrencial:
- Alberto! – diz o homem vestido de terno e gravata.
- Sim? – Alberto aperta os olhos para poder enxerga melhor.
- Onde pensa que vai à uma hora dessas?
- Eu iria procurar uma igreja ou alguém que pudesse ajudar a largar isso. – mostra a seringa e o elástico.
- E se eu te falar que ninguém vai poder lhe ajudar. – o homem se aproxima mais.
- Como assim? Eu sempre ouvi dizer que Deus pode livrar a todos que pedirem a Ele. – a chuva continua a cair.
- Esqueça Deus, Ele não está nem ai pra você, a melhor solução é você dar cabo a sua vida, ai sim você terá uma chance.
- Me matar? – Alberto sussurra.
- Isso, a morte é a solução para todos os problemas, ela tem o poder de encerrar as dores, preocupações, ansiedades e outros sofrimentos. – a fala do homem é pausada e mansa.
- Vendo por esse lado. – a chuva aperta e trovoes são ouvidos longe.
- Pense, seu sofrimento pode ter fim ainda essa noite.
Alberto fica em silêncio refletindo em tudo o que tem enfrentado com as drogas. Os aborrecimentos com seus pais, os furtos em sua própria casa para sustentar seu vicio, a perda da mulher amada e o afastamento dos melhores amigos.
- Como posso fazer isso? – indaga Alberto.
- Simples, vem vindo um ônibus, basta apenas ficar parado e deixar que ele faça o trabalho.
- E se não funcionar, e se eu ficar paralítico?
- Eu darei uma mãozinha, agora vá, o ônibus vem vindo em alta velocidade.
Sem hesitar Alberto se lança para o meio da pista. Os faróis do coletivo o ilumina e ele abre os braços. O veículo vem em sua direção buzinando e freando. Logo o rosto de Alberto se choca com a frente do ônibus e ele cai no asfalto molhado com a chuva caindo firme. Ele abre os olhos e mesmo com a visão turva e distorcida ele consegue ver o motorista do ônibus descer do coletivo e se aproximar do homem. Eles falam algo que o universitário não consegue ouvir e logo o motorista do ônibus saca uma espada de fogo iluminando o rosto do tal homem que se afasta até desaparecer. Alberto fecha os olhos caindo na escuridão.
No dia seguinte
O teto é branco como a neve. As paredes também. Alberto abre os olhos e vê seu pai e sua mãe abraçados no canto da sala do hospital.
- Meu filho, que bom que acordou. – Diz seu Afonso se aproximando.
- Ai meu filho que susto você nos deu. – dona Fátima alisa o rosto ferido do filho.
- Pai, mãe, como é bom vê-los.
- O doutor falou que você terá alta ainda hoje.
A família Queiroz aguarda o ônibus e ele vem. Seu Afonso faz sinal e o coletivo para tranquilamente. Dona Fátima sobe seguida por seu esposo. Por ultimo Alberto que faz questão de dar bom dia ao motorista. Ao olhar para o homem que conduz o coletivo o universitário se recorda, é o mesmo da espada de fogo, Alberto se vê tentado em falar algo, mas antes disso o motorista pisca para ele e sorrir.
Fim
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